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Do restauro à revenda: como gigantes do varejo evitam prejuízo com devoluções

Até 30% das compras no e-commerce são devolvidas: à EXAME, empresas contam como conquistaram benefícios financeiros e ambientais neste processo

Empresas brasileiras têm impacto de R$ 84 bilhões com devoluções por ano (Emilija Manevska/Getty Images)

Empresas brasileiras têm impacto de R$ 84 bilhões com devoluções por ano (Emilija Manevska/Getty Images)

Letícia Ozório
Letícia Ozório

Repórter de ESG

Publicado em 25 de novembro de 2025 às 19h15.

Você certamente já comprou algo online e precisou devolver: uma peça de roupa que ficou apertada, um eletrodoméstico com defeito ou um produto que simplesmente não correspondeu à descrição do anúncio. Apertar o botão de "devolução" parece resolver o problema — mas o que acontece depois? Para onde vão esses produtos? Eles são destruídos, recondicionados ou revendidos?

A dúvida não é em vão. Até outubro, o e-commerce brasileiro já havia faturado R$ 282,6 bilhões ao longo do ano — uma alta de 18% em relação ao mesmo período de 2024. Mas entre 17% e 30% desse volume é devolvido pelos consumidores, taxa significativamente mais alta do que os 8,9% registrados nas lojas físicas.

Na ponta do lápis, isso significa que até R$ 84,7 bilhões em mercadorias retornaram para as varejistas, movimentando toda uma cadeia de logística reversa que busca equilibrar sustentabilidade, economia e eficiência operacional.

O destino desses produtos devolvidos envolve desde programas de recondicionamento e revenda até parcerias com cooperativas de reciclagem, revelando os bastidores de um processo complexo que ainda está se consolidando no Brasil.

O desafio brasileiro da logística reversa

A logística reversa — processo que gerencia o retorno de produtos da ponta do consumo até a cadeia produtiva — ainda é relativamente recente no Brasil. "Na Europa, está bem estabelecida desde os anos 2000. Aqui, estamos atrasados porque o Brasil ainda está implementando estruturas para comprovar que ela é mais eficiente da perspectiva econômica, ambiental e social", explica Saville Alves, presidente da Associação Brasileira de Logística Reversa (ABELORE).

Saville Alves, cofundadora da startup de impacto socioambiental Solos

Saville Alves, presidente da Associação Brasileira de Logística Reversa (ABELORE): "Logística reversa ainda é nova no Brasil" (Tayse Argôlo/Divulgação)

Os desafios são múltiplos. Primeiro, a diversidade de materiais e legislações específicas para cada tipo de produto. "Temos diferentes graus de maturidade em cada cadeia", diz Alves. Por exemplo, enquanto a indústria farmacêutica já possui responsabilidades bem definidas — com as farmácias servindo como ponto de contato com o consumidor — o setor de embalagens enfrenta complexidades maiores, especialmente quando envolve produtos importados e múltiplos elos da cadeia.

Outro fator crítico é o consumo descentralizado. "Quando o consumo é bem centralizado em pequenos grupos de alto volume, é mais fácil destinar do que quando se trata do consumidor final", observa a presidente da ABELORE. Para os varejistas, surgem questões sobre regulamentação, obrigações legais e, principalmente, quem assume a responsabilidade financeira pelo processo.

Entre as alternativas para tornar a recuperação dos produtos mais sustentável estão o reuso e revenda dos produtos em casos de pequenas avarias (com um aviso ao consumidor e preço reduzido), o reparo, a remanufatura (retorno para a indústria em busca de novas peças) e recondicionamento (restauro próximo ao original, ) dos materiais.

De acordo com Cristiane Cortez, assessora técnica do Conselho de Sustentabilidade da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de São Paulo (Fecomercio), a última opção considerada deve ser o descarte em aterros sanitários ou industriais. “Além do custo de coleta e disposição final para o varejo, há o desperdício de insumos que poderiam retornar aos processos produtivos, gerando mais necessidade de extração de recursos naturais e consumo extra de água e energia”, explica.

