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Como o Brasil utilizará o mercado de carbono para atingir seus objetivos de desenvolvimento

Se souber integrar os mercados de carbono às políticas de desenvolvimento socioeconômico, o país pode liderar a oferta de soluções climáticas para o mundo, escreve Munir Soares, CEO da Systemica

Amazônia: as florestas, além de removerem gases de efeito estufa na atmosfera, ainda melhoram a biodiversidade local e geram empregos permanentes (Leandro Fonseca/Exame)

Amazônia: as florestas, além de removerem gases de efeito estufa na atmosfera, ainda melhoram a biodiversidade local e geram empregos permanentes (Leandro Fonseca/Exame)

Systemica
Systemica

Colunista

Publicado em 27 de março de 2024 às 16h04.

Última atualização em 27 de março de 2024 às 17h06.

Munir Soares*

O uso estratégico do mercado de carbono desponta como uma peça fundamental para o Brasil. Com todo o seu patrimônio ambiental e imensidão territorial, o país possui grande potencial para explorar as oportunidades que estão se desenvolvendo em todo o mundo.

Esse mercado está ganhando cada vez mais relevância, possibilitando um cenário extremamente favorável para o país ampliar a sua ambição climática com suas metas de crescimento socioeconômico.

Devido à vastidão de suas florestas, o país possui oportunidades de redução do desmatamento, reflorestamento e em sistemas regenerativos como agroflorestas que, além de removerem gases de efeito estufa na atmosfera, ainda melhoram a biodiversidade local e geram empregos permanentes.

Alinhados à essa visão, estudos confirmam que o Brasil pode ser um ator relevante na oferta de reduções certificadas de emissões. Eles indicam que o país, além de cumprir com seus compromissos internacionais de redução interna, tem potencial para atender entre 10-20% da demanda global por créditos.  

Aliás, de acordo com estimativa da Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil), o país pode receber até 120 bilhões de dólares em recursos em 2030. Com isso, seriam gerados cerca de 3,4 milhões de novos postos de trabalho até 2040.

Para avaliarmos essas oportunidades, é adequado separar os mercados de carbono em: regulado doméstico, regulado internacional e voluntário.

Regulado Doméstico

Esse mercado depende necessariamente de um marco regulatório, havendo expectativa para a aprovação de projetos de lei sobre o tema ainda este ano, em especial o PL nº 2.148. O projeto prevê a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). No entanto, o texto ainda precisa de importantes ajustes.

Segundo estimativas da McKinsey, a demanda por créditos no eventual Mercado Regulado brasileiro seria entre 90 e 220 MtCO2eq em 2030. E ele tem dois benefícios principais: a adoção de políticas climáticas, que permitirá o alinhamento às boas práticas internacionais, favorecendo a exportação de produtos e serviços brasileiros. O outro é a trajetória de redução de emissão dos setores contingenciados (indústria e energia), que deverá ser mais custo-efetiva.

Além disso, a precificação das emissões, que será uma referência de custo para o conjunto da economia brasileira, gerará receita para projetos de redução de emissões comercializados no Mercado Regulado. Com isso, será dada visibilidade ao valor econômico da preservação e restauração florestal, além da agricultura regenerativa. Estudos indicam que precificar a tonelada em torno de 20 dólares é suficiente para financiar o abatimento de emissões no setor de uso-da-terra.

Mercado Regulado Internacional

Estabelecido pelo artigo 6º do Acordo de Paris, esse mercado ainda está sendo regimentado. Apesar dos avanços da COP 27, realizada em Glasgow, a sua operação integral é imprevista. 

Esperava-se, por exemplo, que durante a COP 28, o artigo 6º, §2º recebesse maiores orientações acerca das regras sobre contabilização, registro e disponibilização de informações, o que não aconteceu.

Mesmo com essa incerteza, de acordo com a IETA, em 2023, seis países já estavam negociando aquisições de unidades de reduções de emissão, e outras mais de trinta nações, a comercialização desses ativos.

Essas abordagens podem representar fontes de receitas, com possibilidade de alcançar cerca de 27 bilhões de dólares até 2030, conforme dados da ICC. Porém, o Brasil, até o momento, não possui negociações divulgadas com países compradores. Ressalta-se que esses valores podem ser complementares ao recebimento de recursos de cooperação internacional, cujo Fundo Amazônia é o principal expoente.

Atualmente, a expectativa é a criação de um mercado global de reduções de emissões, tal como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kyoto, com implementação total até 2028. Ocorre que as discussões sobre o artigo 6º, §4º, que regula o tema, também não avançaram.

