Guilherme Leal, da Natura: "Estamos jogando no lixo um capital reputacional construído ao longo de décadas. A consequência é a perda de competitividade, de riqueza e de prosperidade” (Alexandre Severo/Exame)
Rodrigo Caetano
Publicado em 17 de julho de 2020 às 08h00.
“Eu não acho que estamos diante de um impeachment, mas espero que o governo mude”, afirma Guilherme Leal, co-presidente da fabricante de cosméticos Natura. O empresário participou de uma live, ontem, ao lado do amigo Walter Schalka, presidente da Suzano, fabricante de papel e celulose. O evento foi organizado pelo Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), entidade de classe, fundada em 1987, que defende causas socioambientais. Leal e Schalka trataram de diversos temas, além do governo, entre eles a atual crise de representatividade do setor produtivo, a necessidade de união do empresariado em torno de temas universais e urgentes e os prejuízos à imagem do Brasil gerados pelo desmatamento.
Leal se considera um sonhador. “É possível construir a utopia”, afirma. A principal delas sendo a ideia de que o Brasil pode ser um país desenvolvido. Essa certeza o faz seguir em frente. “É o que me dá sentido. Se eu parar [de lutar por um País melhor], não sei o que vou fazer”. A visão de um Brasil mais justo e igualitário, com oportunidades para todos e respeito ao meio ambiente, ainda é um sonho. Porém, os problemas são reais e urgentes.
O empresário identifica alguns riscos para o desenvolvimento brasileiro. Há a ameaça à democracia, produto de posturas autoritárias, e a polarização excessiva, que impede um diálogo inteligente. Ao mesmo tempo, vê alguns avanços recentes. O discurso do governo em relação ao desmatamento na Amazônia melhorou, graças ao vice-presidente Hamilton Mourão, que assumiu o comando do Conselho Amazônia, criado para coordenar as ações federais na região.
Mas a imagem do Brasil no Exterior é a pior possível e isso impacta os negócios da Natura. “Antes falávamos ‘somos brasileiros, respeitamos a natureza. Hoje, falamos ‘respeitamos a natureza, apesar de sermos brasileiros’”, diz ele. “Estamos jogando no lixo um capital reputacional construído ao longo de décadas. A consequência é a perda de competitividade, de riqueza, de prosperidade e de tudo que a gente possa almejar”.
Não é um problema exclusivo do governo. A classe empresarial sofre com um apagão de representatividade que impede o desenvolvimento de uma visão de futuro. Entidades como a Fiesp perderam a expressão em meio a jogos de poder e a um sistema eleitoral ineficiente. Em síntese, se tornaram representantes de interesses particulares, ou, numa análise mais profunda, ilustrações do patrimonialismo brasileiro. “Há um uso distorcido do poder atribuído a essas representações”, afirma o empresário.
O problema é que, fora desse universo das entidades de classe tradicionais, existe muita dispersão e fragmentação. Leal defende uma união do empresariado em torno de temas universais, de abrangência nacional, a partir do diálogo. “Conversar com quem tem as mesmas ideias é fácil. Duro é conversar com quem pensa diferente”, define. “Mas é assim que se constrói a transformação”.
Schalka concorda com Leal sobre a necessidade de uma reforma representativa. “Muitas entidades surgiram porque os empresários viram que as Fiesps da vida não os representava”, afirma. “Mas, temos de ter menos entidades, fazer uma junção”. Ele cita como exemplo os quase 40 institutos voltados para a área de educação no País. Há boa intenção, mas, na prática, cada um cuida apenas de um pedacinho.
Para avançar com uma agenda de interesses coletivos, diz Schalka, é preciso acabar com dois valores enraizados na sociedade brasileira, o patrimonialismo e o corporativismo. O desmatamento na Amazônia, por exemplo, é uma representação desse patrimonialismo. Hoje, a destruição da floresta é uma atividade quase inteiramente ilegal -- 98%, segundo as estimativas mais recentes. Esse crime interessa a apenas algumas pessoas, que se beneficiam da retirada de madeira e da grilagem, enquanto a sociedade brasileira arca com os prejuízos. “Nós conhecemos o processo, sabemos onde acontece, então, qual a dificuldade de zerar o desmatamento?”, questiona Schalka. Pelas contas do executivo, o Brasil pode atrair 10 bilhões de dólares por ano ao manter a floresta em pé, apenas com créditos de carbono.
Schalka tem dificuldade de entender por que não há uma mobilização maior da sociedade contra o desmatamento. “Se a questão fosse o crescimento do País versus a proteção ao meio ambiente, seria um debate ideológico. Mas não é o caso. Estamos falando do interesse de poucos em detrimento da coletividade”, diz ele. “Mas, aparentemente, há uma identidade de pensamento com o General Mourão em torno da necessidade de preservação”.
O próprio Mourão, no entanto, admite que, para reverter a imagem negativa do Brasil lá fora, apenas falar não vai adiantar. “Precisamos de ação”, define Leal. “Sair de onde estamos e chegar onde queremos dá trabalho. E vejo com preocupação alguns retrocessos. Mas, a verdade é que nenhum governo conseguiu criar um Estado eficiente. Não é grande nem pequeno, é eficiente. Algum redesenho vai ter de existir”.