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Da assinatura às obras, entenda os próximos capítulos do saneamento no Pará

Em entrevista à EXAME, a executiva Teresa Vernaglia fala sobre o delicado equilíbrio entre expectativas sociais imediatas e a fase operacional antes de transformações visíveis

Aegea no Pará: muitas etapas técnicas e regulatórias antecederão a materialização dos investimentos no saneamento paraense. (maniacvector/Freepik)

Aegea no Pará: muitas etapas técnicas e regulatórias antecederão a materialização dos investimentos no saneamento paraense. (maniacvector/Freepik)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 12 de abril de 2025 às 18h03.

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Após vencer o leilão de saneamento do Pará, realizado na última sexta-feira (11), a Aegea, segunda maior em seu segmento, amplia o domínio no cenário nacional, consolidando sua presença estratégica no Norte do país.

Na solenidade de conclusão do leilão, Renato Medicis, vice-presidente regional da empresa, afirmou que a companhia espera, além de "contribuir com a inclusão sanitária no Brasil, levar também dignidade aos moradores do Pará.

"Já atuamos em duas cidades no Pará, Barcarena e Novo Progresso, e agora vamos poder ampliar, olhando sempre a questão da vulnerabilidade", completou Medicis.

Contudo, ao levar a concessão no estado, a Aegea agora precisará enfrentar questões sobre os prazos de implementação e a capacidade de transformação da precária infraestrutura hídrica paraense - com olhares atentos e cobranças adicionais em função dos holofotes voltados para Belém e a COP30.

Teresa Vernaglia, conselheira da Iguá Saneamento e da Marquise, aponta que as dimensões geográficas do estado, combinadas com a dispersão populacional, exigem investimentos robustos para viabilizar a universalização dos serviços.

Em entrevista para EXAME, a executiva, que por cerca de seis anos liderou a BRK Ambiental e é uma das maiores especialistas no tema, explicou as particularidades de concorrências como esta atualmente e o provável horizonte pós leilão.

A construção de um leilão bilionário

A estruturação de projetos de saneamento percorre um caminho meticuloso que se aprimorou ao longo dos anos. O processo geralmente inicia-se com estudos técnicos coordenados pelo BNDES, cuja duração pode estender-se por até três anos.

"Quando o BNDES propôs esse modelo em meados de 2017, entre dez e treze estados aderiram inicialmente. À medida que o prazo foi avançando, vários desistiram", contextualiza Teresa.

A elaboração desses estudos demanda análises detalhadas sobre cobertura de serviços, perdas de água, inadimplência e outros fatores operacionais. Um dos elementos mais delicados desse processo é a precariedade das informações disponíveis.

As empresas estaduais frequentemente carecem de dados confiáveis sobre a infraestrutura existente, o que transfere riscos significativos para as concessionárias.

"Então, se uma empresa planeja seus investimentos considerando um percentual de cobertura de esgoto, mas depois descobre que a realidade é muito pior, a rentabilidade do projeto pode ser completamente comprometida", explica a especialista.

Procurado, o BNDES não quis conceder entrevista antes do leilão para explicar a modelagem. Porém, o edital paraense parece ter incorporado aprendizados de experiências anteriores, especialmente na divisão de riscos.

"Em Alagoas, primeiro leilão após a aprovação do Marco do Saneamento em 2020, as concessionárias assumiam integralmente o risco de divergências na cobertura. Atualmente, variações superiores a 15% podem gerar reequilíbrios contratuais, oferecendo maior segurança aos investidores", detalha a executiva.

Teresa acrescenta que, com uma maior entrada do setor privado, também se torna mais necessária a discussão sobre tarifa social. O que indica que a evolução do marco legal tem impulsionado não apenas a universalização dos serviços, como os mecanismos de inclusão social.

Por que a Aegea consegue vencer onde outras hesitam?

A trajetória vitoriosa da Aegea no setor não é coincidência. Após conquistar os 224 municípios do Piauí em outubro de 2024, com investimentos previstos de R$ 8,6 bilhões, a empresa agora expande sua presença para 766 cidades em 15 estados brasileiros.

E a estrutura societária da companhia constitui um diferencial competitivo. Embora conte com investidores como o Itaúsa e o fundo soberano de Singapura, a Aegea mantém controle familiar, o que lhe proporciona agilidade decisória e apetite diferenciado para riscos.

"Empresas controladas por fundos de investimento enfrentam processos mais burocráticos para aprovar propostas em leilões. Uma vez definido um valor pelo conselho, os executivos têm pouca margem para elevá-lo durante a disputa", explica Vernaglia.

Neste contexto, a Aegea possui maior flexibilidade para ajustar estratégias em tempo real, o que representa vantagem competitiva significativa em contextos como o que se deu o leilão do Pará.

Em outras palavras, enquanto concorrentes necessitam respeitar limites pré-aprovados por conselhos administrativos, os representantes da Aegea podem recalibrar estratégias durante o próprio certame.

Essa capacidade de absorver riscos que outros agentes do mercado evitam explica parcialmente o domínio da empresa em leilões recentes, especialmente em regiões mais desafiadoras como o Norte e Nordeste.

"A Aegea é uma empresa de dono. Eles tomam riscos que outros não conseguem ou não querem tomar, com uma visão de permanência no negócio que fundos de investimento, com horizontes de desinvestimento, não possuem", analisa Teresa.

Teresa Vernaglia: "Quando recebermos a COP em novembro, a situação do saneamento não terá mudado. O que o estado verá é uma movimentação importante para as futuras intervenções" (Leandro Fonseca/Exame)

O tempo e o cano: o longo caminho até as melhorias efetivas

Apesar do montante expressivo de investimentos previstos — aproximadamente R$ 15 bilhões — os visitantes da COP30 em novembro deste ano encontrarão a mesma realidade sanitária atual em Belém.

