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Geyze Diniz, presidente do Pacto Contra a Fome: "Combater a fome não é só responsabilidade social — é questão de sobrevivência do negócio" (Geyze Diniz/Divulgação)
Repórter de ESG
Publicado em 25 de novembro de 2025 às 17h15.
Última atualização em 25 de novembro de 2025 às 17h33.
Enquanto o Brasil desperdiça o suficiente para alimentar um quarto da população que passa fome, empresas começam a entender que combater a insegurança alimentar também é questão de sobrevivência do negócio.
A avaliação é de Geyze Diniz, cofundadora e presidente do conselho do Pacto Contra a Fome, movimento suprapartidário e multisetorial fundado em 2023 com a meta ambiciosa de erradicar a fome no Brasil até 2030 e garantir uma alimentação adequada até 2040.
Para a economista, o problema deve ser abraçado pelo setor privado — e ao mesmo tempo esse é o maior desafio: fazê-lo acordar para o fato de não se tratar apenas de responsabilidade social e portanto, de governos.
“A fome é um problema econômico. O custo de mantê-la é muito maior do que o custo de acabar com ela. O dia que tivermos todas junto na agenda, seria o grande pulo do gato", disse Geyze em entrevista à EXAME.
As ferramentas junto ao poder público já estão sendo criadas e o Pacto conquistou duas vitórias legislativas importantes: a alteração do texto constitucional na reforma tributária que isenta a cesta básica de tributação, e a lei nacional de doação de alimentos, sancionada em outubro de 2025.
A nova legislação criou a Política Nacional de Combate à Perda e ao Desperdício de Alimentos e autoriza doações de alimentos naturais ou preparados a instituições receptoras ou diretamente aos beneficiários, desde que cumpram normas sanitárias.
No entanto, como aponta Geyze, "ninguém quase sabe" dessas possibilidades. "As leis existem. O desafio agora é fazer o setor privado usá-las", ressaltou.
Neste mês de novembro, o Pacto Contra a Fome ganhou o prêmio como uma das 100 melhores ONGs do Brasil (Divulgação)
Filha de professores e sensível às desigualdades desde pequena, ela destacou que viu “a fome como a ferida aberta que o Brasil nunca conseguiu fechar”.
A ideia de criar o movimento surgiu após anos de atuação no terceiro setor e na articulação de iniciativas sociais, quando percebeu que faltava algo capaz de coordenar "esforços dispersos" e transformar indignação em política pública e prática multisetorial.
O "estalo" começou no auge da pandemia de covid-19. Em 2020, enquanto o país somava mortes e incertezas, Geyze percebeu que a fome avançava numa velocidade ainda maior e que as respostas institucionais demoravam a chegar.
Foi nesse contexto que a economista passou a articular empresários, organizações sociais e governos para atuar de forma emergencial, um esforço que logo revelaria uma falha estrutural: a ausência de coordenação entre quem podia ajudar e quem precisava de ajuda.
“Ficou claro que o Brasil não tinha um sistema capaz de responder à fome em larga escala. Havia quem queria doar, quem precisava receber, e o país não conseguia conectar as pontas”, lembra. “Ali eu entendi que o problema não era falta de recursos e sim de articulação e prioridade", contou.
Três anos depois, surgiu o Pacto Contra a Fome: um movimento estruturado, com governança, metas públicas e a ambição de colocar o tema no centro da estratégia nacional. “O movimento nasce para que nunca mais precisemos improvisar diante de uma tragédia anunciada”, destacou a executiva.
A convicção ganhou força à medida que ela percebeu que era preciso trazer o setor privado para a mesa -- e não apenas como doador.
“As empresas precisam entender que a fome também acontece dentro delas. A insegurança alimentar atinge funcionários, fornecedores, territórios inteiros da cadeia de valor”, diz. “Se não tratarmos isso como tema de negócio, vamos continuar 'enxugando gelo'".
A partir dessa visão, o Pacto passou a operar como uma plataforma de articulação: reduzindo desperdício, conectando agricultores familiares a redes de varejo, criando métricas, mobilizando investimentos e pressionando por políticas públicas duradouras.
“A fome não vai acabar com ações isoladas e sim quando todo mundo rema para o mesmo lado: governo, empresas e sociedade civil. A pandemia mostrou o pior do Brasil, mas também mostrou o melhor: a capacidade de reagir quando a urgência entra pela porta”, acrescentou.
Ao reunir empresas, governos, ONGs e centros de pesquisa, o Pacto busca aumentar o impacto e a ambição é grande.
“Erradicar a fome não é utopia. Utopia é achar que um país produtivo como o nosso pode conviver com pessoas sem comida e achar normal", ressaltou Geyze.
A presidente do conselho também tem insistido na ideia de que a fome é um tema que atravessa agendas distintas: produtividade, educação, saúde, meio ambiente e competitividade. E é nesse ponto que faz um chamado ao setor privado: não se trata de filantropia, mas de visão estratégica.
“É um gargalo que reduz produtividade, aumenta absenteísmo, desorganiza cadeias de valor, corrói reputações e cria instabilidade econômica. Não existe empresa saudável em um país doente”, afirmou.
Dados de 2024 do IBGE revelam o verdadeiro tamanho da crise: 54,7 milhões de brasileiros (25,7% da população) vivem com algum grau de insegurança alimentar (leve, moderada ou grave).
