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Adeus diversidade: Accenture é mais uma a acabar com metas de inclusão

Decisão global, que acompanha realinhamento corporativo pós-eleição nos EUA, pode comprometer programas de representatividade na operação brasileira

Da liderança ao recuo, consultoria redefine política global de diversidade corporativa (Aleksander Kalka/NurPhoto/Getty Images)

Da liderança ao recuo, consultoria redefine política global de diversidade corporativa (Aleksander Kalka/NurPhoto/Getty Images)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Editora ESG

Publicado em 8 de fevereiro de 2025 às 11h10.

Última atualização em 8 de fevereiro de 2025 às 11h26.

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Há cerca de um mês, Beck Bailey, Global Chief Diversity Officer da Accenture, fez uma publicação em seu perfil numa rede social profissional, a respeito do Relatório de Tendências para Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I) em 2025, do Fórum Econômico Mundial.

Na postagem, Beck - um homem transgênero – celebrava o fato de sua empregadora ter se destacado no documento, em função dos compromissos e práticas que resultaram em "um local de trabalho inclusivo e livre de preconceitos, onde liberamos todo o potencial de todo o nosso pessoal, incluindo pessoas LGBTIQ+, para trazer as soluções mais inovadoras e impactantes para nossos clientes".

Faltou alinhar, ao que parece, com Julie Sweet, CEO global da companhia. Em mais um indício de que muitas decisões empresariais têm sido tomadas no calor das tensões entre políticas corporativas de inclusão e o atual cenário político americano, a Accenture, uma das maiores consultorias do mundo com 799 mil funcionários, anunciou na quinta-feira (7) o encerramento de suas metas globais de diversidade e inclusão.

Política global põe inclusão em xeque

A determinação, comunicada globalmente por meio de um memorando interno assinado por Julie Sweet, alinha a consultoria a outras gigantes corporativas como Meta, Google, McDonald's e Target, que também recuaram em seus compromissos de DE&I desde a eleição de Donald Trump.

O extenso documento, enviado a todos os funcionários, detalha a nova estratégia corporativa enfatizando que as mudanças são resultado de uma "avaliação contínua das políticas e práticas internas e do panorama em evolução nos Estados Unidos". E embora revele uma grande reorganização das práticas de diversidade da companhia, diz que serão mantidos os “elementos considerados estratégicos para o negócio”.

"Estamos orgulhosos do que conquistamos na última década ao atrair e reter os melhores talentos do nosso setor, tornando-nos número um em participação de mercado globalmente e alcançando uma taxa de crescimento anual composta de 10%", destaca a executiva no comunicado, evidenciando a conexão entre resultados financeiros e práticas de gestão de pessoas.

Em seguida, explica que o novo direcionamento inclui três mudanças fundamentais: o encerramento das metas globais de representatividade estabelecidas em 2017, a descontinuação dos programas de desenvolvimento de carreira para grupos demográficos específicos - com redirecionamento para iniciativas gerais - e a suspensão temporária de sua participação em pesquisas externas de benchmarking de diversidade, enquanto reavalia seu posicionamento nesses levantamentos setoriais.

"Sempre acreditamos que atrair, contratar e desenvolver pessoas com diferentes origens, perspectivas e experiências são essenciais para impulsionar a inovação e atender empresas globais em múltiplos setores", afirma Sweet, acrescentando que "esta estratégia de talentos tem sido e continua sendo fundamental para nosso objetivo de ser a empresa mais inovadora do nosso setor".

O documento traz ainda números sobre o investimento da companhia em desenvolvimento: "Investimos em aprendizado e desenvolvimento para nosso pessoal (mais de US$ 1 bilhão e 40 milhões de horas de treinamento no ano fiscal de 2024) e para criar experiências significativas para todos", ressalta a CEO.

Entre avanços locais e diretrizes globais

No Brasil, o quadro de funcionários da Accenture reflete tanto avanços quanto desafios persistentes em termos de DE&I. Os dados mais recentes revelam que mulheres representam 45,7% dos profissionais, com presença decrescente conforme se avança na hierarquia: 31,4% nos cargos de nível executivo e 25% nas posições de diretor executivo. A operação local mantém uma política de paridade em novas contratações, com 50% de mix de gênero.

Em termos de diversidade étnico-racial, pretos e pardos constituem 35% do quadro funcional, enquanto a representatividade LGBTQ+ alcança mais de 3.400 pessoas. A composição geracional indica uma predominância de profissionais jovens, com apenas 8% do quadro acima de 50 anos.