Esses atrasos podem prejudicar a relevância que o mecanismo deve possuir. Para o Brasil, o principal produto desse mercado tende a ser a exportação de créditos de carbono decorrentes de restauração florestal de áreas degradadas, segmento no qual somos muito competitivos. E os investimentos oriundos desse instrumento podem gerar 880 mil postos de trabalho por ano e fomentar o surgimento de toda uma cadeia associada ao restauro florestal e de pastagens, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social dessas regiões.

Mercado Voluntário de Carbono (MVC)

No MVC, as empresas têm como objetivo a aquisição de créditos de carbono para compensar suas emissões residuais. Ou seja, o atendimento aos compromissos climáticos acabam sendo a principal fonte de demanda.

Nele, o país tem oportunidades em diversos segmentos. Entretanto, é no uso da terra onde há um potencial relevante. Com destaque para os projetos de reflorestamento e redução do desmatamento e degradação (REDD+).

Estimativas da Iniciativa Brasileira para o MVC mostram que o país pode responder por 15% da demanda mundial e tem potencial de geração de receita de cerca de 26 bilhões de dólares por ano.

Em termos globais, o mercado é atualmente avaliado em 2,1 bilhão de dólares, mas estudos indicam que ele pode chegar a mais de 50 bilhões de dólares até 2030. Segundo pesquisas da PWC, o MVC será capaz de suprir a demanda associada aos compromissos empresariais.

No contexto brasileiro, além dos projetos de REDD+ comumente negociados, os estados da região amazônica têm desenvolvido seus sistemas jurisdicionais para também comercializar unidades de redução.  Espera-se que esses créditos venham complementar a oferta privada ao mercado.

Assim, é possível visualizar que os recursos advindos do MVC poderão auxiliar os estados na redução do desmatamento e degradação, como também poderão ser fonte de financiamento de projetos de conservação para o setor privado.

Inclusive, esse recurso pode ser relevante para possibilitar que o país cumpra sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), sendo ainda mais ambicioso na sua meta de redução de emissões. Se bem integrado, o MVC pode não apenas auxiliar em medidas para zerar o desmatamento ilegal, mas também criar um incentivo para também zerar o desmatamento legal até 2030.

Além disso, foram anunciados investimentos de 21 bilhões de dólares até 2025, sendo 46% do valor destinados a projetos de reflorestamento, conforme análise da Trove Research.

Conforme é possível observar, os mercados de carbono podem ser tornar uma significativa ferramenta de financiamento das estratégias nacionais de desenvolvimento.

Em relação ao contexto mundial, o país já foi um agente expressivo, tendo posição de destaque junto a nações como Índia e China, no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kyoto.  Esse protagonismo se deu tanto nas negociações na convenção quanto na oferta de créditos de carbono que financiou a implantação de projetos de energias renováveis e de aterros sanitários. 

No entanto, potencial sem ação não atinge objetivos. Por isso, mesmo com todo o histórico e possibilidades, o Brasil ainda precisar organizar a casa, avançando nos seguintes pontos:

  • Consolidação de estratégia de como cada mercado pode complementar políticas públicas e qual a fatia alvo que o Brasil irá ambicionar no curto e longo prazo para cada um deles;
  • Definição de como irá tratar os projetos que têm potencial de exportação no contexto do acordo de Paris e que necessitarão de ajustes correspondentes. Por exemplo, o país poderá ser o principal foco de investimentos em reflorestamento se tiver regras que explicitem condições para que o ajuste possa ser realizado;
  • Utilizar o papel estratégico que o futuro Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões pode ter para setores como a Indústria e Energia para a abertura de mercado e não adoção de taxas por países compradores;
  • Reconhecer as distintas iniciativas do MVC, tanto no âmbito dos Sistemas Jurisdicionais dos estados, quanto nas abordagens do setor privado de maneira a complementar os esforços de política de comando e controle. Por exemplo: projetos de Redução de Desmatamento Planejado podem facilitar a adoção de compromissos nacionais de zerar o desmatamento legal e ilegal até 2030, ou reduzir a pressão sobre biomas em vulnerabilidade, como o Cerrado brasileiro;
  • Harmonizar uma estratégia de financiamento para permitir a mobilização de capital privado em áreas onde há grande percepção de riscos e barreiras significativas, como o caso de região da Amazônia Legal.

Não restam dúvidas que o país está diante de uma grande oportunidade de utilizar o Mercado de Carbono, em todas as suas vertentes, como catalisador de seu desenvolvimento social e econômico.

Ao explorar diferentes segmentos, conforme demonstrado em todo o artigo, o Brasil pode não só cumprir com compromissos e boas práticas internacionais de redução de emissões, mas também gerar receitas significativas e promover o surgimento de milhares de novos postos de trabalho.

Com visão estratégica aliada a ações inovadoras, o Brasil tem tudo se posicionar como um protagonista global na transição para uma economia de baixo carbono e um futuro mais sustentável.

*Munir Soares é  sócio-fundador e CEO da Systemica.

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