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COP30: O ponto mais controverso levantado pelos hoteleiros diz respeito à plataforma oficial de hospedagem (Matheus Carvalho / Aberje/Divulgação)
Editora ESG
Publicado em 1 de agosto de 2025 às 12h36.
Uma semana depois que o governo brasileiro detalhou seu plano de hospedagem para a COP30, prometendo 2.500 quartos com valores de até US$ 600, o setor hoteleiro de Belém se viu no centro de uma tempestade internacional.
Representantes de 25 países, incluindo nações desenvolvidas como Áustria, Bélgica, Canadá, Suécia e Suíça, passaram a pedir que a conferência climática seja transferida para outro local devido aos preços "extorsivos" das acomodações.
Hoje, representantes do setor hoteleiros local reagiram. Em entrevistas ao GLOBO, subiram o tom e rebateram as críticas, alegando que cumpriram todos os acordos firmados com o governo e que a verdadeira responsável pela confusão é a organização da COP30.
Eduardo Boullosa, presidente do sindicato que representa a categoria na capital paraense e em Ananindeua, classificou a situação como "sacanagem".
"Estão querendo tirar a todo custo a COP de Belém, o que não é a primeira vez. Pegaram a COP30 como boi de piranha. A presidência da COP quer acabar com o Brasil, puxando a toalha da mesa", declarou.
Boullosa, proprietário de um hotel de quase 200 apartamentos, afirmou ter "compromisso com tarifas de 100 a 300 dólares para países em desenvolvimento" e questionou as críticas do embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, que havia mencionado uma "sensação de revolta" dos países em desenvolvimento.
Tony Santiago, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Pará (ABIH-PA), foi ainda mais incisivo: "O embaixador em questão está mal-informado". Segundo Santiago, a entidade foi demandada no início de junho para providenciar 500 apartamentos com tarifas entre 100 e 300 dólares, destinados aos países "menos favorecidos economicamente".
O ponto mais controverso levantado pelos hoteleiros diz respeito à plataforma oficial de hospedagem. Santiago responsabilizou diretamente a "Secretaria da COP30, que até hoje não conseguiu botar no ar a plataforma de hospedagem que prometeu no início do ano. É isso que está tumultuando todo o processo."
A crítica faz referência a promessas repetidas desde fevereiro de que uma plataforma digital seria lançada para centralizar as reservas. Quando o governo detalhou o plano de hospedagem em 23 de julho, ainda se mencionava que "a promessa era colocar a plataforma no ar até junho, mas houve atrasos no processo."
No entanto, segundo a Secretaria Extraordinária da COP30 (Secop), a plataforma foi lançada e as acomodações estão sendo disponibilizadas por etapas, seguindo acordo entre Brasil e UNFCCC, começando pelos 98 países em desenvolvimento e países insulares, com diárias de até US$ 220.
A própria ONU coordena a oferta com os países-partes da Convenção-Quadro e envia os links de acesso aos credenciados. A divergência entre o discurso oficial e a percepção internacional fica evidente nos números. Enquanto o governo brasileiro garante ter estruturado 28 mil quartos disponíveis, com meta de chegar a 50 mil leitos, a realidade no terreno apresenta outro cenário.
Alguns relatos nas redes sociais causaram indignação: estabelecimentos que usualmente custam R$ 200 por diária já anunciaram valores superiores a R$ 1.500 no período, com casos extremos chegando à casa do milhão durante os 10 dias do evento.
A pressão internacional se intensificou quando representantes da ONU revelaram à Reuters cotações que alcançam até US$ 700 por pessoa por noite - valor que supera em quase cinco vezes a ajuda de custo diária de US$ 149 oferecida pela organização.
A situação se agravou quando o Grupo Africano de Negociadores convocou uma reunião de emergência na terça-feira, 29 de julho. Richard Muyungi, líder do grupo, foi claro: "Não estamos prontos para reduzir os números [de negociadores]. O Brasil tem muitas opções para termos uma COP melhor. Por isso, estamos forçando que o país forneça respostas melhores, em vez de nos dizer para limitar nossa delegação."
O impacto não se limitou aos países em desenvolvimento. Representantes de seis países, incluindo nações europeias, confirmaram à Reuters que ainda não garantiram acomodações devido às tarifas elevadas.
A Holanda avalia reduzir pela metade sua delegação de 90 pessoas, enquanto a Polônia considera cenários extremos: "Não temos acomodação. Provavelmente teremos de reduzir a delegação ao osso. Ou, em um cenário extremo, talvez tenhamos que não comparecer", declarou o vice-ministro do Clima polonês, Krzysztof Bolesta.
A pressão forçou o Brasil a assumir compromissos públicos. Durante a reunião de emergência, representantes brasileiros se comprometeram a fazer uma nova análise e verificar medidas adicionais para garantir a participação de todos os países. O prazo é apertado: 11 de agosto.
Nessa data, em nova reunião com o Secretariado da ONU, o Brasil deverá apresentar "alternativas concretas" que possam reverter o cenário de exclusão que se desenha, segundo explicou Richard Muyungi.
O embaixador Corrêa do Lago reconheceu a gravidade da situação: "Diversos países do grupo que faz parte da administração da convenção [veem] a questão do preço dos hotéis como uma preocupação. Representantes de regiões pediram para tirar a COP de Belém."
A Secretaria Extraordinária da COP30 mantém que o "plano de acomodação está sendo implementado em fases, com prioridade, nesta etapa, para as delegações que participarão diretamente das negociações oficiais da COP30". Segundo o órgão, estão disponíveis 2.500 quartos individuais com tarifas fixadas entre US$ 100 e US$ 600.
A distribuição segue critérios da ONU: 15 quartos individuais por delegação foram reservados para 73 países classificados como Países Menos Desenvolvidos (LDCs) e Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (PEIDs), com tarifas between US$ 100 e US$ 200. Os demais países contam com 10 quartos individuais por delegação, com valores entre US$ 220 e US$ 600.
Contudo, a diferença entre a oferta oficial e a demanda real continua sendo o nó da questão. Com 50 mil participantes esperados e apenas 2.500 quartos garantidos no sistema oficial, a maior parte dos participantes ainda depende do mercado livre - onde os preços dispararam descontroladamente.
A menos de 100 dias da COP30, o Brasil corre contra o tempo para provar que consegue sediar o maior evento climático do mundo sem excluir justamente os países que mais sofrem com as mudanças climáticas devido a barreiras econômicas.