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Brasil recebe a COP30 em novembro e se posiciona como vitrine de soluções verdes (Getty Images)
Repórter de ESG
Publicado em 29 de setembro de 2025 às 18h00.
Última atualização em 3 de outubro de 2025 às 18h44.
Fruto da COP28 em Dubai, o Acelerador de Transição Industrial (ITA) nasceu com a missão de impulsionar a descarbonização da indústria e o Brasil foi escolhido para contemplar o primeiro programa com foco em acelerar tecnologias e soluções verdes neste ano em que sedia a grande conferência do clima da ONU.
Com 15 projetos já selecionados no país, sendo 11 públicos e quatro ainda não divulgados, a iniciativa global atua como intermediadora para destravar investimentos que somam mais de US$ 18 bilhões em setores de difícil abatimento de emissões como produtos químicos, aço e alumínio, cimento e aviação.
A parceria com o governo federal foi oficializada em julho de 2024 junto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Rodrigo Rollemberg, Secretário de Economia Verde do ministério, destacou a sinergia das iniciativas com a "ambição e progresso da neoindustrialização verde em curso".
"O país tem condições econômicas fundamentais para ser líder em muitos desses setores do ponto de vista sustentável", destacou em entrevista à EXAME, Marc Moutinho, o português que lidera o programa do ITA no Brasil desde 2023.
Entre os diferenciais estão a matriz elétrica majoritariamente renovável, abundância de recursos naturais e potencial para bioeconomia.
"É possível falar de algumas soluções a nível internacional, mas no final do dia, para criar as condições para viabilizar estes projetos, é preciso pensar em adaptar ao contexto e especificidades de cada país", destacou Marc, ao explicar a filosofia que guiou a criação do programa brasileiro e o motivo para ter se mudado para São Paulo nos últimos meses visando se aproximar da realidade local.
Segundo o executivo, o objetivo da organização não é investir diretamente, e sim criar condições para que aconteçam.
"Nosso sonho é conseguir decisões de investimento até a COP30. O desafio é que isso está fora do nosso controle direto – quem decide são empresas e os financiadores. Mas estamos otimistas", reforçou.
Na conferência do clima, o ITA deve apresentar trabalhar em três frentes: foco nos projetos e progressos já alcançados até agora, em desafios que permanecem e em algumas soluções que têm desenvolvido para destravar os recursos no ecossistema de inovação.
Para o líder do ITA, dois setores se destacam no Brasil como mais promissores rumo à economia de baixo carbono: o de fertilizantes verdes e combustível sustentável de aviação (BioSAF).
"Não há lugar melhor no mundo para tentar desenvolver uma indústria doméstica de fertilizantes de baixas emissões", frisou Marc.
Hoje o Brasil é altamente dependente da importação deste produto, enfrentando riscos econômicos e ambientais. Além disso, vive um paradoxo: "É um cenário bastante único, onde se a solução cinza já é mais cara do que deveria ser, a 'verde' já está chegando mais perto devido às vantagens que o país tem", complementou.
O projeto da Atlas Agro em Uberaba (MG), primeiro selecionado pelo ITA, é um dos exemplos bem-sucedidos. Mas existem desafios e a questão econômica pesa na conta.
"O mercado existente no Brasil tem preços muito voláteis, porque depende do externo. Isso cria uma situação em que o projeto teria dificuldade em se pagar e cumprir as suas obrigações financeiras", explicou.
Segundo Marc, a solução que o ITA desenvolve para driblar o problema é adaptar o conceito de "contrato por diferença" – instrumento usado para fomentar energia renovável na Europa – para criar estabilidade de receita no setor brasileiro de fertilizantes.
"Estamos desenvolvendo um instrumento financeiro que ajudaria a criar precisamente esta estabilidade de receita. Já desenhamos o conceito e estamos interagindo com instituições e também o governo para partir para a implementação", contou.
O próximo passo envolveria contrapartida direta do governo, bancos públicos como BNDES, bancos multilaterais e capital privado.
O segundo setor prioritário, o de combustível sustentável de aviação, enfrenta um obstáculo: barreiras regulatórias que não reconhecem a sustentabilidade real de projetos brasileiros, ao mesmo tempo que há um enorme potencial.
