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Brasil chega a um terço de perdas das áreas naturais em 2023 e atinge recorde

Dados do MapBiomas se referem a vegetação nativa, superfície de água e áreas naturais não vegetais, como praias e dunas; metade dos danos ocorreram na Amazônia

Efeitos: a extensão e a rapidez da mudança da cobertura e do uso da terra são fatores que elevam o risco climático do Brasil (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Efeitos: a extensão e a rapidez da mudança da cobertura e do uso da terra são fatores que elevam o risco climático do Brasil (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Paula Pacheco
Paula Pacheco

Jornalista

Publicado em 21 de agosto de 2024 às 07h00.

Levantamento feito pelo MapBiomas, com dados analisados entre 1985 e 2023, revela a evolução das áreas naturais - vegetação nativa, superfície de água e áreas naturais não vegetadas, como praias e dunas - no Brasil.

O número mais recente, referente ao ano passado, mostra que o país atingiu a marca histórica de 33% de perda de áreas naturais. Os impactos são graves. Isso porque, segundo os pesquisadores do MapBiomas, a extensão e a rapidez da mudança da cobertura e uso da terra são alguns dos fatores que elevam o risco climático do Brasil

“A perda da vegetação nativa nos biomas brasileiros tende a impactar negativamente a dinâmica do clima regional e diminui o efeito protetor durante eventos climáticos extremos. Em síntese, representa aumento dos riscos climáticos”, diz coordenador geral do MapBiomas, Tasso Azevedo.

Perdas e ganhos

Segundo Azevedo, uma parte significativa dos municípios brasileiros ainda perde vegetação nativa. “Mas, por outro lado, os últimos quase um terço dos municípios brasileiros estão recuperando áreas de vegetação nativa.”

O levantamento do MapBiomas mostra ainda que, até 1985, a perda histórica de áreas naturais no Brasil comprometeu 20% do território. Já entre 1985 e 2023, a perda avançou para outros 13% do território (o equivalente a 110 milhões de hectares), chegando aos 33% no ano passado. Metade desse total, 55 milhões de hectares, ocorreu na Amazônia.

Para os pesquisadores do MapBiomas, as perdas no período mais recente são alarmantes, já que representam 33% de tudo que foi antropizado desde a chegada da colonização europeia até 2023. Áreas antropizadas são aquelas onde há ocupação humana, com o exercício de atividades sociais, econômicas e culturais sobre o ambiente.

Uso de terra

Ainda nesta quarta-feira, 21, o Mapbiomas apresenta, em Brasília, durante o Seminário Anual, a Coleção 9 de mapas anuais de cobertura e uso da terra. A nova versão, além de atualizar as informações até 2023 para as 29 classes mapeadas, traz um mapeamento inédito, em versão beta, de recifes de coral que ficam em águas rasas ao longo da costa marítima brasileira.

A coleção traz também um balanço dos ganhos e das perdas de vegetação nativa nos municípios a partir de 2008, quando foi instituído o Fundo Amazônia e editado o Decreto nº 6.514, que conferiu efetividade ao Código Florestal, que estabeleceu multas para os casos de descumprimento das regras previstas.

No Brasil, 18% dos municípios apresentaram números estáveis entre 2008 e 2023. Como explicam os pesquisadores do MapBiomas, são locais onde o ganho e perda da vegetação foram menores que 2%, com relativa estabilidade. Por outro lado, em 37% dos municípios houve ganho de vegetação nativa.

A Mata Atlântica foi o bioma com maior percentual de municípios onde a área de vegetação nativa cresceu nesses 16 anos, num total de 56%. No entanto, 45% dos municípios brasileiros perderam vegetação nativa no período. O Pampa foi o bioma com a maior proporção de cidades com perdas acentuadas de vegetação nativa (superior a 15%), com 35%.

Quando são consideradas todas as perdas nesse período (a partir de 2%), aponta o MapBiomas, o bioma com mais municípios com perdas de áreas naturais é o Pantanal, com 82%.

Cerrado: todos os estados do bioma têm pelo menos um município com mais de 30% de perda de vegetação nativa entre 2008 e 2023 (Wenderson Araujo/Sistema CNA-Senar/Divulgação)

Destaques

Os estados com maior proporção de municípios com ganho de vegetação nativa são o Paraná (76%), Rio de Janeiro (76%) e São Paulo (72%). Na outra ponta, os estados com maior proporção de municípios com perda de vegetação são Rondônia (96%), Tocantins (96%) e Maranhão (93%).

No Matopiba (formado por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), onde está o Cerrado, tem um crescimento consistente do agronegócio, todos os estados têm pelo menos um município com mais de 30% de perda de vegetação nativa entre 2008 e 2023.

O levantamento aponta que a Formação Florestal cobre hoje 41% do país, mas foi o tipo de cobertura nativa que mais perdeu área de 1985 até 2023 - menos 61 milhões de hectares, uma queda de 15% no período. Proporcionalmente, a Formação Savânica teve a maior perda, com redução de 26% e cerca de 38 milhões de hectares convertidos.

“As florestas no Brasil são muito diversas com características e espécies típicas de cada região, que estão sujeitas a diferentes graus de ameaça. Esta diversidade deve ser levada em conta em políticas públicas para conservação e bioeconomia dessas florestas”, acrescenta Eduardo Vélez, do MapBiomas.

