Mulher fazendo mamografia (praetorianphoto/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 29 de outubro de 2022 às 08h01.
O estudo publicado recentemente ‘Panorama da Atenção ao Câncer de Mama’, agrega elementos de clareza ao necessário diálogo sobre os impactos da pandemia na atenção à doença oncológica que mais mata mulheres no Brasil. Antes de nos debruçarmos sobre os dados, convido-o a lembrar-se que os problemas não podem ser resolvidos pela negação de sua existência. Pelo contrário, o primeiro passo para superarmos essa realidade complexa e sistêmica é reconhecer que ela existe, como tem se manifestado nas diferentes regiões do país e, como evoluiu ao longo do tempo, a fim de identificarmos os principais gargalos a serem endereçados.
Por isso, a intenção do estudo, feito com base no levantamento de dados do DATASUS do Ministério da Saúde e do INCA*[1], não é esconder as evidências, mas levá-las à praça pública, gerando análises relevantes com o propósito de inspirar políticas públicas eficazes e soluções. Soluções para que as 66 mil brasileiras que recebem o diagnóstico de câncer de mama por ano encontrem uma rede de apoio em sua jornada de descoberta da doença e tratamento. Saída também para que o grito nas bolhas de desinformação seja substituído pelo diálogo e a desconfiança generalizada pela colaboração.
Mas como encontrar estas brechas de soluções possíveis? Nós acreditamos que tanto na jornada da paciente quanto na implementação de ações e programas assertivos por parte do Estado, clareza é poder.
Para a mulher, a compreensão começa pelo conhecimento dos sinais, fatores de risco e dos direitos que lhe assistem em relação ao câncer de mama. Por isto mesmo o Outubro Rosa é tão importante, especialmente em um ano eleitoral e após um período pandêmico com impactos inegáveis sobre o rastreamento mamográfico, a realização de exames e procedimentos diagnósticos e terapêuticos.
Os dados do Panorama da Atenção ao Câncer de Mama revelam que nos últimos dois anos do período pandêmico, houve uma queda no número de mamografias realizadas, com redução nacional de 40% em 2020 e de 18% em 2021, quando comparado com o ano de 2019 (pré-pandemia). No ano passado, o Brasil registrou a menor taxa de cobertura mamográfica para mulheres entre 50 e 69 anos, atingindo a marca de 17% de alcance, ainda menor que em 2019, quando o percentual era de 23%. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que 70% da população feminina a partir dos 40 anos realize o exame anualmente. No nosso país, a faixa etária rastreada está restrita ao grupo entre 50 e 69 anos. O direito à saúde tem uma dimensão de fruição, mas tem também uma dimensão de responsabilidade, indelegável.
Neste Outubro Rosa o nosso convite a todas as brasileiras é que tirem um tempo para si mesmas e busquem realizar os exames de rastreamento, que saibam e controlem fatores de risco que podem ser controlados, que conheçam a Lei dos 30 dias, a Lei dos 60 dias e que busquem o sistema de saúde conscientes de seus direitos. O conhecimento e a disposição de fazer valer o acesso podem ser a diferença entre um diagnóstico oportuno e um tardio, entre a vida e a morte.
Para os gestores públicos, a clareza contribui, havendo abertura para dar-lhe espaço, em sua capacidade de pautar as políticas públicas a partir de evidências qualificadas, contextualizadas e examinadas à luz das melhores práticas e diretrizes nacionais e internacionais. Parece uma obviedade ressaltar a importância do desenvolvimento de programas e projetos norteadas por evidências. Mas em uma época em que a desconfiança é o sentimento padrão das pessoas, é fundamental especificarmos o que queremos dizer com evidência: pois entre o dado e o indício há a interpretação. Este filtro de interpretação deve ser constituído da verificação das fontes e dos dados, da organização racional, da contextualização lúcida e transparente de informações, deixando emergir o panorama que possibilita ao gestor público tomar decisões assertivas e eficazes na difícil tarefa de gerir recursos sempre limitados diante de demandas e anseios virtualmente ilimitados.
Ora, se a compreensão e a esperança empoderam a paciente em sua jornada de diagnóstico e tratamento, a lucidez na análise de evidências empodera o gestor público criando o melhor antídoto à desconfiança generalizada, a saber, a confiança, esta conquista tão evasiva, mas tão necessária, pois habilita a colaboração, a atuação em rede e a esperança como virtude coletiva.
A clareza no exame dos dados não deveria ofender, seja por quebrarem tabus de invisibilidade, seja por contrariarem narrativas convenientes para fins ideológicos e interesses eleitorais. Pelo menos não deveria ser percebida como ataque pelos profissionais movidos por um empenho legítimo de realização. A clareza, assim como a verdade e o diálogo deveriam nos interpelar e libertar os nossos esforços de conquistas, promovendo a colaboração e a proteção da vida.
¹ Fonte: https://institutoavon.org.br/outubrorosa/pesquisapanorama/. Estudo observacional, transversal, realizado com base em dados secundários abertos do Departamento de Informática do SUS (DATASUS). Foram consolidados dados de cinco bases do Ministério da Saúde: base de Produção Ambulatorial (PA), Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade (APAC) de Quimioterapia e Radioterapia do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA-SUS), Autorizações de Internações Hospitalares (AIH – SUS) do Sistema de Informações Hospitalares (SIH – SUS) e Registro Hospitalar de Câncer, do INCA.
*Daniela Grelin é diretora executiva do Instituto Avon.