ESG

Como a energia solar virou questão de sobrevivência para refugiados sírios

Com as vidas abaladas pela guerra civil, refugiados da Síria descobriram nos baixos preços da energia solar uma maneira de sobreviver ao caos econômico e social

Painéis solares em Binnish, na Síria: uma improvável revolução energética acontece em região controlada por rebeldes, pelo fato da energia do sol ser a fonte de eletricidade mais barata que existe (Ivor Prickett/The New York Times)

Painéis solares em Binnish, na Síria: uma improvável revolução energética acontece em região controlada por rebeldes, pelo fato da energia do sol ser a fonte de eletricidade mais barata que existe (Ivor Prickett/The New York Times)

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Da Redação

Publicado em 24 de maio de 2021 às 09h00.

Última atualização em 24 de maio de 2021 às 13h08.

Ben Hubbard, c. 2021 The New York Times Company

Quando o governo sírio atacou sua aldeia, Radwan al-Shimali e seus familiares jogaram roupas, cobertores e colchões em seu caminhão e correram para começar uma vida nova como refugiados, deixando para trás sua casa, suas terras e a televisão.

Entre os pertences que trouxeram estava uma peça de tecnologia: o painel solar agora apoiado na rocha ao lado da tenda esfarrapada que eles chamam de lar em um olival perto da vila de Haranabush, no noroeste da Síria. "É importante. Quando há sol durante o dia, podemos ter luz à noite", disse Al-Shimali sobre o painel de 270 watts, a única fonte de eletricidade de sua família.

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Uma improvável revolução solar ganhou força em um bolsão sofrido, controlado pelos rebeldes, no noroeste da Síria, onde um grande número de pessoas cuja vida foi abalada pela guerra civil de dez anos do país abraçou a energia solar simplesmente porque é a fonte de eletricidade mais barata no local.

Painéis solares, grandes e pequenos, antigos e novos, estão aparentemente em toda parte na província de Idlib, ao longo da fronteira da Síria com a Turquia, montados aos pares ou aos trios no telhado e na varanda de prédios de apartamentos, empoleirados em tendas de refugiados e montados perto de fazendas e fábricas em enormes plataformas que giram para seguir o sol.

Muitos no Ocidente veem os painéis solares como um sinal de afluência, e países ricos como os Estados Unidos investiram bilhões de dólares para promover a energia alternativa.

Mas o boom solar no noroeste da Síria não está relacionado aos temores de mudanças climáticas ou ao desejo de reduzir a pegada de carbono. É a única opção viável para muitos em uma região onde a energia foi cortada pelo governo e onde o combustível importado para geradores privados está muito além dos meios da maioria das pessoas. "Não há alternativa. A energia solar é uma bênção de Deus", comentou Akram Abbas, importador de painéis solares na cidade de Al-Dana.

A província de Idlib se transformou em uma fortaleza rebelde no início da guerra. É por isso que o governo a retirou da rede elétrica nacional, que é abastecida por usinas de petróleo e gás e hidrelétricas no Rio Eufrates.

No início, os moradores recorreram a geradores: pequenas unidades movidas a gasolina para lojas e grandes motores a diesel para eletrificar edifícios inteiros de apartamentos. Seu barulho perpétuo e a fumaça nociva que liberam se tornaram parte da vida em cidades controladas pelos rebeldes.

Por algum tempo, a maior parte do combustível vinha de poços de petróleo no leste da Síria controlados pelo grupo Estado Islâmico. Era refinado localmente e muito sujo, o que significa danos aos geradores, exigindo manutenção cara e frequente.

Quando o grupo Estado Islâmico perdeu seu último território na Síria em 2019, o noroeste do país estava importando da Turquia um combustível mais puro, mas que custava mais que o dobro, agora cerca de US$ 150 por um barril de 220 litros de diesel turco, em comparação com US$ 60 por um do leste da Síria há alguns anos.

Esse aumento de preços levou os clientes para a energia solar, de acordo com Ahmed Falaha, que vende painéis e baterias na cidade de Binnish, em Idlib. Ele originalmente vendia geradores, mas adicionou os painéis solares em 2014. Não eram populares no início porque produziam menos eletricidade, mas, quando o preço dos combustíveis subiu, as pessoas à noite, no escuro, notaram que seus vizinhos que tinham painéis solares ainda tinham luz. A demanda cresceu e, em 2017, Falaha parou de vender geradores. "Agora trabalhamos com energia solar dia e noite."

Ele contou que seus campeões de venda eram painéis de 130 watts fabricados no Canadá, que haviam sido importados pela Síria depois de alguns anos em uma fazenda solar na Alemanha. Custam US$ 38 cada. Para aqueles que têm mais para investir, havia painéis de 400 watts fabricados na China por US$ 100.

Seu pacote padrão para uma casa modesta consistia de quatro painéis, duas baterias, cabos e outros equipamentos por US$ 550. A maioria das famílias poderia usar isso para ligar uma geladeira ou máquina de lavar durante o dia e para iluminação e um televisor à noite.

Conforme as pessoas iam se acostumando com a energia solar, ele começou a vender grandes instalações para oficinas e granjas de frango. Recentemente, vendeu seu maior pacote até agora, 160 painéis solares por cerca de US$ 20 mil, para um fazendeiro que quase faliu comprando diesel para sua bomba de irrigação e por isso precisava de uma alternativa mais barata. "É caro no início, mas depois é gratuito", disse Falaha, mostrando um vídeo em seu celular dos irrigadores movidos a energia solar regando um exuberante campo verde.

A maioria das pessoas no noroeste da Síria tem necessidades energéticas mais simples e muito menos dinheiro para investir. Mais da metade dos 4,2 milhões de habitantes da área controlada pelos rebeldes foram deslocados de outros lugares, e muitos lutam para garantir o básico da vida, como alimentos saudáveis, água limpa e sabão.

Contudo, muitas das famílias de refugiados que vivem em acampamentos lotados têm pelo menos um painel que produz energia suficiente para carregar celulares e acender pequenas luzes LED à noite. Outros têm três ou quatro painéis para alimentar luxos como roteadores de internet e televisores.

Na cidade de Idlib, o ex-bombeiro Ahmed Bakkar e sua família se instalaram no segundo andar de um prédio de apartamentos de quatro andares cujo telhado fora destruído por um ataque aéreo.

A família se mudou seis vezes durante a guerra e perdeu quase tudo ao longo do caminho, contou Bakkar. A maioria dos quartos do apartamento atual da família tinha janelas sem vidro, de modo que ele pendurou cobertores para impedir a entrada do vento. Eles não podiam pagar pelo aquecimento a óleo, por isso queimavam cascas de pistache para se manterem aquecidos.

Ele, porém, conseguiu comprar quatro painéis solares usados que foram instalados em um rack na varanda. Quando o sol brilhava, havia energia suficiente para bombear água até o apartamento, e uma bateria era carregada para que a família pudesse ter alguma luz à noite. "Funciona para nós, porque é energia gratuita", afirmou Bakkar, de 50 anos.

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