Há poucos anos, a situação era ainda mais crítica. Em 2021, quando Geyze começou a estudar profundamente o tema, eram 33 milhões de brasileiros com fome e 125 milhões vivendo algum grau de insegurança. Na época, o Brasil desperdiçava oito vezes o alimento necessário para alimentar essas pessoas.
Os números melhoraram. O Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU em 2014 e novamente em junho deste ano. Mas Geyze não comemora: "2,5% de uma população de 200 milhões são 5 milhões de pessoas. Ainda é muito, e o que queremos é chegar a zero", refletiu.
O maior problema não é falta de alimento: é principalmente de acesso e distribuição.
O Brasil desperdiça um terço de toda produção até chegar à mesa do consumidor, e esses alimentos são responsáveis de 8 a 10% das emissões de gases de efeito estufa. As perdas começam no campo, mas continuam na logística, no varejo e nos restaurantes.
Rodrigo Spuri, diretor de conservação da The Nature Conservancy (TNC) Brasil, complementou à EXAME que a mudança climática entra como" vilã silenciosa" para alimentos nutritivos e seguros, impactando produtividade, levando a perdas de safras e aumentando riscos para produção agropecuária.
"A disponibilidade de alimentos no presente e no futuro, não apenas em volume, mas também em preço, está diretamente ligada a um agro sustentável e resiliente", afirmou. Quebras de safra geram volatilidade de preços, comprometendo o acesso.
A agricultura familiar responde por cerca de 70% dos alimentos que consumimos no Brasil. Mas é subestimada, subfinanciada e ameaçada pela instabilidade climática. A TNC defende a agricultura regenerativa a partir de modelos como integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) e sistemas agroflorestais (SAFs).
Porém, "é fundamental que o mercado envie sinais claros de que está disposto a reconhecer e dar valor à produção sustentável", disse o especialista. Sem demanda do setor privado, pequenos produtores não fazem a transição e aí "se fecha um círculo vicioso que alimenta a fome".
"Há um gargalo na logística, tributação e legislação", concluiu Geyze. E é justamente nessa brecha que o setor privado começa, lentamente, a se mexer.
Se o problema é produtividade no campo, a SLC Agrícola oferece uma resposta: agricultura regenerativa não é ideologia, é negócio.
Tiago Agne, gerente de Sustentabilidade da SLC, explicou a estratégia à EXAME: a companhia gaúcha cultiva mais de 830 mil hectares com 100% das áreas adotando práticas regenerativas, alcançando produtividade de soja 12% acima da média nacional.
Com a aposta, houve uma redução de 40% na variabilidade de produtividade. Isso significa que mesmo em anos de seca extrema ou excesso hídrico agravadas pelas mudanças climáticas, a produção se mantém previsível e ajudam a garantir a segurança alimentar.
"É uma estratégia de adaptação climática que aumenta a resiliência das lavouras e reduz perdas causadas por eventos extremos de clima", descreveu o gerente.
As práticas incluem plantio direto, rotação de culturas, cobertura vegetal permanente, integração lavoura-pecuária e uso de bioinsumos.
Além dos benefícios sociais e ambientais, há o retorno financeiro: a SLC economizou R$ 86 milhões em defensivos em 2024 com agricultura de precisão e investiu fortemente em sensores de solo, telemetria, drones, robôs autônomos para produzir mais de forma sustentável sem desmatar.
Por outro lado, há uma lacuna: os pequenos produtores que respondem 70% do que comemos no Brasil nem sempre tem acesso a crédito, assistência técnica ou tecnologia em escala para adotar a regeneração.
Enquanto a SLC trabalha a produção, a Sodexo enfrenta o lado do desperdício e descobriu que pode salvar toneladas de alimentos através do monitoramento em tempo real.
Segundo dados da ONU, o Brasil está entre os 10 países que mais desperdiçam no mundo: cerca de 46 milhões de toneladas de alimentos são perdidos por ano, o que corresponde a aproximadamente 30% da produção nacional.
Do total, de 80% a 90% ocorre antes mesmo de a comida chegar à mesa do consumidor, ou seja, ao longo da cadeia produtiva.
Lilian Rauld, gerente de Sustentabilidade da companhia destacou à EXAME que os serviços de alimentação representam 72% do negócio no Brasil e estão presentes em escolas, hospitais, corporações e na mesa de milhões de brasileiros todos os dias.
Com o programa global WasteWatch, a Sodexo monitora em tempo real o que é desperdiçado.
No último ano, evitou o descarte de mais de duas mil toneladas de alimentos, o equivalente a 3,7 milhões de refeições, alcançando uma redução média de 22,4% no desperdício em relação ao ano anterior.
Sodexo combate desperdício de alimentos com tecnologia e monitoramento (Sodexo / Divulgação)
Outra estratégia é conectar a produção local com demanda: 63% das compras são feitas em um raio de até 400 km das operações, priorizando pequenos e médios produtores.
Isso fortalece economias locais e reduz pegada de carbono, além de ajudar a combater o problema de insegurança alimentar.
A Sodexo também criou o programa Cozinha Solidária, que fornece 1,5 mil refeições por mês para pessoas em situação de fome em Manaus. Desde o início, doou mais de 31 mil refeições.