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Alice Amorim, diretora de Programas da Presidência da COP30: "Esta COP é uma virada de chave para colocar as pessoas no centro das decisões" (Divulgação)
Publicado em 13 de novembro de 2025 às 15h37.
Última atualização em 13 de novembro de 2025 às 16h17.
Belém - "Essa COP é até hoje a que fica mais evidente a conexão entre as decisões tecnológicas, políticas e os impactos econômicos e sociais delas, o que está na origem da convenção", afirmou Alice Amorim, diretora de Programas da Presidência da COP30, em entrevista exclusiva para EXAME.
A declaração resume o que o Brasil espera entregar até o final da grande conferência climática da ONU: um resultado concreto sobre transição justa que vá além das toneladas de carbono e coloque as "pessoas no centro das decisões" da crise do clima.
Para a diretora, 2025 marca o ano em que o desenvolvimento só é possível se incorporar a questão climática. "Esta COP é uma virada de chave", destacou.
"Estamos vivendo uma crise climática e uma crise de desigualdade. As duas estão caminhando juntas, só que os processos decisórios ainda não andam. Não se trata mais um tema do futuro", destacou com um tom de urgência.
A diretora esteve presente em evento de lançamento da "Bússola para Transições Justas" na quarta-feira, 12, em Belém, documento desenvolvido pela LACLIMA e que foi entregue à presidência brasileira para guiar a agenda nas negociações dos próximos dias.
A Bússola complementa o Roadmap Baku-Belém, lançado uma semana antes pelas presidências da COP29 e COP30.
Enquanto o Roadmap estabelece a meta ambiciosa de mobilizar US$ 1,3 trilhão por ano em financiamento climático até 2035 para países em desenvolvimento, a Bússola detalha os caminhos metodológicos e participativos para alcançar essa meta na prática.
O Roadmap, construído a partir de 227 submissões de governos, instituições e sociedade civil, quer ir além do compromisso de US$ 300 bilhões anuais fechado em Baku - valor que deixou nações vulneráveis em revolta e foi classificado como "insultante" por delegações africanas e de pequenos Estados insulares ao término da COP29.
Caroline Rocha, diretora executiva da LACLIMA, destacou à EXAME que o objetivo do projeto era chegar a um consenso maior sobre a agenda e trazer pontos em comuns de diferentes atores, a partir de um trabalho desenvolvido ao longo de todo ano em colaboração ativa com o Ministério do Meio Ambiente.
"Só iremos movimentar nossa sociedade e economia para uma transição de baixo carbono se todos nós estivermos na mesa e se fizermos isto de uma forma local, nacional e internacional", destacou.
Alice está à frente do projeto desde "o dia 1" e demonstrou otimismo com a COP30. "Vamos sair de Belém com resultado concreto", disse, referindo-se ao do Programa de Trabalho sobre Transição Justa que é um dos mais de 100 itens de negociação e inclui desde questões de gênero, transferência de tecnologia até financiamento e comércio internacional.
No ano passado, não houve consenso ao final da COP29 em Baku sobre o tema — o que gerou a chamada "regra 16", quando as partes não chegam a acordo de texto.
A frustração com Baku motiva tanto a Bússola quanto o Roadmap. "Este roadmap mostra que o caminho até US$ 1,3 trilhão é possível", afirmou Mukhtar Babayev, presidente da COP29, ao comentar sobre a tentativa de reformular a arquitetura financeira global. "O sucesso demandará ação política."
A declaração resume tanto a ambição quanto a fragilidade dos documentos, considerando que sua implementação depende inteiramente de vontade política; mesma lógica que limitou Baku a compromissos considerados insuficientes.
O conceito de transição justa nasceu no Acordo de Paris como uma demanda do movimento sindical. "Naquele momento, o foco principal era se iríamos nos movimentar para longe de combustíveis fósseis, especialmente carvão, como é que vamos requalificar a força de trabalho", explicou Alice.
Mas a definição evoluiu muito além da questão energética. Atualmente, engloba desde trabalhadores informais expostos a calor extremo no campo até mecânicos que serão impactados pela eletrificação de veículos.
