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O Roteiro Baku-Belém não precisa ser formalmente aprovado pelas partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima para ter efeito prático (Getty Images)
Publicado em 5 de novembro de 2025 às 17h00.
Última atualização em 5 de novembro de 2025 às 19h15.
As presidências da COP29 e COP30 lançaram nesta quarta-feira, 5, em conjunto, o Roadmap Baku-Belém. O documento consiste em um roteiro que estabelece metas e mecanismos concretos para mobilizar US$ 1,3 trilhão por ano em financiamento climático até 2035 para países em desenvolvimento.
O plano, construído a partir de 227 submissões de governos, instituições e sociedade civil, quer ir além do compromisso de US$ 300 bilhões anuais fechado em Baku — valor que deixou nações vulneráveis em revolta e foi classificado como "insultante" por delegações africanas e de pequenos Estados insulares ao término da COP29.
Há ambição está posta: em uma entrevista coletiva para a imprensa, os representantes do Brasil e do Azerbaijão afirmaram esperar quadruplicar o financiamento previsto, antes mesmo do prazo previsto em 2035.
A questão que paira sobre Belém, contudo, é se o roadmap deve representar uma virada real na arquitetura financeira global ou apenas um exercício diplomático para acalmar os ânimos.
"Este roadmap mostra que o caminho até US$ 1,3 trilhão é possível", afirmou Mukhtar Babayev, presidente da COP29, ao comentar sobre a tentativa de reformular a arquitetura financeira global para enfrentar a crise climática. "O sucesso demandará ação política."
A declaração resume tanto a ambição quanto a fragilidade do documento, considerando que sua implementação depende inteiramente de vontade política; mesma lógica que limitou Baku a compromissos considerados insuficientes.
O documento estrutura-se em torno de seis estratégias principais que tentam endereçar as lacunas deixadas pelo acordo de Baku.
Incluem-se aí, falta de financiamento adequado, especialmente aos países em desenvolvimento; inclusão de grupos vulneráveis da discussão, como povos indígenas e mulheres; falta de resiliência fiscal; necessidade de capacitação e preparação de projetos; falta de coordenação e interoperabilidade nas economias globais; adaptação e transparência.
"Muitos países gastam mais do que o necessário, e com altas taxas de juros, por conta das mudanças climáticas", destacou André Corrêa do Lago, presidente da COP30, em referência ao fato de que 45% dos países menos desenvolvidos e 74% dos pequenos Estados insulares enfrentam crises de dívida ou alto risco de endividamento.
Em outras palavras: as nações que mais precisam de recursos para adaptação climática estão sufocadas por dívidas contraídas, em parte, para lidar com desastres climáticos.
Para enfrentar esse gargalo, propõe cláusulas de resiliência climática em contratos de dívida, trocas de dívida por natureza e reestruturação com condicionalidades climáticas — mecanismos que, embora inovadores, também dependem da boa vontade, agora de credores internacionais.
Neste sentido, o plano estabelece alocar entre US$ 310 e US$ 365 bilhões anuais especificamente para adaptação e fundos de perdas e danos, com ênfase em recursos não reembolsáveis.
É um avanço conceitual significativo em relação a Baku, onde adaptação foi tratada como nota de rodapé.
Um diferencial do documento é a atenção a grupos historicamente excluídos das decisões sobre clima.
O plano estabelece janelas específicas de financiamento para povos indígenas, com acesso direto a fundos liderados por comunidades tradicionais, além de instrumentos voltados para mulheres, jovens, pessoas com deficiência e migrantes climáticos.
A abordagem marca uma mudança de paradigma. Pela primeira vez, um documento desta magnitude reconhece que a exclusão desses grupos não é apenas uma questão de justiça social, mas um obstáculo prático à efetividade das políticas climáticas.
Comunidades indígenas, por exemplo, protegem 80% da biodiversidade mundial, mas recebem menos de 1% do financiamento climático global.
"Nossas recomendações são baseadas no fato de que já sabemos ser possível financiar US$ 1,3 trilhão, esse movimento já está acontecendo. Muito do que mencionamos é sobre possibilidade de escala", explica Corrêa do Lago.
O roadmap prevê ainda US$ 50 bilhões anuais para transições justas, protegendo trabalhadores e comunidades vulneráveis com proteção social, educação, retreinamento e criação de empregos verdes.
O que pode ser considerado uma resposta direta às críticas de que a transição energética pode deixar milhões de trabalhadores para trás.
