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Agroflorestas de cacau revertem devastação na Transamazônica

Após décadas de desmatamento, produtores recuperam floresta com apoio de crédito cooperativo e consolidam Pará como maior produtor nacional

Cacau em sistemas agroflorestais recupera áreas degradadas, gera renda para agricultores familiares e conquista prêmios internacionais. (Márcio Nagano / Amazônia Vox)

Cacau em sistemas agroflorestais recupera áreas degradadas, gera renda para agricultores familiares e conquista prêmios internacionais. (Márcio Nagano / Amazônia Vox)

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Publicado em 30 de outubro de 2025 às 11h52.

Por Rafael Sobral com edição de Daniel Nardin

A história da família Brogni se confunde com a transformação da Transamazônica. Há 17 anos, Sara e Robson chegaram à região vindos de Santa Catarina, em uma jornada que incluiu o nascimento do primeiro filho em Goiânia.

Hoje, às margens da BR-230, no município de Medicilândia (PA), eles são parte de uma mudança que vai além da economia familiar: representam uma nova forma de ocupar a Amazônia, na cidade que se consolidou como a "capital brasileira do cacau"

O título é resultado de uma produção anual estimada em 48 mil toneladas - 16,7% de toda o montante nacional, segundo dados do Projeto Previsão de Safra de Cacau no Estado do Pará para 2024 (SEDAP/CEPLAC).

Neste cenário, o Pará ultrapassou a Bahia e hoje responde por 53,4% da produção nacional, com cerca de 154 mil toneladas de cacau produzidas apenas em 2024.

Da devastação à regeneração florestal

Antes da década de 1970, a região era coberta por floresta amazônica nativa. Com a construção da Transamazônica durante o regime militar, a vegetação densa deu lugar a pastos e exploração madeireira, causando impactos socioambientais severos, inclusive para os povos indígenas que já habitavam o território.

A política de ocupação da época via a floresta como um "vazio demográfico" e promovia o desmatamento como condição para manter a posse da terra. O próprio nome de Medicilândia homenageia o general Emílio Garrastazu Médici, presidente durante a construção da rodovia entre 1969 e 1974.

Agora, Sistemas Agroflorestais (SAFs) estão redesenhando a paisagem da região. O Sítio Ascurra, propriedade da família Brogni, exemplifica essa transição: mais de 50 mil pés de cacau convivem com espécies nativas da Amazônia.

Da quantidade à qualidade

"Hoje, o plantio ocorre em um SAF, onde tenho diversas outras árvores nativas da Amazônia, como ipê, castanha, tatajuba, cedro e até pé de mogno", explica Robson Brogni.

A lógica é simples e eficiente. O cacaueiro é uma planta de sub-bosque que se desenvolve melhor à sombra de outras árvores. Essa característica natural possibilita a recuperação da cobertura florestal enquanto gera renda para os produtores.

Na propriedade dos Brogni são produzidas, anualmente, 70 toneladas de amêndoas. A maior parte é cacau bulk (qualidade padrão), mas entre 10 e 15 toneladas são destinadas ao mercado de chocolate fino, produto que exige nível de fermentação superior a 70%.

O processo de verificação é artesanal e criterioso. Em uma tábua com 100 divisões, as amêndoas são analisadas uma a uma quanto à cor e formação. Se 70 das 100 atingem o padrão, o lote tem 70% de fermentação - quanto mais próximo de 100%, maior a qualidade.

"Para ser uma amêndoa destinada ao chocolate fino, é preciso alcançar um padrão perfeito entre o sensorial e o visual", destaca Robson.

O cuidado já rendeu ao cacau e ao chocolate produzidos pela Ascurra, prêmios importantes, como o segundo lugar no mundial Cacao of Excellence Award, na edição de 2023.  E as premiações motivaram a família a verticalizar a produção.

O que começou em um quartinho com uma máquina que produzia 35 kg de chocolate por mês evoluiu para uma indústria artesanal liderada por Sara, que hoje fabrica mais de 300 kg mensais em mais de 200 produtos diferentes - do chocolate com jambu à cerveja de cacau.

