No mercado alemão, cálculos da Volkswagen indicam que o custo mensal de um carro elétrico é 30% menor do que o de um carro a combustão (Christoph Soeder/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 18 de junho de 2021 às 14h46.
Última atualização em 18 de junho de 2021 às 14h58.
Paulo Puterman*
As maiores montadoras do país indicaram, nos últimos meses, a possibilidade de interromper a fabricação de carros flex no Brasil. Os CEOs de GM, Volkswagen e Stellantis comunicaram a opção de longo prazo pela mobilidade elétrica, com o fim dos investimentos em motores a combustão. Já a Ford fechou todas as suas fábricas brasileiras.
Essa tendência coloca em dúvida o futuro do etanol como combustível. O principal driver para a eliminação da utilização do etanol em veículos não será a sua contribuição para as emissões de carbono, ou a questão ambiental, e sim o fim da fabricação de carros movidos a combustão interna (MCIs, na sigla em inglês) combinado ao barateamento exponencial dos veículos elétricos.
Dados da Bloomberg indicam que o valor das baterias irá cair continuamente até 2030, reduzindo sua participação no valor total dos veículos elétricos de 48%, em 2016, para 18% ao final da década. Essa queda acentuada em um dos principais custos do veículo elétrico levará a uma equiparação do preço médio de aquisição de carros a bateria e a combustão já no começo de 2025.
Nos anos seguintes, a tendência é que os custos caiam ainda mais, fazendo com que a barreira inicial de adoção dos carros elétricos (preço de aquisição) seja eliminada.
Essa barreira é a principal defesa dos MCIs nos dias de hoje, visto que as despesas recorrentes para um proprietário de carro elétrico já são menores.
Várias pesquisas indicam que o abastecimento do carro elétrico, por exemplo, representa um dispêndio 50% menor quando comparado a um MCI — essa relação pode variar bastante dependendo do lugar onde se usa os veículos, das tarifas de energia e do preço dos combustíveis locais.
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Além disso, as despesas de manutenção de veículos elétricos são menores em razão da presença de um número menor de partes móveis que necessitam de manutenção mais intensa conforme os veículos envelhecem. No mercado alemão, por exemplo, cálculos da Volkswagen indicam que o custo mensal de um carro elétrico seja 30% menor do que o de um carro a combustão.
Considerando as perspectivas atuais, numa hipótese que incorpora o efeito Osborne (quando um produto novo acaba com a vida do antecessor antes do previsto), é possível prever que os carros a combustão não sejam mais vendidos no mundo a partir de 2026.
O efeito Osborne caracteriza-se pela inação do consumidor quando aprende que, brevemente, uma nova versão do produto desejado (tecnologicamente superior) será lançada no mercado. A indústria automobilística conhece bem esse efeito e o estuda há muito tempo, se utilizando de dados obtidos a partir do anúncio de saída de linha de um carro, ou quando o modelo do ano seguinte está próximo de ser lançado.
Nesses casos, dá-se um fenômeno social de clientes cancelando ou adiando pedidos, motivados por informações ou boatos sobre produtos que circulam rapidamente pela mídia, incluindo as redes sociais.
As análises mais recentes apresentam sinais claros. A transição para a mobilidade elétrica acontecerá de forma abrupta e para toda a indústria, pois a percepção de que uma nova geração de produtos superiores está chegando vai se materializar rapidamente, gerando o efeito Osborne.
A próxima geração de veículos totalmente elétricos com baterias maiores, mais baratos e percebidos como superiores a qualquer veículo queimando combustíveis fósseis é um prato cheio para o efeito Osborne fazer a festa. Tudo indica que os convites para esta festa já estão impressos.
Qual o impacto disto para o consumo de etanol?
Durante muito tempo ainda existirão carros MCIs que poderão se beneficiar do etanol, mas o declínio a partir de 2025 será rápido. Hoje, 90% do etanol produzido é destinado para o mercado de combustível e não existe em vista nenhuma aplicação que pudesse abrigar essa quantidade.
Do ponto de vista do “downstream”, parece que há pouco a fazer, e muito do que foi construído em termos de distribuição relativo à indústria do etanol simplesmente desaparecerá. Já do ponto de vista do trabalho agrícola e industrial, as perspectivas não são tão negativas.
O declínio na demanda por etanol deve trazer uma pressão sobre o preço de açúcar (nada que o setor já não tenha vivido) e que será assimilado em algumas safras.
Se utilizarmos o exemplo de uma usina que produz 7.000 litros por hectare e que teve o litro destilado vendido a 1,5 real em 2019, concluímos que cada hectare rendeu 10.500 reais. Logo esta usina dedicou 52.000 hectares para a produção de etanol.
Observa-se que além de açúcar e álcool, a usina produz também eletricidade cogerada, pois a cana (que foi utilizada para a produção de açúcar ou etanol) gera bagaço que é queimado para a produção de vapor/energia.
Alternativamente, a produção de eletricidade pode ser incrementada pelo cultivo de biomassa dedicada, que se aproveitará da estrutura agrícola e industrial existentes.
A emissão de carbono num processo de bioeletricidade é semelhante ao volume de emissões de geradoras solares e eólicas.
Além disso, o aumento da frota elétrica vai obrigatoriamente exigir maior disponibilização de eletricidade para o sistema, e o incremento na produção de bioeletricidade pode contribuir para esse movimento.
Mas, como se comporta do ponto de vista econômico a substituição do etanol produzido pelo aumento de produção de bioeletricidade?
Num processo de cultivo dedicado, não irrigado, para a produção de energia, podemos produzir 20 MWh por hectare ao ano. Vendida a um preço médio de 200 reais/MWh, essa energia geraria um caixa de 4.000 reais por hectare, diminuindo a receita apurada em 60%, no comparativo do caixa gerado pelo Etanol (10.500 reais como vimos). No composto geral o impacto é menor, visto que o açúcar é responsável por 50% do faturamento líquido da usina.
Do ponto de vista da rentabilidade, no entanto, o impacto não será tão grande, pois o custo por hectare de cultivo dedicado para a geração de energia elétrica é inferior ao custo de cultivo da cana para produção do etanol. Não me aprofundarei nesses detalhes pois os custos variam muito em função do cultivo selecionado (eucalipto, capim elefante, cana energia etc.).
Assim, é possível se prever que o setor disponibilizará mais 5 milhões de hectares para a produção de energia elétrica, adicionando uma capacidade equivalente a 10.000 MW médios, facilmente assimiláveis pela entrada da frota elétrica a partir de 2025.
Entendo que esse será o caminho econômico para mitigação dos impactos negativos na cadeia agrícola/industrial do etanol, na violenta transição para a mobilidade elétrica que se aproxima.
Para que isto aconteça de forma menos traumática, no entanto, os “stakeholders” do setor deveriam entrar agora num acordo semelhante ao que foi feito para o Proálcool, envolvendo produtores, reguladores e, principalmente, todo o setor elétrico.
Sem um bom planejamento centralizado não existe possibilidade de que essa rota seja percorrida com tranquilidade, trazendo mais uma pressão para a economia, que ainda pode ser evitada.
Uma ação urgente se faz necessária.
*Paulo Puterman é Ph.D. em biotecnologia e empreendedor
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