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A falta de um padrão para orientar os contratos afasta investidores e emissores dos títulos verdes (Adam Gault/Getty Images)
Rodrigo Caetano
Publicado em 10 de setembro de 2020 às 09h59.
Quando a empresa de energia Enel lançou o primeiro título de dívida ligado a metas de sustentabilidade do mundo, em setembro de 2019, ela provocou um debate acalorado no mundo das “finanças verdes”. O chamado SDG bond estabelece um pagamento diferenciado conforme o atingimento de determinados objetivos socioambientais, que valem para a empresa inteira. É uma abordagem diferente do seu “primo” green bond, ancorado em um projeto específico.
A inovação financeira teve defensores e detratores. A lógica é que a Enel irá ganhar um desconto nos juros se ela atingir determinada meta de uso de energia limpa. O dinheiro pode ser usado livremente -- no green bond, os recursos precisam ser destinados à iniciativa proposta. Dessa forma, há um incentivo maior para fazer a transição para a economia de baixo carbono, pois os custos de financiamento, teoricamente, ficam menores. Mas, há quem acredite que esse tipo de solução pode dar margem ao greenwashing, ou seja, quando a empresa finge que mudou e, na verdade, segue as mesmas práticas de sempre.
Na semana passada, a brasileira Suzano, do setor de papel e celulose, se tornou a primeira companhia do País a emitir um SDG bond. A empresa já era adepta dos green bonds e viu no novo padrão uma maneira de se livrar das amarras dos títulos verdes tradicionais, que limitam o uso dos recursos. “A empresa inteira precisa avançar na agenda socioambiental e, atingindo as metas, ganhamos um desconto”, afirma Marcelo Bacci, diretor financeiro da Suzano.
A emissão da Suzano foi apenas a quarta do tipo do mundo. O baixo interesse de grandes empresas para o produto, em grande parte, se deve à falta de critérios para balizar o cumprimento das metas e a concessão do desconto nos juros. Sem um padrão para orientar os contratos, os emissores sentem insegurança.
O que esse debate evidencia, na verdade, é a dificuldade do mercado financeiro em criar um padrão para os indicadores ESG. Não há um conjunto de métricas adotado universalmente e as empresas têm dificuldade em divulgar as informações demandadas pelos investidores.
Para Renata Faber, especialista em ESG da Exame Research, a tendência é que o mercado caminhe cada vez mais em direção aos SDG bonds, como os da Enel e da Suzano. “Faz todo sentido que a análise considere não apenas um projeto, mas a aderência aos princípios ESG de toda a empresa”, diz Faber. A questão é se as empresas e os investidores chegarão a um consenso sobre a maneira de verificar os avanços.
“Em algum momento, teremos um padrão para essas divulgações que podem ser comparáveis, semelhante ao IFRS”, afirma Carlo Pereira, diretor executivo da Rede Brasil do Pacto Global, entidade ligada à ONU que promove os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no setor empresarial. Para tentar “regular” a questão dos SDG bonds, a Associação Internacional de Mercados de Capitais criou um livro de princípios para esse tipo de dívidas. Mas, ainda não foi suficiente para massificar a emissão desses títulos.
Na terça-feira 8, o banco Credit Suisse e a Climate Bond Initiative, que ajuda as empresas a divulgar suas pegadas de carbono, trouxeram à tona um outro aspecto polêmico: o que fazer para financiar a transição de setores intensivos em carbono, como as indústrias petrolífera, cimenteira e siderúrgica. O banco e a organização sem fins lucrativos publicaram um relatório intitulado Financing Credible Transitions, em que apresentam uma estrutura que busca definir o significado da palavra “transição” no contexto do ESG.
A iniciativa aborda um outro tipo de título de dívida, o chamado transition bond. Ele é voltado, justamente, para empresas que atuam em cadeias “sujas” e desejam migrar para a economia de baixo carbono. “Apesar dos mercados de capitais estarem muito focados nos títulos verdes, vemos os transition bonds como um produto revolucionário, que vai expandir o universo de emissores de dívidas que podem iniciar sua transição em direção à sustentabilidade”, afirma Marisa Dews, diretora global de sustentabilidade do Credit Suisse.
Mais uma vez, a preocupação com esse tipo de bond é com o greenwashing, especialmente quando se trata de petroleiras. Porém, essas dúvidas em relação aos padrões são, na verdade, dores do desenvolvimento. “Pode ser um pouco confuso para as empresas”, afirma Pereira, do Pacto Global. “Mas, há dez anos, tínhamos ainda mais dúvidas. Mercado financeiro, governo e a iniciativa privada terão de trabalhar juntos para construir esses padrões definitivos.”