No memorando interno, ao qual esta reportagem teve acesso, a líder global enfatiza que a empresa está "evoluindo suas políticas e práticas globalmente, não apenas nos EUA", embora ressalve que as mudanças estarão "sujeitas às leis locais e adaptadas às necessidades dos mercados locais".

De qualquer modo, também entre o novo posicionamento global e as recentes iniciativas locais, o contraste é notável. Há pouco mais de um mês, o presidente da Accenture no Brasil e América Latina, Rodolfo Eschenbach, celebrava os resultados de um programa de contratação às cegas que incorporou jovens da periferia de São Paulo ao quadro da companhia.

Entre os novos funcionário, estavam três mulheres da zona sul paulistana. "Talento é universal, independe de onde nascemos, da etnia, do gênero, da idade, ou de outro fator que, aos olhos do mundo, se transformam em obstáculos", afirma na publicação.

Semanas antes, o executivo brasileiro destacou também a história do funcionário contratado pelo programa Color Brave, iniciativa da Accenture, até então focada em ampliar a representatividade negra, numa jornada que incluía além da contratação, acolhimento e desenvolvimento de talentos pertencentes a este grupo populacional.

Procurada, a Accenture Brasil encaminhou somente o documento de Julie Sweet, mas não esclareceu se as determinações terão efeito imediato nas atividades locais, deixando em aberto o futuro de programas de inclusão como o de contratação às cegas.

Todos são bem-vindos?

A notícia gerou reações nas redes sociais, sobretudo entre ex-funcionários. Um deles observou: “Accenture significa "ênfase no futuro". O símbolo acima do "t" na Accenture é o sinal de maior (<) e foi pensado ali para representar progresso e avanço. Essa mudança das metas de diversidade e inclusão, no entanto, parecem um enorme retrocesso”. No site oficial da organização, a aba dedicada a comunicar as iniciativas de diversidade e inclusão carece, ainda neste sábado (8), de atualização. A página anuncia em letras garrafais: "aqui, todos são bem-vindos". E no portal brasileiro, uma foto de Julie Sweet ilustra uma aspa da CEO, reafirmando os compromissos e como eles são necessários para estimular inovação.

Print do site da Accenture, onde a CEO global, Julie Sweet, aparece reafirmando os compromissos de inclusão e diversidade da companhia. (www.accenture.com/Divulgação)

A decisão da Accenture ganha relevância adicional quando considerado seu papel como formadora de opinião no mercado corporativo global. Com receita anual superior a US$ 60 bilhões e presença em mais de 120 países, as diretrizes da consultoria frequentemente estabelecem tendências seguidas por outras organizações.

A nova postura enfatiza uma abordagem baseada na meritocracia, ecoando a retórica de Trump e de correntes mais conservadoras sobre uma sociedade baseada no mérito, e refletindo um momento de inflexão no ambiente corporativo global.

Enquanto o memorando reafirma o compromisso com um "ambiente de trabalho inclusivo e livre de preconceitos" - mesmo que sem metas específicas ou mecanismos de accountability - empresas buscam equilibrar compromissos de diversidade com pressões políticas e regulatórias divergentes em diferentes jurisdições.

Regulação versus realidade

A ênfase renovada da Accenture na meritocracia - "Somos e sempre fomos uma meritocracia", enfatiza Sweet no comunicado - apresenta um paradoxo interessante. Em 2020, a própria consultoria publicou pesquisas demonstrando como barreiras sistêmicas podem impedir que o talento seja reconhecido e desenvolvido em ambiente corporativo.

A implementação global desta nova diretriz também deve enfrentar desafios específicos em diferentes jurisdições. Na União Europeia, por exemplo, regulamentações específicas sobre equidade de gênero e relatórios de diversidade permanecem em vigor. No Brasil, a Lei 14.611/2023, sancionada em julho último, estabelece a obrigatoriedade da igualdade salarial entre homens e mulheres.

Ainda no contexto brasileiro, onde programas de diversidade têm ganhado força nos últimos anos a despeito das tendências mundiais, a decisão da Accenture pode provocar transformações significativas na operação local. O programa de contratação às cegas celebrado por Eschenbach representa apenas uma das várias iniciativas locais que tendem a ser reavaliadas sob as novas orientações globais.

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