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Editor ESG
Publicado em 31 de maio de 2023 às 09h23.
Última atualização em 31 de maio de 2023 às 09h23.
Os maiores bancos brasileiros, representados pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), anunciaram nesta terça-feira, 30, um protocolo de autorregulação para a concessão de crédito a frigoríficos e matadouros, com o objetivo de combater o desmatamento na Amazônia. Os signatários passarão a exigir de seus clientes, a partir de 2025, o rastreamento total da cadeia, para que fique provada a não aquisição de gado proveniente de áreas de desmatamento, tanto de fornecedores diretos quanto indiretos.
Em que pese o caráter extrajudicial da medida, ela é importante por dois motivos. De início, sinaliza a importância do tema para as instituições financeiras, materializada na antecipação, em cinco anos, de um compromisso firmado pelo governo brasileiro na COP26, em Glasgow, na Escócia. Mais importante ainda é o fato de, com antecedência, estabelecer critérios para exigir das empresas de proteína animal, entre elas alguns dos maiores grupos empresariais brasileiros, como JBS e Marfrig, uma solução definitiva para o problema.
Desde que ganhou força no mercado, a partir do segundo semestre de 2019, a sigla ESG – ambiental, social e governança, em inglês – evoluiu e ganhou status de “agenda ESG”, um substituto para a generalista expressão “sustentabilidade”. Isso, por um lado, ajudou a disseminar e dar importância ao conceito. Por outro, tirou seu caráter técnico e financeiro. O ESG, afinal, surgiu a partir da ideia de reunir um conjunto de indicadores que pudesse dar valor financeiro a riscos socioambientais, algo bem diferente de uma “agenda”. Ao perder essa essência contábil, o conceito abriu espaço para questionamentos, especialmente na polarizada sociedade americana.
Na semana passada, grupos de cidadãos novaiorquinos entraram com um processo contra seus fundos de pensão por, supostamente, negligenciarem suas obrigações fiduciárias ao adotar políticas ambientais em suas estratégias de investimento. O fato foi comemorado pelo jornal Wall Street Journal, que publicou um editorial chamado “Um Processo para Proteger Fundos de Pensão da Politicagem Climática”. É uma clara afirmação política, direcionada ao ex-prefeito de Nova York, o democrata Bill de Blasio, o artífice de uma série de compromissos climáticos feitos pelos fundos.
O WSJ carrega nas palavras, e talvez esteja equivocado quanto à necessidade de se adotar critérios ambientais para decidir sobre investimentos. O jornal não erra, no entanto, ao classificar como políticos os compromissos assumidos pelos fundos. E os cidadãos têm todo o direito de questionar se os gestores de suas aposentadorias respeitam, de fato, o objetivo primordial dos fundos, que é pagar os aposentados.
A justificativa de Blasio para instituir essas políticas foi “garantir um planeta habitável para as futuras gerações”. Dessa forma, em 2021, o fundo de pensão dos funcionários da prefeitura adotou um plano para, segundo seus gestores, “descarbonizar o mercado, não apenas nosso portfólio, e manter os combustíveis fósseis no subsolo”. Louvável do ponto de vista ambiental, mas não parece um critério objetivo. Isso significa, afinal, perder dinheiro no curto prazo? E quanto tempo tem esse curto prazo?
Para não citar apenas um lado, o historiador econômico britânico Adam Tooze, autor do livro mais abrangente sobre a crise de 2008, “Crashed”, em seu excelente podcast Ones & Tooze, afirma textualmente que o ESG se tornou, nos Estados Unidos, essencialmente um instrumento para avanço da agenda democrata. Tooze, professor na Universidade de Columbia, não tem perfil republicano. Mas quando fundos de bilhões de dólares tomam decisões de investimento baseadas no “futuro dos nossos filhos”, fica evidente o caráter ideológico da medida.
Nos Estados Unidos, onde a disputa política em torno do ESG é mais virulenta, a falta de critérios técnicos e objetivos para o fomento da transição energética, principalmente, está levando o assunto aos tribunais. O mesmo se passa com a Glasgow Financial Alliance for Net Zero (Gfanz), iniciativa capitaneada pelo ex-presidente do banco central da Inglaterra, Mark Carney. Lançada no ano passado, a aliança reúne centenas de instituições financeiras, que controlam mais de 100 trilhões de dólares em ativos, e estabelece uma série de critérios de governança climática. Parece, no entanto, que Carney esqueceu de contratar um bom escritório de advocacia.
Grandes bancos americanos, entre eles JPMorgan, Morgan Stanley e Bank of America, consideram deixar a aliança alegando riscos jurídicos. Pensando bem, talvez o fato de os maiores bancos do país combinarem, todos juntos, para quem, de que forma, onde e quando emprestar ou investir dinheiro, possa se configurar uma violação da livre concorrência.
O irônico de tudo isso é que, fiduciariamente, faz todo sentido investir em energias renováveis e outros empreendimentos ligados à transição para a economia de baixo carbono, especialmente quando se pensa a longo prazo. Talvez, se os fundos de pensão de Nova York tivessem adotado critérios objetivos de investimento, em vez de se posicionarem como salvadores da humanidade, ninguém reclamasse. Toda a ideia por trás do ESG se baseia na união entre lucro e impacto positivo. E que é preciso ter critérios para acompanhar os avanços. Sem eles, é só falatório.