Isso porque, após a assinatura dos contratos, prevista para ocorrer em até 120 dias, as concessionárias passarão por um período de "operação assistida" de aproximadamente seis meses.

"Durante essa fase inicial, as empresas conhecerão a base de clientes, avaliarão a infraestrutura existente e organizarão suas equipes operacionais. O início efetivo das obras de expansão só ocorrerá após esse período, provavelmente no início de 2026", esclarece Vernaglia.

"Em seis meses, quando recebermos a COP em novembro, a situação do saneamento não terá mudado. O que o estado verá é uma movimentação importante de contratação de profissionais e preparação logística para as futuras intervenções", diz Teresa Vernaglia

"Isso é normal no ciclo de implementação. Não é morosidade, é o tempo necessário para estruturar operações complexas que dependem de licenciamentos ambientais e projetos de engenharia", complementa a especialista.

O contrato estabelece a universalização do abastecimento de água até 2033 e cobertura de 90% do esgotamento sanitário até 2039, prazos definidos considerando a complexidade técnica e o volume de recursos necessários.

O paradoxo do saneamento no Norte: índices alarmantes em região abundante em água

A região Norte apresenta um contraste marcante: abriga mais de 60% das reservas hídricas do país, mas exibe alguns dos piores índices de saneamento básico. No Pará, a situação é particularmente crítica.

A cobertura de água, que alcança cerca de 90% nas regiões Sul e Sudeste, não ultrapassa 60% no estado. "O nível de esgotamento sanitário no estado varia de 0 a 12%. Para se ter uma ideia, quando pegamos o leilão de Alagoas, esse número ia na casa dos 30%. O Rio de Janeiro também está entre 30 e 40%", revela Teresa.

Em municípios como Ananindeua, parte do Bloco A do leilão, observam-se alguns dos piores indicadores do país, com esgoto a céu aberto. Já o Bloco B, arrematado pela Aegea com ágio de 650%, apresenta índice zero de cobertura de esgotamento sanitário. Essa realidade contrasta com a percepção de abundância hídrica na região.

"A água tá ficando mais cara. Ela tem que ficar mais cara até para que as pessoas tirem do seu subconsciente de que a água é um bem infinito e que a gente tem abundância", pondera Teresa, destacando como as mudanças climáticas estão transformando a disponibilidade hídrica mesmo na Amazônia.

O bloco ausente: por que o Lote C ficou vazio?

Um aspecto relevante do leilão foi a ausência de propostas para o Bloco C, que abrange 27 municípios, incluindo Santarém e Altamira. Inicialmente, o projeto demandava R$ 3,6 bilhões em investimentos, além de outorga mínima de R$ 400,6 milhões.

"Os fundos de investimento têm apetite a risco menor. Quando há regiões distantes com baixa concentração populacional, o custo de capital se eleva significativamente", esclarece Vernaglia.

O governador Helder Barbalho já articula com o BNDES a reestruturação desse lote. "Dois pontos precisam ser revistos: a extensa área geográfica, que corresponde a aproximadamente metade do território paraense, e o valor de outorga inicialmente proposto", afirmou o governador, na B3, em São Paulo, onde o leilão foi realizado.

A expectativa é relançar a concorrência ainda este ano, com condições mais atrativas para viabilizar investimentos nessa região de baixíssima densidade populacional (cerca de 2 habitantes por km²) e desafios logísticos consideráveis.

Entre público e privado: o modelo híbrido de operação

A concessão paraense apresenta uma peculiaridade: a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) continuará operando parcialmente. Segundo Ricardo Sefer, procurador-geral do estado, a produção de água permanecerá sob responsabilidade da empresa estadual, que também manterá atuação nas zonas rurais.

"As concessionárias assumirão a distribuição da água e o tratamento do esgoto em áreas urbanas, enquanto a Cosanpa preserva funções estratégicas", afirmou Sefer, após a conclusão do leilão. Esse modelo híbrido busca aproveitar a infraestrutura existente enquanto transfere para a iniciativa privada os desafios de expansão.

Um componente social significativo do edital é a previsão de tarifa social para 30% da população, com desconto de 50% para famílias de baixa renda.

"As áreas periféricas, justamente as mais carentes de infraestrutura, são também as que enfrentam maiores dificuldades para arcar com as tarifas", observa Vernaglia. "Embora a diferenciação tarifária seja economicamente justificável, sua implementação requer sensibilidade social."

O legado além da COP: transformação de longo prazo

O processo de concessão representa apenas o primeiro passo de uma transformação estrutural que se estenderá pelas próximas décadas. Ainda que as melhorias não sejam perceptíveis durante a COP30, o compromisso firmado estabelece metas progressivas que deverão modificar substancialmente o cenário sanitário paraense.

"Quando falamos de saneamento, estamos tratando de um serviço invisível, subterrâneo, que muitas vezes só é notado quando ausente", reflete Vernaglia

"Os investimentos realizados hoje produzirão impactos duradouros na saúde pública, qualidade ambiental e desenvolvimento econômico regional", completa.

A atração de R$ 15 bilhões em investimentos privados para o saneamento paraense constitui feito considerável, especialmente em um contexto de escassez de recursos públicos.

As estruturas jurídicas e financeiras estabelecidas durante esse processo servirão de referência para futuros projetos na região amazônica, consolidando o papel do setor privado na universalização desses serviços essenciais.

"O leilão paraense é emblemático. Até a COP30, já teremos o volume de investimento que será aplicado e quanto terá sido pago pelas outorgas. Apesar de não haver obras visíveis em novembro, estará em curso uma mudança gigantesca para o estado", conclui Teresa.

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