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Daniel Mendez, CEO da Sapore: "A redução de resíduos é uma angústia coletiva e global. E o recado é claro: não tem volta" (Divulgação)
Repórter de ESG
Publicado em 21 de outubro de 2025 às 13h37.
Última atualização em 21 de outubro de 2025 às 14h16.
Como jogamos comida fora com tantas pessoas passando fome no mundo? A angústia acompanhou o fundador da Sapore, Daniel Mendez, por três décadas e todos os dias ao visitar os clientes da sua empresa fundada ainda em 1992.
Hoje com 1300 restaurantes espalhados por todo Brasil e expertise em "comida pronta" em grandes corporações, o desperdício de alimentos se tornou um desafio de complexidade ainda maior.
O país está em 10º lugar entre os países que mais desperdiçam no mundo: anualmente, cerca de 46 milhões de toneladas de comida são perdidas, o que representa 30% de toda a produção nacional, segundo dados da ONU.
Embora a maior parte das perdas aconteça na cadeia produtiva, estimativas sugerem que os restaurantes representam cerca de 15% do problema -- ainda antes de chegar no prato do cliente.
A inquietação levou Mendez a apostar em um ambicioso projeto de R$ 40 milhões que está gerando bons frutos na gestão de desperdícios na maior empresa de refeições corporativas do Brasil e quer inspirar o setor com boas práticas.
Em apenas 11 meses, a tecnologia que usa inteligência artificial e análise de dados em tempo real [grifar]reduziu 55% do desperdício de alimentos nos 80 restaurantes onde já foi implementada.
"Somos muito inquietos e estamos sempre buscando soluções positivas. Acredito que essa seja a receita para crescermos tanto. A nossa meta é ser a primeira empresa 100% digital do planeta", disse Mendez em entrevista à EXAME.
Diferente de muitas empresas que acabam optando pela doação dos alimentos, a Sapore entende que a redução dos excessos é a solução definitiva. Mesmo assim, atua com parcerias pontuais com bancos de alimentos.
"Não queremos que o nosso trabalho seja doar comida pronta", contou.
Batizada de IOS+Digital, a solução é um sistema proprietário desenvolvido pela Sapore em parceria com fornecedores de tecnologia, que integra as ferramentas mais avançadas do mercado em uma plataforma única.
A base do sistema é a plataforma SAP, utilizada por 85% das companhias globalmente. Em cima disso, foram desenvolvidas camadas de inteligência artificial generativa, Power BI para análise de dados, além de algoritmos próprios de machine learning.
A plataforma compila dados de múltiplas variáveis em tempo real: condições climáticas, dia da semana, horário das refeições, perfil dos consumidores, histórico de consumo e até mesmo a atividade de cada colaborador.
A IA processa essas informações e gera previsões precisas sobre preferências e quantidades necessárias de comida.
Segundo Mendez, os insights são valiosos. Como exemplo, o executivo cita o fato das pessoas preferirem frango em dias de calor e carne em dias de frio e chuva.
"Com a gama de informações, tomamos as melhores decisões nos nossos menus e evitamos que a comida vá para o lixo", explicou.
Mas a tecnologia vai além do clima e também cruza dados por gênero, região do Brasil, tipo de atividade (escritório versus fábrica), e até preferências individuais de preparo.
"A IA mapeia tudo", revela. A Sapore também desenvolveu uma IA exclusiva para engenharia de cardápios, se tornando pioneira no uso para esta finalidade.
Além dos benefícios ambientais e sociais, Mendez celebra a personalização: "tenho uma ferramenta que trata cada indivíduo como único, é um sucesso".
A digitalização também elimina processos manuais, libera equipes para o atendimento e otimiza o uso de equipamentos para uma melhor entrega final aos clientes. "Quando você mexe em algo na empresa, é um efeito cascata. É o modelo mental que está mudando", destacou o fundador.
O projeto piloto começou na sede da montadora Honda, em Sumaré (SP). A unidade serve 5 mil refeições diárias distribuídas em quatro restaurantes, com múltiplas linhas de produção e três turnos de atendimento.
A complexidade era enorme: parte da produção era centralizada e transportada para outros pontos, gerando desperdício em ambas as pontas.
Os números mostram um 'case' bem-sucedido e que rendeu um prêmio para a Sapore: de 110 toneladas de desperdício em 11 meses, a companhia reduziu para 50 toneladas – uma queda de 45%. Em termos diários, passou-se de 454 kg de comida jogada fora por dia para 205 kg.
"Imagina 50 toneladas de comida pronta que ia para o lixo e não vai mais. Se você pensa que uma pessoa come meio quilo, quantas pessoas podiam estar se alimentando disso?", refletiu o fundador.
À EXAME, Emerson Maximino, Head da Divisão de Planejamento e Administração da Honda Automóveis, contou que o projeto transcende a questão operacional e que a redução de desperdício de alimentos está alinhada à cultura da montadora de melhoria contínua e compromisso com a gestão responsável de recursos.
"Estamos falando de uma evolução da empresa na forma como enxerga eficiência e reflete o respeito pelas pessoas e pelo meio ambiente", disse.
Os benefícios também vão além da operação do restaurante e se traduz em outras ações nas fábricas da Honda, onde os resíduos orgânicos gerados são transformados em composto orgânico por meio de uma Central de Compostagem Interna.
"Com mais de 400 toneladas processadas por ano, a iniciativa contribui para a redução das emissões associadas à logística de coleta e destinação desses resíduos", destacou.
Após o sucesso na Honda, a Sapore acelerou a implementação. Até outubro de 2025, já são 80 unidades implantadas em 69 municípios e 12 estados, servindo aproximadamente 2 milhões de refeições por mês.
Na ArcelorMittal de Tubarão (ES), que serve 11 mil refeições diárias em 14 restaurantes espalhados pela área industrial, o desafio era ainda maior. A implementação ocorreu em março e, em apenas cinco meses, o desperdício caiu de 1.300 kg para 500 kg por dia.
"Houve uma redução maior e mais rápida porque são muitos restaurantes, mas apenas um produtor. Conseguimos desmembrar essa produção para mais de 10 restaurantes e gerir melhor o preparo durante o almoço, evitando as perdas", disse Flávia Saltori, executiva responsável pela tecnologia na Sapore.
O projeto é parte de uma estratégia ESG mais ampla para redução do impacto e emissões de gases estufa. A Sapore investiu R$ 2,5 milhões para substituir copos descartáveis por reutilizáveis em 400 restaurantes, reduzindo o lixo descartável em 190 toneladas.
A empresa também adotou caminhões fracionados (com três câmaras de temperatura) para transporte de alimentos, alcançando apenas 1% de desperdício logístico – contra a média nacional de 30%.
Para 2025, planeja a expansão e uma meta ambiciosa: 145 unidades implantadas até dezembro. Em 2027, mira chegar a 100% das operações e contemplar os 1.300 restaurantes.
Com 20 mil colaboradores e faturamento previsto de R$ 3,2 bilhões em 2024, a companhia serve mais de 1,3 milhão de refeições diárias.
"Não houve nenhuma resistência de clientes em relação ao projeto. Ao contrário, todo mundo está preocupado com a redução de resíduos. É uma angústia coletiva e global. E o recado é claro: não tem volta", concluiu Mendez.