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Capitalismo límbico

Um chamado à responsabilização da indústria multibilionária que prospera com a degradação de seus “atores” e manipulação de seus clientes

 (Anita Kot/Getty Images)

(Anita Kot/Getty Images)

Daniela Grelin
Daniela Grelin

Diretora Executiva do Instituto Natura

Publicado em 24 de junho de 2023 às 08h00.

Quando ouvimos falar de casos de vazamentos de nudes ou outros tipos de violência digital contra mulheres e meninas, temos a tendência de interpretá-los como um acontecimento fortuito, um desafortunado encontro entre uma adolescente desavisada e um namorado vingativo, potencializado pelas plataformas digitais.

Talvez este seja o roteiro de muitos casos, mas um olhar mais atento sobre a escala, perversidade e sofisticação destes eventos sugere que a violência contra mulheres e meninas no ambiente digital, muito frequentemente, nada tem de casual.

Mais do que um episódio de assimetria de consequências da banalização do sexo entre um homem e uma mulher, estamos falando da assimetria de poder entre um ser humano e uma rede intrincada de organizações tecnologicamente sofisticadas, que prosperam com a vitimização da parte mais vulnerável de seus agentes e a manipulação de seus consumidores.

A indústria da pornografia conforma-se ao que o autor David Courtright caracterizou como capitalismo límbico, ao referir-se aos negócios competitivos que prosperam a partir da manipulação de circuitos neurais responsáveis pelas emoções, pela motivação e, tragicamente, pela formação de vícios.

O termo refere-se, de uma forma ampla, tanto à lógica de atuação da indústria dos games viciantes quanto da indústria do tabaco, mas aqui eu uso o termo para me referir especificamente à indústria da pornografia, como existe no século XXI e descrita por Louise Perry[1]: uma gigante que movimenta dezenas de bilhões de dólares por ano e opera conglomerados como o MindGeek que, por sua vez, opera mais de cem websites, entre eles o Pornhub, que alegadamente chega a consumir mais banda de internet [2] do que as gigantes Twitter, Amazon ou Facebook.

Ao contrário de organizações como Amazon ou Meta, os fundadores de tais impérios digitais se esmeram em manter um perfil discreto, mais apropriado a uma atuação que cresce nas sombras, na ausência de responsabilização pública e criminal e na associação a atividades criminosas.

Como revelado em artigo do jornalista Nicholas Kristof no New York Times, sites como o Pornhub estão  cheios de  pornografia de vingança, imagens de estupro e violência contra crianças, conteúdo gravado à revelia de atrizes que jamais consentiram em sua produção e divulgação. Na sequência da publicação do artigo do NYT, o conglomerado anunciou uma série de medidas para restringir acesso ao conteúdo ilegal em sua plataforma, providência largamente insuficiente.

Lamentavelmente, uma vez publicado e distribuído na internet, o conteúdo se eterniza, bem como suas consequências sobre suas vítimas, majoritariamente mulheres, aliciadas muitas vezes por esquemas falsos de recrutamento de modelos, coagidas, seja pela necessidade material ou violência, ou diretamente forçadas na produção deste conteúdo planejado para produzir o máximo de excitação sexual e o mínimo de empatia possíveis.

Os sites são desenhados para estimular intensamente circuitos neurais associados às necessidades humanas de prazer e excitação, mas o fazem de forma completamente desprovida da conexão humana característica das relações de intimidade saudáveis.

No Brasil, uma pesquisa do Instituto Avon[3] com levantamento de dados em 2019 e 2020, revela que cerca de 20% dos materiais encontrados em plataformas pornográficas fazem alusão a diferentes formas de violência contra mulheres e meninas e 16% trazem conteúdos relacionados a estas mesmas violências. Em alguns casos, trata-se de encenações com atores e atrizes contratadas. Mas em tantos outros, há indícios de violações e crimes. Entre eles, há conteúdos com descritivos tais como “sexo com menina dormindo/bêbada/drogada”; “câmera escondida”;  ou “exposição de ex-namorada/pornografia de vingança”. O estudo estima um número de 25,9 bilhões de visualizações nos períodos de levantamento de dados da pesquisa.

Alguns países adotam medidas importantes na tentativa de regularizar a indústria da pornografia, como meio de proteger suas maiores vítimas, as mulheres e meninas. Na França, o HCE - Haut Conseil à l'Égalité, emitiu uma série de recomendações para a regularização das plataformas de distribuição de conteúdo pornográfico online. Entre elas:

  • Expansão das competências do dispositivo que permite denunciar conteúdos ilícitos online à polícia para incluir conteúdos que apresentem atos de tortura e barbárie, tratamentos desumanos e degradantes e violações;
  • Expansão das competências da Autoridade Reguladora do Audiovisual e das Comunicações Digitais, para incluir a verificação das recusas de bloqueio de conteúdo ilícito;
  • Medidas para assegurar o efetivo direito de retirada de qualquer conteúdo de cunho sexual pela pessoa filmada ou fotografada, a qualquer momento, e sem justificativa;
  • Proibição de qualquer imagem, representação de menor, ou de pessoa cuja aparência física seja de menor, de caráter pornográfico, independentemente da idade da pessoa filmada.

Todas as medidas para restringir as práticas e efeitos danosos da indústria pornográfica são bem-vindas, mas a verdade é que muitas vezes a vontade e os recursos das autoridades não andam na mesma velocidade dos interesses dos barões da pornografia digital. Talvez a nossa melhor chance de ação consciente neste mundo dominado pela tecnologia e pela monetização do sexo seja reconhecê-lo pelo que ele é: uma indústria que beneficia muito poucos bilionários que vivem “acima do algoritmo[4]”, enquanto manipula produtores e consumidores “abaixo do algoritmo”. Diante disso, ainda temos uma opção: dizer não ao consumo da pornografia.


[1]Perry Louise, The Case Against The Sexual Revolution.

[2] David Auerback, ‘Vampire Porn’, 23 de Outubro 2014.

[3] Instituto Avon, Além do Cyberbulling: a Violência Real do Mundo Virtual: https://institutoavon.org.br/pesquisa/

[4] Expressão cunhada pelo autor Venkatesh Rao.

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