Para ela, a principal dificuldade das empresas na garantia da sustentabilidade ao longo da logística reversa dos produtos devolvidos está em estruturar um processo ágil e transparente ao consumidor, como canais organizados de atendimento, políticas de devolução claras e uma operação logística eficiente para coleta e reenvio, como explica.

“Além do impacto financeiro, há o custo ambiental associado ao transporte reverso, que pode aumentar substancialmente as emissões de CO₂ por pedido, especialmente em setores como moda, em que a prática de bracketing é comum”, afirma. Bracketing é uma técnica em que o consumidor compra diversas peças para depois devolver tudo o que não lhe agrada. Além de gerar prejuízos para as empresas, a técnica (que já passa a se popularizar em outros setores) gera problemas ambientais e logísticos. De acordo com a Fecomercio, as devoluções podem aumentar as emissões de CO2 em até 30% por envio.

O que fazem as principais varejistas?

Mas como as grandes empresas brasileiras tratam desse tema nas suas operações? A EXAME conversou com as principais varejistas e e-commerces para entender como buscam a sustentabilidade ao resgatar e gerenciar os materiais que são devolvidos.

Amazon: prioridade é revender, não descartar

Na Amazon, a prioridade é revender, doar ou reciclar itens não vendidos ou devolvidos – nessa ordem. Saori Yano, líder de Sustentabilidade das Operações da Amazon no Brasil, explica que a grande maioria das devoluções é revendida como nova ou usada, devolvida aos parceiros de venda, liquidada ou doada.

“Se um item não atende aos padrões da Amazon para ser vendido como novo, ele pode se qualificar para ser vendido a um preço reduzido através do nosso programa Quase Novo”, conta. Nessa modalidade, os clientes conseguem ofertas em produtos e de “caixa aberta”, mas com qualidade garantida.

Todas as devoluções são inspecionadas e avaliadas em centros dedicados para determinar se cada item atende ao padrão da Amazon para ser recolocado à venda.

Centro de distribuição da Amazon, em Cajamar (SP): prioridade é revender, doar ou reciclar itens não vendidos ou devolvidos – nessa ordem (Leandro Fonseca/Exame)

A estratégia se concentra em duas frentes: prevenir devoluções antes que aconteçam e dar uma segunda vida aos produtos retornados. Em 2024, a Amazon evitou 14 milhões de devoluções globalmente através de programas de suporte ao ciclo de vida do produto, um aumento de 25% em relação a 2023. Para isso, utiliza inteligência artificial para melhorar descrições e imagens dos produtos, ajudando clientes a fazerem escolhas mais informadas.

A companhia ainda conta com uma rede de centros de devolução que trabalham a classificação e teste para determinar o melhor destino para cada item. “Também usamos tecnologia de classificação habilitada por IA para melhorar a precisão da reciclagem”, conta.

As parcerias com startups entram na busca por soluções inovadoras na sustentabilidade. Foram 12 novos investimentos globais em 2024 em transporte, logística, economia circular e recuperação de materiais com foco em startups que trabalham a logística reversa e o recondicionamento de produtos. “Essas inovações trabalham juntas para estender os ciclos de vida dos produtos, recuperar valor e minimizar o desperdício”, explica.

Casas Bahia: economia de R$ 200 milhões em trocas de produtos

No Grupo Casas Bahia, o processo de gestão de devoluções é conduzido pelo DAT (Departamento de Assistência Técnica), responsável por avaliar cada item e definir se será reparado, reembalado, devolvido ao fornecedor ou encaminhado para reciclagem.

Nos quatro primeiros meses de 2025, cerca de 220 mil unidades passaram por essa triagem: 27% foram reparadas e revendidas como saldo, 48% retornaram aos fornecedores, 15% foram reembaladas e apenas 10% seguiram para sucata — mesmo nesses casos, parte das peças ainda é reaproveitada.