Embora o BioSAF continue sendo o caminho mais competitivo em relação a outras rotas tecnológicas ainda muito caras, a Europa, maior mercado emergente, não aceita o produto.
"O argumento do bloco é que eles não querem facilitar nada que possa vir do desmatamento na produção de biocombustíveis para atender às necessidades nacionais. A regulamentação europeia tem restrições muito severas", descreveu Marc.
Para Marc, parte do trabalho da organização neste sentido é em "como alavancar esses biorrecursos de uma maneira verdadeiramente sustentável" e conseguir "uma harmonização maior em termos de definições de terras degradadas, certificação de BioSAF, para essencialmente facilitar o acesso do produto brasileiro ao mercado europeu e viabilizar investimentos".
Como organização independente ligada à ONU, o ITA se posiciona como mediador necessário. "Nosso foco é em entender como conseguimos chegar a um meio do caminho que atende ambos os lados", frisou Marc.
Um dos exemplos é o projeto da Acelen na Bahia, a partir do cultivo de biomassa em terras degradadas. "Neste caso não há desmatamento e o cultivo ajuda a regenerar e restaurar áreas degradadas", complementou.”
Um diferencial brasileiro frequentemente subestimado é a possibilidade de eletrificação industrial, devido a seu potencial em energias renováveis.
O hidrogênio verde é relevante para vários setores – fertilizantes, aço, produtos químicos, combustíveis marítimos e de aviação.
Além disso, Marc destaca a biomassa e biometano como soluções complementares.
No setor de alumínio, o Brasil já tem vantagem competitiva clara. Enquanto a intensidade média global é de 14,8 toneladas de CO2 por tonelada de alumínio, o Brasil registra 4,2 toneladas devido ao uso de hidroeletricidade. Os projetos da Alcoa e CBA visam reduzir ainda mais – para 0,6 e menos de 2 toneladas, respectivamente.
Nos casos bem-sucedidos, os processos industriais substituem as caldeiras movidos a combustíveis fósseis pelas elétricas na refinaria de alumina.
A estratégia do ITA é "sempre procurar estas oportunidades onde as circunstâncias aumentam a competitividade da solução verde" – como no caso dos fertilizantes, onde o produto importado já é caro, ou da eletrificação, onde a matriz renovável brasileira traz vantagens.
Após o sucesso do modelo brasileiro, o ITA lançou sua segunda parceria regional no Oriente Médio e Norte da África em novembro de 2024, com programas nos Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egito. Outros países estão sendo avaliados, "particularmente economias emergentes, com alto potencial para este tipo de indústria", contou Marc.
Mas o Brasil segue na vanguarda como referência e liderança global. A aposta é que esse potencial se converta, até novembro em Belém, nos primeiros bilhões concretos em decisões de investimento.
"Como primeiro laboratório global do ITA, podemos mostrar ao mundo que a descarbonização da indústria pesada não é apenas necessária, mas viável e financiável", concluiu o executivo.
O programa brasileiro do ITA concentra-se em cinco áreas consideradas de "difícil abatimento" – setores onde a eletrificação não resolve o problema das emissões: produtos químicos, aço e alumínio, cimento e aviação.
A metodologia envolve quatro etapas: mapear projetos em desenvolvimento no país, selecionar casos alinhados com a visão do ITA, fazer "engajamento muito profundo com eles para entender realmente quais são os desafios para então chegar a fase final de investimento", e trabalhar com todos os atores relevantes para criar condições externas.
Dos 15 projetos apoiados, 11 já foram divulgados publicamente e representam US$ 17,5 bilhões em potencial de investimento.
Os primeiros quatro foram selecionados em 2023: Atlas Agro (fertilizantes verdes em Uberaba-MG), Fortescue, European Energy e Green Energy Park.
Em maio de 2024, o ITA anunciou mais sete projetos, adicionando US$ 7,5 bilhões ao portfólio. São eles:
Produtos químicos e aviação:
Cimento
Alumínio
Outros quatro projetos já foram selecionados mas aguardam autorização das empresas para divulgação. "Idealmente, vamos divulgá-los ainda antes da COP", revelou Marc.
Embora o programa brasileiro termine no ano que vem, a ideia é que as soluções desenvolvidas – como o contrato por diferença para fertilizantes ou os esforços de harmonização regulatória para BioSAF – permaneçam no ecossistema.