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Carlos Nobre, cientista brasileiro: "A adaptação precisa ser prioridade na COP30, pois não podemos excluir a possibilidade de não baixarmos a temperatura de 1.5ºC estabelecida pelo Acordo de Paris" (Tiziana FABI/AFP)
Repórter de ESG
Publicado em 25 de fevereiro de 2025 às 12h59.
Última atualização em 25 de fevereiro de 2025 às 14h17.
*De Brasília
"Adaptação e mitigação climática andam juntas. Quando restauramos os biomas, estamos ao mesmo tempo reduzindo os impactos climáticos e protegendo a biodiversidade", disse Carlos Nobre, em entrevista à EXAME.O cientista brasileiro e uma das maiores referências em estudos sobre a Amazônia marcou presença em evento promovido nesta terça-feira (25) pelo Instituto Talanoa em Brasília, sobre adaptação como agenda prioritária rumo à Conferência de Mudanças Climáticas da ONU (COP30) em Belém do Pará.
Há menos de nove meses do maior evento de combate à crise climática do mundo na cidade amazônica, adaptar as cidades e torná-las mais resilientes frente a nova realidade imposta pelo clima é urgente e deve ser prioridade. É o que defende o climatologista, ao lembrar que nem a ciência conseguia prever anos atrás que iríamos bater os 1,5°C limites do Acordo de Paris e ter 2024 como o ano mais quente da história.
"Se continuarmos com as metas de 10 anos atrás, iremos bater os 2,5°C até 2050. É um 'suicídio' para o planeta, pois vamos disparar os pontos de não retorno. E o pior para nós, brasileiros, é a perda de até 70% da Amazônia", destacou.
O ritmo acelerado gera preocupação entre especialistas, que alertam para o risco de uma série de 'efeitos drásticos em cascata'.
Mesmo que o Brasil zere as emissões até 2040, especialistas alertaram que há a possibilidade de não conseguirmos baixar os 1,5ºC e a temperatura cada vez mais alta leva a um aumento exponencial de eventos climáticos extremos.
Juntas, todas as florestas do mundo retiram cerca de 1/3 do C02 da atmosfera, com a amazônica tendo papel essencial na regulação do clima global. Carlos Nobre alerta que se passarmos do ponto de não retorno, este bioma irá se degradar e nós vamos perder a maior biodiversidade do planeta.
Pensando nisso, o cientista defende a restauração de todos os biomas como principal forma de adaptação climática. "Não só para manter nossa vida, mas também do planeta. É sobre adaptar a biodiversidade e nós", disse. Neste sentido, entra a necessidade de investir em cidades mais verdes.
A aposta na arborização é garantia de um clima mais ameno: estudos recentes já revelaram que árvores podem reduzir em até 12ºC a temperatura em centros urbanos. Além disso, podem reduzir de 20% a 30% a poluição do ar, uma das maiores causas de morte nas cidades.
Dentro do Plano Clima em desenvolvimento pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima desde 2023, Carlos Nobre reiterou que há vários pontos muito positivos para a agenda de adaptação -- e que o maior desafio atual é a implementação.
O principal seria zerar totalmente o desmatamento até 2030 em todos os biomas brasileiros, como prometido na nova meta climática brasileira (NDC) apresentada na COP29 em Baku, no Azerbaijão. "Isso é absolutamente necessário. Depois, há um desafio ainda maior, que é zerar o fogo criminoso. Hoje, este é o principal fator de degradação biomas, principalmente da floresta Amazônica e do Cerrado", frisou.
Perder biodiversidade representa um enorme risco, o que ele chamou de um verdadeiro "suicídio ecológico", além de gerar um grande número de epidemias. "A restauração da vegetação também protege a saúde humana e até mesmo a infraestrutura que todos nós dependemos – estradas, ferrovias, manguezais. Isso é fundamental para a preservação das áreas costeiras", complementou.
O Plano Clima do governo federal considera uma realidade alarmante: 83% dos municípios brasileiros enfrentaram desastres associados a eventos extremos, com cerca de 177 milhões de pessoas afetadas e cerca de 66% deles com a capacidade adaptativa classificada como baixa ou muito baixa. O dado expõe a maior vulnerabilidade de algumas populações frente à crise climática: mulheres, povos indígenas, quilombolas, negros e pobres sofrem seus impactos de forma desproporcional -- em um país marcado por desigualdades.
Para Nobre, contemplar estas comunidades é o maior desafio. A ciência já mostrou que ondas de calor são o evento mais letal e ele reforça que precisamos acelerar muito a proteção das populações vulneráveis em todas as esferas (municipal, estadual e federal).
Algumas medidas incluem pintar telhados de branco, viabilizar financiamento para compra de ar-condicionado para idosos e criar políticas para reduzir o custo da energia elétrica, que costuma ser muito alto em regiões quentes.
Cledisson Geraldo dos Santos Júnior, do Ministério da Igualdade Racial e Sergio Margulis, do Instituto Talanoa, também estiveram presentes no evento e defenderam que a adaptação às mudanças climáticas precisa avançar paralelamente às estratégias de mitigação.
Para Sérgio, a polarização entre as duas agendas precisa ser superada. "O problema só pode ser resolvido com redução das emissões, que são a causa. Mas o que não conseguimos fazer, a adaptação precisa fazer agora", afirmou.
Ele destacou que, embora a mitigação seja um tema global, a adaptação é uma questão local e exige decisões estratégicas.
"O custo da inação já é muito maior do que o custo de adaptarmos", alertou. Mas o desafio, segundo ele, é saber por onde começar. "Se alguém dá um bilhão de dólares, fazemos o quê? Vamos começar por onde? Tem ações que sabemos fazer, como plantar árvores nas cidades. Mas e a elevação do nível do mar?", questionou.
Estima-se que o custo da inação climática leve a perda de 10% a 15% do PIB global até 2100, enquanto o de adaptação gire em torno de US$ 387 bilhões por ano, segundo a ONU.A proteção de populações mais vulneráveis também foi um dos temas em destaque. Segundo Cledisson, temos uma agenda marcada pela desigualdade e raízes da colonização. "A participação social precisa ter um peso maior no debate climático. Embora já tenhamos avançado, ainda está muito aquém", concluiu.