"Nós trabalhamos para dar o melhor destino a todos os produtos devolvidos, transformando o que poderia ser descarte em novas oportunidades", afirma Andreia Nunes, diretora executiva de Gente e Gestão, ESG e Assuntos Corporativos do Grupo Casas Bahia.

As ações do DAT geram ganhos diretos para o negócio. Desde 2022, o reaproveitamento de produtos evitou cerca de R$ 200 milhões em trocas, reduzindo custos com recompras e fretes.

A Casas Bahia também mantém o programa Reviva, com mais de 10 anos de atuação, que atua em duas frentes: a reciclagem de restos de embalagens e materiais de escritórios e centros de distribuição (papelão, plástico, metal, isopor), que são coletados e encaminhados para 11 cooperativas parceiras que fazem a gestão do resíduo e destinação correta. Mensalmente são coletados 100 toneladas de resíduos, material que também beneficia financeiramente as famílias que trabalham nas cooperativas.

Casas Bahia: companhia já evitou R$ 200 milhões em gastos com trocas de produtos

A segunda frente é a coleta de resíduo eletroeletrônico, com coletores presentes em 729 lojas físicas para descarte correto de pilhas, baterias e eletrônicos de pequeno porte, em parceria com a Green Eletron, gestora responsável pelo sistema de logística reversa de eletroeletrônicos. "Além de evitar desperdício, as iniciativas reforçam a economia circular e o uso consciente dos recursos", diz Nunes.

A companhia também investe na expansão dos pontos de coleta e em soluções tecnológicas que permitem rastrear e otimizar todo o ciclo de logística reversa, reduzindo perdas e acelerando o reaproveitamento.

Mercado Livre: 98% de taxa de reaproveitamento

O Mercado Livre adota uma gestão diversificada para produtos devolvidos. Rodrigo Brito, gerente de Sustentabilidade da empresa, explica que itens em bom estado são recondicionados quando necessário e revendidos como semi-novos na categoria "Mercado Livre Recondicionados", que comercializa com valores reduzidos. “A revenda de parte destes produtos diminui o prejuízo e ociosidade de estoques, reduzindo o desperdício e impacto ambiental”, explica Brito.

Produtos com pequenas avarias são doados ou vendidos em lotes para  pequenas empresas, que se responsabilizam pela recuperação e posterior revenda.

O descarte é o último recurso, reservado apenas para produtos irreparavelmente danificados, que são encaminhados para reciclagem ou descarte ambientalmente correto por empresas certificadas.

Mercado Livre: mais de 98% dos produtos devolvidos acabam em destino sustentável (Mercado Livre/Divulgação)

A empresa conta com mais de 4.500 micro e pequenos comércios parceiros espalhados pelo Brasil, os chamados Meli Places, que atuam como postos de devolução desses produtos. Além de reduzir custos e otimizar rotas de transporte da logística reversa, esses pontos fortalecem a economia local: cerca de 40% dos clientes que devolvem ou retiram pacotes nesses locais acabam realizando uma compra adicional no estabelecimento, o que gera receita a mais para os comerciantes.

O resultado é expressivo: mais de 98% dos produtos devolvidos são recondicionados, revendidos, reciclados ou devolvidos aos vendedores. "Isso significa que milhões de itens deixam de ser descartados, reduzindo milhares de toneladas de resíduos e emissões", afirma Brito.

Magalu: recuperação de até 80% do valor original

No Magazine Luiza, cada produto devolvido é avaliado individualmente por equipes técnicas especializadas. Ana Herzog, diretora de Reputação e Sustentabilidade do Magalu, explica que a empresa segue quatro possíveis destinações: devolução ao fornecedor quando previsto contratualmente; recondicionamento e revenda em canais específicos como saldões ou Outlets Magalu; alienação por leilão para parceiros especializados; e descarte ambientalmente adequado como última opção.

O recondicionamento permite recuperar entre 70% e 80% do valor original do produto. “Essa alternativa é considerada uma das mais sustentáveis do ponto de vista econômico e ecológico”, explica.

