Gilson Rodrigues, presidente do G10 Favelas (Leandro Fonseca/Exame)
Marina Filippe
Publicado em 21 de setembro de 2022 às 11h31.
Última atualização em 21 de setembro de 2022 às 11h32.
De Nova York*
“Minha mãe foi uma mulher simples, surda e muda, com 14 filhos. Eu sou um deles, e quero ocupar espaços, mostrar que muitos como eu podem estar aqui”, disse Gilson Rodrigues, morador de Paraisópolis, em São Paulo, e presidente do G10 Favelas durante um evento no Spring Place, um clube privado de Nova York.
É relembrando suas origens que Gilson busca incentivar novos caminhos para todas as pessoas em favelas no Brasil. Ele, que antes de ser presidente do G10 foi prefeito de Paraisópolis por 10 anos, esteve em movimentos comunitários desde os 14 anos de idade – hoje está com 38 anos. E agora leva a potência das favelas para o mundo.
Em Nova York, Gilson mostra para executivos e empresários do Brasil e de outros país como a favela deve ser referência para os negócios e para organizações, como a partir da gestão da pandemia da covid-19. “O G10 nasce há três anos quando ao invés de procurar por culpados, nos procurar as soluções de maneira apartidária. Ali percebemos que apesar da população estar em bolsões de pobreza, ela movimenta muito dinheiro. Se a gente utilizar essa força de 7.9 bilhões de reais de consumo, há muito mais sucesso nas articulações”, afirma.
Nestes três anos, o G10 saiu de 10 favelas no grupo para 389 em todo o Brasil. A organização acontece por meio de coordenadores de estado, e presidentes de ruas, sendo mais de 600 só em Paraisópolis, e 4.100 no país. “Cada presidente de rua cuida de cerca de 50 famílias. Com os coordenadores há uma reunião mensal, e com os presidentes o contato é diário em meios digitais”, afirma Gilson.
É com esse modelo, que a contenção da covid-19 foi organizada. “Na favela falta água, assitência de saúde e distanciamento social. Mas com a organização das presidências conseguíamos identificar quem mais precisava de auxílio e testagem, por exemplo. Com isto ganhamos prêmios e fomos capas de vários jornais, sendo oito internacionais”, disse.
Na pandemia também foi identificada a necessidade do morador de ter acesso ao crédito. “A pessoa que não tem comprovante de residência e escritura não consegue o crédito”. Assim, a partir de uma rodada de captação de 2,8 milhões de reais, os moradores puderam ter acesso a valores entre 1.000 a 15.000 de reais. Os avalistas são também os presidentes de rua. “Isto gera um comprometimento, porque ele não está falando com um desconhecido num banco. É um compromisso entre vizinhos, e uma inadimplência de quase zero”, afirma Gilson.
Outras iniciativas, entre as cerca de 200, focam em renda e empregabilidade, sendo a mais significativa delas a empresa Favela Brasil Xpress, que faz a última milha para e-commerces e foi fundada por Giva Pereira. “Antes os varejistas bloqueavam o CEP da favela e pessoa tinha que buscar o produto na loja. Hoje a Favela Brasil Xpress entrega para todos, gera 350 empregos e registra 600 milhões de reais em compras”, diz Gilson. Na Black Friday deste ano a expectativa é entregar 200 mil pacotes.
“17 bilhões de pessoas estão nas favelas e consomem todo tipo de produto. Ao mesmo tempo, não se enxergam no comercial. Pensando nisto, também lançamos a Cria Brasil, agência de propaganda para empresas que querem se comunicar com a favela”. Assim, Paraisópolis vai formando profissionais, gerando renda e referência para os mais jovens.
“Por muito tempo minha família dizia que morava no Morumbi para não ter uma abordagem agressiva da polícia, ou ter trabalho negado. A favela diz que mora no bairro rico mais próximo e isso não pode ser assim, é preciso ter orgulho de viver em comunidade”, afirma Gilson Rodrigues.
Esse entendimento veio depois de anos na militância comunitária e desde cedo o interesse em ajudar ao seu redor. Mas o caminho para isto, foi tortuoso. Baiano e filho de uma mulher surda, Gilson foi mal visto por familiares por ser bem articulado. “Minha mãe faleceu cedo, e dos seus 14 filhos eu e mais um permanecemos no seio familiar, enquanto outros foram mandados para várias partes do Brasil. Eles tentaram se desfazer de mim de várias formas porque achavam perigoso ter em casa um menino como eu, que falava bem e era criativo”, afirma.
Enquanto o receio da família era que ele utilizasse suas habilidades para escolher um mal caminho, ele saiu de casa aos 14 anos e passou três dias perambulando próximo ao hospital Albert Einstein. “Decidi voltar e me vingar, mas a minha vingança era estudar e ser considerado gente. Sempre fui bonzinho e queria dar certo”.
Para ele, essa experiência foi determinante na ressignificação de sua história. E contá-la é uma forma de incentivar os outros jovens de periferia a mostrar todo seu potencial. “Temos jovens que estão fazendo suas riquezas nas favelas. Hoje estamos ocupando espaços como este em Nova York, e não queremos ser os únicos, muitos outros devem vir também. Nem todo mundo quer admitir, mas a favela é potência e fazemos parte da soluções do país”.