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Jurema Werneck, enviada-especial sobre igualdade racial: "Vimos esperança, muita capacidade e saberes da resistência em meio a emergência climática" (Leandro Fonseca /Exame)
Repórter de ESG
Publicado em 20 de novembro de 2025 às 12h42.
Última atualização em 20 de novembro de 2025 às 12h45.
Belém, Pará — Em 2001, as Nações Unidas realizaram a terceira conferência mundial contra o racismo. Os países assumiram compromissos formais de combate à discriminação racial. Vinte e quatro anos depois, na COP30, Jurema Werneck explica que ainda há uma dificuldade para garantir a inclusão de pessoas negras na negociação: "Vão reconhecer que existimos ou não? Isso não pode ser chamado de avanço. Não tem como."
A médica e diretora da Anistia Internacional no Brasil foi nomeada enviada especial para a COP30 para igualdade racial e periferias. Desde maio, percorre os biomas brasileiros ao lado de Janja Lula da Silva (enviada para mulheres) e Denise Dora (enviada para direitos humanos e transição justa), em um projeto chamado Vozes dos Biomas. A missão: ouvir das comunidades quais desafios enfrentam e como respondem à emergência climática.
A maioria da população negra brasileira vive no bioma Mata Atlântica, nas periferias das grandes cidades. São essas pessoas que mais sofrem desproporcionalmente com calor extremo, enchentes, deslizamentos e a violência estatal que acompanha os desastres.
O presidente Lula mencionou os efeitos desiguais do clima na Cúpula de Líderes. No Dia da Consciência Negra, as três enviadas lideram atividades na Agenda de Ação — mecanismo que não depende de negociações formais e pode ser implementado por qualquer ator.
Mas Jurema é direta sobre o problema central: "As populações diretamente vitimadas violentamente pelo racismo não estão sentadas nas cadeiras da negociação. Então já temos um grave problema", conta.
A consequência é clara, como explica: se a população mais vulnerável não estiver presente nas negociações nem representada nas decisões e nas soluções, não haverá solução para ninguém. “Por enquanto, a emergência está nos nossos territórios, mas vai chegar no deles também”, disse.
Na primeira semana de Conferência do Clima, Jurema afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo que a COP30 precisava parar de pensar com a cabeça da Faria Lima. Nesta reta final da Conferência, a sensação tem melhorado. "Na segunda semana eu posso dizer que eles estão lentamente se deslocando das estruturas de preservação da riqueza", conta. "Estamos todas aqui lembrando eles que o financiamento de rico para rico não é a solução para a crise climática."
A emergência climática é indissociável da violação de direitos básicos, tema principal do seu trabalho na Anistia Internacional. "A crise climática acontece na esteira da falha de se cumprir os direitos básicos da população. Direito à vida, à saúde, ao ambiente saudável, à proteção dos defensores. É hora de reeditar a nossa missão, trazendo o clima para dentro dessa agenda de direitos humanos", afirma.
Durante a viagem pelo país, diversas histórias tocaram seu emocional. No Pantanal, uma indígena bororó relatou que seu território estava em chamas. "Nós chamamos os bombeiros, nós chamamos a prefeitura, nós chamamos a brigada e nenhum deles veio. Então nós tivemos que apagar o fogo sozinhos”, conta.
A palavra escolhida pelas mulheres para descrever o que acontece em seus territórios mudou a perspectiva de Jurema. "Elas dizem que se trata de uma emergência. Eu, como médica, quando falamos de emergência, vejo que a resposta assume outro nível. É imediato, é agora, não tem daqui a pouco nem amanhã”, conta.
O padrão se repete pelos seis biomas visitados: comunidades na linha de frente das soluções, mas enfrentando tudo sozinhas.
No Pampa — ou "a Pampa", como as mulheres locais insistem, comparando a força do bioma à resistência feminina — a comitiva visitou um assentamento que sofreu sua nona inundação em um ano. As famílias pediram o reassentamento em área mais segura. O governo local negou: o preço da terra estava alto demais, explica Jurema.
Uma jovem de vinte e poucos anos guiava a visita. Mostrava a plantação de flores e a produção de alimentos que precisaram ser refeitas por diversas vezes. "Ela mostrava tudo isso com orgulho, mas chorava porque era dessas famílias que passou pela inundação e não estava vendo solução", conta Jurema.
Durante a COP30, a Anistia Internacional lançou um relatório com estimativa que Jurema considera conservadoras: dois bilhões de pessoas no mundo vivem próximas a instalações industriais de combustíveis fósseis. Para sua saúde, os efeitos são similares ao envenenamento, afirma a médica. "Um quarto da população mundial já é impactada. Portanto, não há que se expandir essa exploração", disse.
Para ela, a solução não passa por um capitalismo verde. "As mulheres nos disseram: não é para trazer novos projetos industriais para nossas regiões, como aqueles megaprojetos industriais de transição energética, que reiterem os mecanismos e as estruturas coloniais. É preciso descolonizar", explica.
O trabalho das enviadas especiais vai até a próxima COP, mas o movimento defende que essa metodologia de participação social seja incorporada permanentemente. Foi lançado um chamado por um "Pledge" — compromisso formal — para criar mecanismos de participação em direitos humanos, transição justa e equidade racial dentro do sistema climático da ONU.
"A gente espera que todos os mecanismos de participação, que essa possibilidade de enviadas traz, seja incorporada como metodologia para sempre. Ou acontece formalmente, ou nós vamos continuar forçando e exigindo para que isso aconteça."
Apesar de toda destruição testemunhada, Jurema mantém esperança. "A gente viu destruição, emergência, mulheres na linha de frente produzindo soluções, a maior parte delas sem investimento, sem reconhecimento. Mas a gente viu também esperança, muita capacidade e saberes da resistência”, explica.
E conclui com convicção: "As mulheres do Brasil não vão deixar o mundo acabar de jeito nenhum. É nesse mutirão que a gente vai sair da emergência que a gente está enfrentando."