Terras indígenas

Pela primeira vez, o MapBiomas analisou a perda de cobertura vegetal nas florestas públicas não destinadas. São áreas sob domínio público, mas que ainda não têm um uso específico definido, como Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Concessões Florestais, e que aguardam uma destinação formal. Elas ocupam 13% da Amazônia Legal e têm 92% de sua área coberta por vegetação nativa. É o equivalente a 60 milhões de hectares.

Alto Alegre (RR), 10/02/2023 - Vista em sobrevoo do rio Mucajaí, afetado pelo garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami.

Proteção: Terras indígenas, como a dos Yanomami, apesar da ameaça dos garimpos ilegais, ainda são as que têm maior área preservada (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Luis Oliveira, da equipe da Amazônica do MapBiomas, explica que o Brasil tem uma área florestal maior que o Estado de Minas Gerais ainda sem destinação na Amazônia Legal. Por essa razão, essas áreas estão mais expostas ao desmatamento em relação às florestas que estão sob algum regime de proteção. “É importante e urgente destinar essas áreas e transformá-las em territórios protegidos. A conversão dessas áreas para algum tipo de uso antrópico agravaria ainda mais a atual crise climática”, alerta.

As Terras Indígenas (TIs), que cobrem 13% do território nacional, são as áreas mais preservadas no país. De 1985 a 2023, elas perderam menos de 1% da área de vegetação nativa. Já nas áreas privadas as perdas chegaram a 28%.

A análise do MapBiomas mostrou também como o relevo influencia no avanço sobre a vegetação nativa. O Brasil tem 281 milhões de hectares de áreas antrópicas e os resultados mostram que na zona rural, as áreas mais planas, com declividades entre 0 e 3% e entre 3 a 8%, têm proporcionalmente as maiores perdas de vegetação nativa (-20% e -19%, respectivamente). Em áreas urbanizadas, acontece o inverso, com o crescimento de 3,3% ao ano em áreas de encostas, com declividade acima de 30%, contra uma média geral de 2,4% ao ano, considerando todas as classes de declividade.

A expansão urbana em áreas mais declivosas em um contexto de mudanças climáticas, explica Mayumi Hirye, da equipe das áreas urbanas do MapBiomas, como de extremos chuvosos, aumenta o risco de desastres e coloca em perigo a população.

Biomas em números 

Os dados do MapBiomas mostram que o Brasil ainda tem 64,5% de seu território coberto por vegetação nativa. No entanto, em 1985 eram 76%. Nesse período, a área de pastagem expandiu 79%, ou 72,5 milhões de hectares a mais em relação a 1985. A área de agricultura cresceu 228%, ou um acréscimo de 42,4 milhões de hectares.

A agropecuária passou de 28% para 47% no Cerrado; de 28% para 45% no Pampa; de 3% para 16% na Amazônia; de 5% para 17% no Pantanal; de 28% para 38% na Caatinga; e de 63% para 65% na Mata Atlântica.

Em 1985, 48% dos municípios tinham o predomínio da agropecuária; enquanto em 2023, esse número chegou a 60% dos municípios. Mais da metade (60%) da perda de vegetação nativa no país está em propriedades privadas, onde a vegetação nativa já ocupa menos da metade.

Amazônia, Cerrado e Pampa

Em área total, Amazônia e Cerrado são os biomas que mais perderam área de vegetação nativa. Na Amazônia, foram 55 milhões de hectares, ou uma redução de 14% nos últimos 39 anos. Com isso, segundo o MapBiomas, a Amazônia brasileira tem hoje 81% coberto por florestas e vegetação nativa, o que a coloca muito próximo da margem estimada pelos cientistas para seu ponto de não retorno, estimado entre 80% e 75% de vegetação nativa. Esses 81% incluem 8,1 milhões de hectares (3%) de vegetação secundária, ou seja, que cresceu novamente depois de ser desmatada.

No Cerrado, 38 milhões de vegetação nativa foram suprimidos entre 1985 e 2023 – uma queda de 27%. Ao todo, 10% do Cerrado (9,7 milhões de hectares) são cobertos por vegetação secundária. Proporcionalmente em relação ao próprio tamanho, Cerrado e Pampa são os biomas que mais perderam área de vegetação nativa. No caso do Pampa, a perda entre 1985 e 2023 foi de 28% (3,3 milhões de hectares).

Pantanal e Caatinga

No Pantanal, a redução mais acentuada foi na superfície de água, que passou de 21% em 1985 para 4% em 2023. Com isso, as áreas de vegetação herbácea e arbustiva aumentaram de 36% em 1985 para 50% do bioma em 2023 – mas apenas dois por cento da cobertura vegetal do Pantanal (200 mil hectares) são de vegetação secundária.

A Caatinga perdeu 14% de vegetação nativa (8,6 milhões de hectares) entre 1985 e 2023, enquanto quase um quarto do bioma (23%, ou 11,5 milhões de hectares) já são de vegetação secundária. Pampa, Caatinga e Mata Atlântica são os biomas com maior proporção de vegetação secundária em 2023. No caso deste último bioma, já são 6,9 milhões de hectares (21%). A perda de vegetação nativa na Mata Atlântica foi de 10%, ou 3,7 milhões de hectares em 39 anos. Com isso, as formações florestais diminuíram de 28% para 26% no bioma. As atividades agropecuárias, por sua vez, passaram de 63% para 65%.

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