Patrocínio:
Parceiro institucional:
Green Zone da COP30 em Belém: debate destacou paradoxo entre liderança renovável da América Latina e 22 milhões sem acesso à eletricidade na região. (Leandro Fonseca /Exame)
Repórter de ESG
Publicado em 14 de novembro de 2025 às 08h22.
Última atualização em 14 de novembro de 2025 às 08h22.
Belém - "Queremos ser o primeiro país a ter a transição, mas precisa ser justa", afirmou Isabel Beltran, vice-presidente para a América Latina da Global Energy Alliance for People and Planet, ao abordar o paradoxo energético brasileiro durante um painel na COP30: uma matriz limpa e avançada que ainda deixa 1 milhão de pessoas sem acesso à luz, concentradas principalmente na Amazônia.
A América Latina se posiciona como líder global em energia limpa, mas ainda enfrenta o desafio de levar eletricidade a 22 milhões de pessoas que vivem sem acesso à energia elétrica.
Durante o debate, que aconteceu na Green Zone, área aberta a visitantes na COP, especialistas refletiram sobre como garantir que a transição energética na região seja não apenas ambiciosa, mas também inclusiva.
Com cerca de 60% a 70% da eletricidade gerada a partir de fontes renováveis, a América Latina lidera globalmente na transição energética, gerando mais do que o dobro da média mundial: 33% da energia primária e 69% da eletricidade são renováveis, segundo a International Renewable Energy Agency.
O Brasil se destaca com aproximadamente 90% da eletricidade proveniente de fontes renováveis e responde por cerca de 58% da nova capacidade de energia renovável da região até 2030, segundo a Empresa de Pesquisa Energética.
O Chile segue com 70% de renováveis, impulsionado pela expansão solar no deserto do Atacama, enquanto Argentina estabelece metas de 20% de renováveis não hidrelétricas até 2025 e 47% até 2030.

Porém, essa liderança convive com uma realidade contrastante: cerca de 22 milhões de pessoas na América Latina ainda vivem sem acesso à energia elétrica, especialmente em áreas rurais e remotas.
No Brasil, esse número chega a 1 milhão de pessoas, especialmente concentradas na região Norte. Na Amazônia Legal, 19% da população em Terras Indígenas não tem acesso à energia elétrica, segundo o Instituto de Energia e Meio Ambiente.
"Sabemos que consumo de energia é um dos maiores indicadores de desenvolvimento: quanto menos você consome, piores as suas condições de vida, acesso e oportunidades", destacou Beltran. "Precisamos saber que energia não está só produzindo luz, mas também desenvolvimento econômico e crescimento."
A falta de eletricidade não é apenas uma questão de iluminação. Isabel Beltran ilustrou como o acesso à energia transforma cadeias produtivas locais: o maior acesso à energia pode acelerar ainda mais a indústria do açaí no Pará: em 2023, o estado exportou 61 mil toneladas do fruto.
Além disso, a pesca pode se beneficiar com as possibilidades de melhorar o armazenamento. Dados da Fapespa apontam que a produção pesqueira triplicou nos últimos 10 anos no Pará, puxado pelo tambaqui, o tambacu e a tilápia.
Nessas regiões remotas, predominam sistemas isolados movidos a diesel, com altos custos operacionais e impactos ambientais negativos. Programas governamentais como "Luz para Todos" e "Mais Luz para a Amazônia" ajudam a ampliar o acesso com foco em soluções limpas e renováveis, mas a escala do desafio permanece significativa, como afirma Beltran em entrevista à EXAME.
“O que o Brasil faz em termos de acesso à energia demonstra para os outros países uma nova onda de desenvolvimento. Não é o fim, mas é um processo crucial da transição justa. É muito importante para a América Latina ver o Brasil como líder e parceiro nesse trabalho”, explica.
"Eletrificar a última milha será complexo e custoso. A abordagem de eletrificação até 95% é diferente daquela para atingir os 100%. Isso exige uma atuação conjunta dos Ministérios de Energia e Meio Ambiente, além de parcerias para criar oportunidades. Mas é algo que pode ser feito e precisa ser feito", disse.
O painel também destacou o papel da tecnologia e da inteligência artificial na transição energética, mas com foco claro nas pessoas. "IA e digitalização têm impacto enorme na energia, mas é sobre ter certeza que estamos criando melhores produtos para o consumidor", afirmou Zoisa North-Bond, da Octopus Energy Generation.
Beltran complementou que, na América Latina, com sua dependência histórica de hidroelétricas, a IA pode auxiliar no planejamento energético: "Governos precisam entender como incorporar ferramentas de IA para planejamento tanto para prever impactos no consumo quanto para garantir estabilidade ao escalar outras fontes renováveis como solar e eólica”, disse.
Bishal Thapa, líder de estratégia de impacto da CLASP, enfatizou que a "inovação precisa ser para todos: uso de energia, energia eficiente, armazenada. O poder de tecnologia na energia é colocar as pessoas na frente, na escala e velocidade para que alcancemos o que precisamos. Essa é a inovação que precisamos para acelerar a transição energética."
Para os painelistas, o Brasil ocupa posição estratégica não apenas por sua matriz energética limpa, mas por sua capacidade de conectar experiências e soluções entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. "O Brasil está tão bem posicionado para conectar o norte ao sul, liderando o caminho para a transição energética sem deixar ninguém para trás", disse Beltran.
No entanto, essa liderança, ela explica, exige endereçar os desafios remanescentes: desigualdade de investimentos, necessidade de infraestrutura para armazenamento e distribuição, e a persistência da exclusão energética em áreas remotas.