Planta de sub-bosque, o cacaueiro se desenvolve melhor à sombra de outras árvores. Essa característica natural possibilita a recuperação da cobertura florestal enquanto gera renda para os produtores. (Marcio Nagano / Amazônia Vox)

Crédito cooperativo impulsiona a cadeia produtiva

Por trás do crescimento da cacauicultura na região está o apoio financeiro do Sicredi, cooperativa de crédito presente em 76 municípios paraenses, com mais de 98 agências e 296.138 associados no Pará.

A família Brogni financiou duas estufas para secagem de amêndoas, equipamento fundamental para manter a qualidade do produto.

"A nossa missão é facilitar a vida das pessoas, fazer com que se desenvolvam cada dia mais. Elas se desenvolvendo, fortalecem a própria cooperativa, geram mais empregos e contribuem para o desenvolvimento de toda a região", afirma Ildinho Lopes, gerente do Sicredi em Medicilândia.

O apoio da cooperativa também foi fundamental na trajetória de Dari José Ritter. Nascido no Rio Grande do Sul e criado no Paraná, chegou a Medicilândia em 1989.

À época, poucos se interessavam pelo cacau devido aos preços baixos. Hoje, em seus 37 hectares, cultiva mais de 6 mil pés de cacau combinados com açaí, pomar e criação de animais.

"Medicilândia é o foco no mundo da cacauicultura. Aqui até tinha cacau, mas era de qualidade ruim, sem cuidado. Fiz todo o trabalho e hoje já produz de melhor qualidade. Quando olho assim, parece que é toda uma vida trabalhando com cacau, porque envolve a gente, muda a maneira da gente trabalhar e ver a própria terra", declara seu Dari.

Alimento dos deuses na bioeconomia amazônica

A palavra "cacau" tem origem no termo asteca "cacahuatl". O cacaueiro foi batizado cientificamente em 1737 como Theobroma ("alimento dos deuses") pelo botânico sueco Carlos Lineu, referência à sacralidade da planta para os povos mesoamericanos, que a utilizavam em rituais e como moeda.

Estudos indicam que o cacau já era cultivado há cerca de 5.300 anos. Na Transamazônica, a comercialização começou no final dos anos 1970, mas foi entre os anos 1990 e 2000 que os plantios transformaram efetivamente a paisagem.

Essa transformação tem bases científicas sólidas. A pesquisadora Andréa de Melo Valente, em estudo publicado em 2012, já apontava que:

"A utilização de SAFs no cultivo do cacau vem contribuindo para a estabilização da paisagem nas áreas de colonização iniciais, com boa parte das antigas pastagens e áreas de cultivo anual se transformando em florestas secundárias, situação oposta a outros municípios da região onde há o predomínio da pecuária".

Perspectivas de expansão sustentável

Com esse histórico de transformação comprovado, o desafio agora é consolidar e ampliar o modelo. Para Ivaldo Santana, coordenador do Programa de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva da Cacauicultura no Pará (Procacau), a consolidação da cadeia produtiva depende de investimentos estratégicos em assistência técnica, extensão rural de qualidade, indústrias de processamento local e crédito rural com baixa burocracia.

"Hoje, nossa taxa de crescimento é de 6% ao ano e a ideia é ampliar. Para isso, precisamos investir em assistência técnica e extensão rural em quantidade e qualidade, em indústrias que possam processar esse cacau localmente, além de crédito rural oportuno e com baixa burocracia", reflete Santana. 

"Precisamos entender que a cacauicultura é uma das poucas lavouras permanentes que reúne todos os atributos da sustentabilidade: econômico, social e ambiental."

Em estudo publicado em 2012, a pesquisadora Andréa de Melo Valente já apontava que "a utilização de SAFs no cultivo do cacau vem contribuindo para a estabilização da paisagem nas áreas de colonização iniciais, com boa parte das antigas pastagens e áreas de cultivo anual se transformando em florestas secundárias, situação oposta a outros municípios da região onde há o predomínio da pecuária".

Com taxa de crescimento de 6% ao ano, a cacauicultura amazônica demonstra que é possível conciliar desenvolvimento econômico, inclusão social e regeneração ambiental — um modelo que pode inspirar outras regiões a repensar sua relação com a floresta.

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