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Com 67 delegações presentes, último encontro preparatório antes da COP de Belém revelou avanços em temas como adaptação, mas manteve pontos sensíveis que exigirão mediação complexa em novembro. (Rafa Neddermeyer/ COP30)
Editora ESG
Publicado em 16 de outubro de 2025 às 09h45.
Última atualização em 16 de outubro de 2025 às 10h05.
Uma das conferências climáticas mais aguardadas dos últimos anos está prestes a começar. Nesta semana, pode-se considerar que aconteceu o último ensaio antes do grande evento: a pré-COP reuniu 67 delegações em Brasília para testar o terreno das negociações.
A reunião interministerial revelou tanto as promessas mais factíveis quanto obstáculos para a primeira COP realizada na Amazônia.
O encontro de segunda e terça-feira faz parte de uma agenda inédita proposta pela presidência brasileira da COP30. Vale mencionar que André Corrêa do Lago, presidente da COP30, quebrou tradição ao antecipar discussões que normalmente acontecem apenas durante a segunda semana das conferências climáticas.
A estratégia visou criar mais tempo para consensos e evitar que negociações importantes fiquem concentradas nos dias finais do evento em Belém. E, no caso específico da reunião de Brasília, incluiu estabelecer uma divisão dos países com interesses comuns em subgrupos, que deve ser crucial para construir pontes onde hoje há abismos.
Ana Toni, diretora-executiva da COP30, detalhou em entrevista coletiva: "Mapeamos grupos que querem a mesma coisa, mas que tenham 'red lines' diferentes, para que eles se entendam e tragam soluções".
Em uma entrevista coletiva ao término da programação, um panorama de consensos possíveis foi destacado como o aspecto mais positivo do encontro.
"Mais do que dissensos, escutamos das delegações quais eram as linhas vermelhas dos países",explicou Ana Toni. Em complemento, a ministra Marina Silva reforçou que houve consenso sobre a necessidade de novos instrumentos econômicos para valorização da natureza.
Já entre os temas mais específicos previstos nas discussões, a adaptação climática ganhou um necessário, porém inesperado protagonismo. No Brasil, o tema ficou particularmente latente após as enchentes do Rio Grande do Sul, que transformaram uma discussão técnica em urgência nacional.
E a reunião pré-COP conseguiu estabelecer um cronograma concreto para definir indicadores de adaptação já na primeira semana da cúpula de novembro, deixando a segunda semana para implementação.
Em entrevista à EXAME durante o evento, Alice Amorim, diretora de programa da COP30, explica a mudança de paradigma:
"A adaptação sempre foi uma agenda dos países mais vulneráveis, pautada em doação. Mas existe toda uma economia da adaptação surgindo, que acontece de maneira silenciosa e em muitos lugares descoordenada".
A declaração faz referência direta ao caso gaúcho. "[Na época] O governo federal suspendeu a cobrança de dívida pública após o desastre. Isso é exatamente o que as ilhas estão pedindo globalmente", lembrou Amorim, traçando um paralelo entre a resposta brasileira e as demandas que vem, sobretudo, de pequenos Estados insulares.
Como já era de se esperar, nem tudo fluiu harmoniosamente. Informações de bastidores revelaram que a tensão escalou durante o debate sobre transição justa, quando a Arábia Saudita reagiu após Marina Silva e outros países defenderem a implementação do compromisso de Dubai sobre o abandono gradual dos combustíveis fósseis.
Firmado durante a COP28, o acordo ficou "esquecido" na COP29, em Baku, quando países produtores de petróleo - sobretudo do bloco árabe - rejeitaram menções que consideraram contrárias ao setor de combustíveis fósseis.
A reação saudita se explica justamente por, como segundo maior produtor de petróleo do mundo, o país liderar o bloco da resistência a metas mais ambiciosas de descarbonização.
Pré-COP30, em Brasília: Arábia Saudita reage contrariamente após defesa do compromisso de Dubai pelo abandono gradual de combustíveis fósseis. (Rafa Neddermeyer/ COP30)
Outra questão crítica que permanece é mais uma herança da COP anterior: a do financiamento climático. Em Baku, as nações concordaram com um aporte de US$ 300 bilhões até 2035 - valor que representa menos de um quarto dos US$ 1,3 trilhão estimados como necessários.
Contudo, como ponderou José Alexandre Scheinkman, economista que lidera o conselho assessor de economia da COP30: "A engenharia financeira pode ajudar muito, mas é muito limitada. Os mercados não vão ser suficientes".
A declaração ecoa preocupações sobre a viabilidade do roadmap de Baku a Belém, documento que precisa detalhar como mobilizar os recursos prometidos.
Por fim, segue como foco de principal apreensão, o cenário das metas nacionais. Apenas 62 dos 195 países apresentaram suas NDCs revisadas, representando somente 31% das emissões globais.
Grandes emissores como União Europeia e Índia, embora presentes em Brasília, ainda não renovaram seus compromissos. Sobre a UE, Corrêa do Lago contemporizou:
"A bilateral com a União Europeia foi muito clara, um comprometimento muito grande com relação às suas NDCs. Eles estão absolutamente comprometidos em assegurar um papel de liderança da União Europeia nesse contexto".
Porém, o número total está drasticamente abaixo do esperado considerando que a ONU projetava ter ao menos 125 documentos entregues até novembro, e muitas das metas apresentadas estão aquém do esperado.
Para a sociedade civil, uma das principais lacunas da pré-COP foi a ausência de destaque para as florestas. "Onde estão as florestas nas negociações? Afinal, um dos grandes diferenciais da COP30 é que ela acontece na maior floresta do planeta", questionou Camila Jardim, do Greenpeace Brasil.
A justificativa pode estar no fato de ter sido o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), mecanismo de US$ 125 bilhões destinado a preservar biomas florestais em 70 países, protagonista de outro fórum pré-COP oficial, em Nova York, no fim de setembro.
O fundo foi lançado oficialmente pelo presidente Lula durante a Assembleia Geral da ONU e prevê repasse direto de 20% dos recursos para comunidades indígenas e tradicionais, remunerando US$ 4 por hectare preservado.
Contudo, como reforçou Gustavo Souza, da Conservação Internacional, "soluções baseadas na natureza podem gerar até 30% das reduções de emissões necessárias até 2030, mas recebem menos de 3% do financiamento climático."
O "ensaio geral" em Brasília deixou mais claro que a COP30 não será uma conferência comum. Entre os avanços concretos na agenda de adaptação e os impasses previsíveis sobre financiamento e combustíveis fósseis, o Brasil assume o desafio de mediar uma das negociações climáticas mais complexas dos últimos anos - e sob o olhar atento do mundo, já que ocorrerá no bioma mais simbólico do planeta.
Como resumiu André Corrêa do Lago, o maior legado da pré-COP foi justamente "mapear as 'linhas vermelhas'" de cada país.
"Agora temos isso agora muito melhor mapeado, porque eles [os países] foram muito claros nos limites do que eles podem ou não podem aceitar num processo de negociação", explicou o embaixador.
O diagnóstico detalhado permitirá à presidência brasileira trabalhar nos próximos 20 dias para transformar conflitos em consensos.
No entanto, o sucesso em Belém será medido não pela ausência de discordâncias, e sim pela capacidade de traduzir divergências em ações concretas. Afinal, como declarou Marina Silva, o único consenso inquestionável é que "é muito difícil estabelecer consenso entre 198 países" - mas não impossível.