Já a alienação por leilão garante retorno médio de 20% do custo do item, mas o principal ganho está na redução de resíduos e reinserção de materiais na cadeia produtiva. “Representa uma solução eficiente para produtos com restrição comercial, garantindo o reaproveitamento por empresas especializadas e a monetização de itens que, de outra forma, seriam descartados”, conta.

Centro de distribuição do Magalu: empresa realiza devoluções ao fornecedor, recondicionamento, revenda e leilões como alternativa sustentável (Germano Lüders/Exame)

Um exemplo prático é o Projeto Cristaleira, que visa reduzir o descarte de jogos de copos. Durante a triagem, conjuntos incompletos são analisados e agrupados conforme as normas de qualidade, permitindo sua reinserção em estoque como produtos aptos para venda.

Desde 2021, o Programa de Logística Reversa do Magalu já coletou e enviou à reciclagem mais de 120 toneladas de resíduos eletroeletrônicos. A empresa realiza internamente toda a operação de logística reversa, garantindo controle, rastreabilidade e conformidade com políticas ambientais, mantendo parceria apenas com empresa certificada para a destinação final de produtos sem possibilidade de reaproveitamento.

Leroy Merlin: "Quase Perfeitos" e 83% de reciclagem

A Leroy Merlin desenvolveu o programa "Quase Perfeitos" para produtos em bom estado, mas com avarias na embalagem ou pequenos danos. Andressa Borba, diretora de Impacto Positivo da empresa, explica que sacarias de cimento com embalagem danificada ou quadros que precisariam apenas repor o vidro entram nessa categoria, sendo vendidos com valor menor ao invés de descartados.

O programa começou como piloto e já foi expandido para várias lojas. A empresa consegue recuperar entre 30% e 70% do preço original dos produtos, reduzindo em mais de 10% a geração de resíduos avariados nas lojas — um impacto significativo considerando que a empresa investe cerca de R$ 15 milhões anuais no tratamento de resíduos.  “Assim, reduzimos as perdas ainda no estoque e a destinação de materiais para aterro, melhorando nossa sustentabilidade financeira”, explica.

Leroy Merlin: varejista já doou R$ 150 mil em produtos fora de condições de venda para instituições sociais

Em doações, a Leroy Merlin destinou R$ 150 mil em produtos para instituições sociais através do programa "Jeito de Ajudar", onde as organizações podem se cadastrar para solicitar produtos que não têm condições de venda, mas têm condições de uso.

A empresa também mantém o projeto Leroy Merlin Recicla, com estações de coleta seletiva nas lojas de grande formato para papel, madeira, metal, vidro, eletrônicos e lâmpadas. A taxa de reciclagem atual é de 83%, pouco abaixo da meta de 90% estabelecida para 2030. "Termos chegado a essa taxa de reciclagem no Brasil é muito difícil, já que as tecnologias disponíveis estão muito aquém da taxa que temos atingido", avalia Borba.

A empresa trabalha com operadores ambientais especializados que assumem responsabilidade pela coleta, tratamento e encaminhamento para cooperativas e recicladoras, garantindo rastreabilidade e transparência. A Leroy Merlin também utiliza plataformas digitais para monitorar em tempo real a gestão de resíduos, substituindo controles manuais e permitindo auditoria externa anual.

Ganhos ambientais da logística reversa

Os benefícios ambientais da logística reversa vão muito além da simples redução de resíduos. Segundo Saville Alves, da ABELORE, reintroduzir materiais na cadeia produtiva significa "regenerar e deixar de explorar recursos naturais. Toda vez que precisa de mais metais tem clareira em bioma para escavar e fazer extração de minério, mesma coisa com petróleo".

Ao invés de matéria-prima virgem, o uso de material reciclado diminui a exploração de recursos, o consumo de energia e água. Há também um elemento social importante: as cooperativas de catadores que fazem a recolha do material e o levam até a indústria. "Começamos a falar sobre como trazer crédito de reciclagem levando em conta ganhos sociais que a atividade gera. A ideia é olhar a reciclagem como ferramenta de mobilidade social, para além dos ganhos ambientais", diz Alves.

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