"Como é que você adapta toda essa cadeia de valor diante das mudanças? Tudo isso está dentro da transição justa", acrescentou a diretora.
A questão é especialmente complexa em países em desenvolvimento, que muitas vezes não têm recursos para financiar a adaptação climática. Esta agenda transversal também é uma das prioridades do Brasil na COP, focando em como cidades podem se preparar frente aos eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e intensos.
"Há um nível de informalidade na América Latina muito alto. Se você tem uma situação de calor extremo no meio rural, num país como o Brasil. Como é que você ajuda aquela família que está vivendo essa nova realidade do clima para conseguir ter condições melhores?", refletiu Alice.
Mas o conceito também envolve transformações industriais globais. Se um país decide eletrificar sua frota de veículos, por exemplo, uma multinacional pode fechar filiais em outros países, geralmente no Sul Global.
"Está cada vez mais claro que a questão climática é econômica. Para quem acompanha já é muito claro, mas não é para muitos que limitam a uma discussão ambiental. Não é sobre isso", destacou a diretora.
A transição justa traz justamente essa conexão entre economia e justiça social. Além disso, engloba a questão de digitalização e novas tecnologias. "Se precisamos mudar o sistema energético para fontes renováveis, como é que a força de trabalho se adequa a isso?", provocou ela.
A "Bússola para Transições Justas" foi co-criada por mais de 200 atores entre Instituto LACLIMA, Climate Strategies e GIZ, com apoio da Presidência da COP30.
O guia é resultado de processo participativo que incluiu quatro workshops no Panamá, Alemanha, Etiópia e Brasil, reunindo representantes de governos, setor privado, academia, juventudes e movimentos sociais.
"Ficamos muito satisfeitos em receber essa contribuição. Estamos justamente buscando como escalar soluções, como mostrar que elas já existem, sobretudo de países do Sul, visando replicar. O objetivo é conectar os dois mundos, negociação com a ação.", disse Alice.
Esse objetivo de "conectar negociação com ação" explica a decisão de não incluir o Roadmap Baku-Belém na agenda formal de negociações da COP30, mas sim na agenda de ação - uma estratégia que levantou questões sobre a real capacidade de implementação.
Diferentemente de outros documentos climáticos, o roteiro Baku-Belém não precisa ser formalmente aprovado pelas partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para ter efeito prático.
Para a diretora de programas da COP30, o maior desafio é encontrar o equilíbrio entre estabelecer diretrizes globais e respeitar as realidades locais. "Precisamos que o sistema ONU apoie os países na ponta, mas sem ser prescritivo e considerando as especificidades de cada região", frisou.
Esse objetivo de "conectar negociação com ação" explica a decisão de não incluir o Roadmap Baku-Belém na agenda formal de negociações da COP30, mas sim na agenda de ação — uma estratégia que levantou questões sobre a real capacidade de implementação.
Diferentemente de outros documentos climáticos, o roteiro Baku-Belém não precisa ser formalmente aprovado pelas partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para ter efeito prático.
"Nossas recomendações são baseadas no fato de que já sabemos ser possível financiar US$ 1,3 trilhão, esse movimento já está acontecendo. Muito do que mencionamos é sobre possibilidade de escala", explicou André Corrêa do Lago, presidente da COP30, na ocasião de divulgação do Roadmap.
O documento prevê US$ 50 bilhões anuais especificamente para transições justas, protegendo trabalhadores e comunidades vulneráveis com proteção social, educação, retreinamento e criação de empregos verdes. Uma resposta direta às críticas de que a transição energética pode deixar milhões de trabalhadores para trás.
Um dos focos da presidência brasileira é valorizar soluções já existentes em países do Sul Global. "O que é aplicado na União Europeia, não funciona no Brasil ou na Bolívia. Então como podemos replicar e inspirar outros casos globalmente", provocou Alice.
Para a diretora, o sucesso da COP30 dependerá da capacidade de reconhecer que "são muitas perspectivas de um problema complexo que não tem uma solução linear".