A decisão de não incluir o roadmap na agenda formal de negociações da COP30, mas sim na agenda de ação - uma surpresa não exatamente esperada -, levantou questões sobre a real disposição dos países em implementar as recomendações.
Diferentemente de outros documentos climáticos, o roteiro Baku-Belém não precisa ser formalmente aprovado pelas partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para ter efeito prático.
"Quando falamos de negociação, falamos de implementação", explica Corrêa do Lago. "Usamos as regras do Acordo de Paris. Não precisamos de aprovação para que países decidam o que implementar. Você precisa de aprovação para mudar regras atuais. E este não é o caso."
A estratégia é arriscada. Ao não ser um documento que precise de reconhecimento ou aprovação formal das partes, corre o risco de ser tratado como mais uma carta de intenções sem consequências práticas; receio manifestado por muitos observadores durante o lançamento.
Para os líderes das COPs, porém, manter o roadmap fora das negociações formais não diminui sua relevância. Ana Toni, CEO da COP30, reforçou que um dos objetivos é unir diferentes públicos, desde empresas a sociedade civil, sobre as possibilidades de escala no financiamento.
"O maior objetivo é influenciar atores de fora que podem ajudar a mover as coisas e acelerar e escalar as ações. Não é um ou outro que vai resolver essa questão", conta
Durante a coletiva, representantes brasileiros argumentaram que o documento tem força justamente por falar diretamente com ministros de finanças e economistas — incluindo quatro ganhadores do Prêmio Nobel que contribuíram para sua elaboração — e não apenas com negociadores climáticos.
"Queremos injetar novas ideias para o debate das finanças climáticas, novos jeitos de pensar a solução”, afirmou Corrêa do Lago.
"A pandemia mudou tudo. A articulação intergovernamental durante a crise do covid-19 mostrou ser possível dar escala e velocidade para projetos importantes", respondeu o embaixador quando questionado sobre a viabilidade da abordagem.
"A Iniciativa Bridgetown não surgiu da Convenção do Clima da ONU. A Convenção de Nairobi também. Tivemos contribuições do G20, multilateralismo, todos os acordos além da negociação."
É um argumento poderoso, mas que ignora uma diferença fundamental: durante a pandemia, países ricos mobilizaram trilhões para proteger suas próprias economias.
No caso do financiamento climático, pede-se que transfiram recursos para outras nações, uma equação política muito mais complexa.
Ana Toni enfatizou que o documento é tanto uma decisão dos países quanto uma ferramenta prática. "Obviamente é um relatório negociado entre André e Babayev, mas também é decisão das partes”, disse.
Babayev enfatizou a importância de responsabilizar os doadores: "É importante focar na implementação da promessa de US$ 300 bilhões feita em Baku. Importante fazer os doadores prestarem contas, decidir como cada um vai representar suas obrigações e motivar outras partes e interessados para serem ativos até que concordem com o US$ 1,3 trilhão."
Questionado sobre a participação de países produtores de combustíveis fósseis no financiamento, Babayev defendeu uma abordagem inclusiva.
"Países produtores também participam das questões de financiamento climático. Estamos abertos a chamar todos os interessados. Não queremos dividir países, queremos ouvir todas as ideias dos interessados”, contou.
O Azerbaijão manifestou orgulho da proximidade com o Brasil na construção do documento. "O roadmap é começo, não o fim", afirmou Babayev. "Continuaremos em um papel ativo de moldar essa abordagem multilateral de financiamento climático. À medida que as delegações chegam em Belém, cabe a elas decidir como querem levar esse trabalho adiante."
Corrêa do Lago anunciou que espera uma "ampla influência" do documento. "A ideia é que especialistas trabalhem nos números para o próximo ano, melhorem o documento e possamos ter reuniões para discutir a conclusão das ideias do documento. Não estamos trabalhando só nos dias da COP."
Para Toni, o impacto já começou. "O efeito não é só em Belém, já está impactando a vida real e vai influenciar as próximas duas semanas de COP", afirma.
"Temos que entender melhor a implementação. Se o IPCC diz que temos poucos anos para agir, não é sobre criar novas regras, é sobre agir. Já temos muitas regras", disse Corrêa do Lago — uma frase que resume tanto a urgência quanto o dilema do roadmap.
A COP30 dirá se o Brasil conseguiu transformar a frustração de Baku em um novo modelo de financiamento climático ou se o Roadmap Baku-Belém será apenas mais um documento bem-intencionado na longa história de promessas não cumpridas da diplomacia climática.