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O Brasil contempla a maior floresta tropical do mundo, a Amazônica, essencial para o equilíbrio climático do mundo (Andre Dib/Pulsar)
Repórter de ESG
Publicado em 21 de maio de 2025 às 07h00.
O mundo testemunhou uma destruição sem precedentes de suas florestas primárias tropicais em 2024, impulsionada principalmente por incêndios históricos que se espalharam em uma escala nunca antes registrada.
É o que revelam os dados alarmantes do Global Forest Watch (GFW), do World Resources Institute (WRI), divulgados nesta quarta-feira (21): a perda global deste ecossistema natural aumentou 80% em comparação com o ano anterior, atingindo uma área de 6,7 milhões de hectares -- o equivalente ao território do Panamá e a uma taxa preocupante de 18 campos de futebol devastados por minuto.
Dentro da categoria de 'primárias', se enquadram aquelas florestas intocáveis, geralmente encontradas em regiões tropicais e que apresentam estrutura complexa e alta biodiversidade. No Brasil, a Amazônia abrange a maior do mundo, também dividida entre outros nove países.
Já quando se tratam de todas as florestas do mundo, o salto de redução é ainda maior: 30 milhões de hectares perdidos em 2024. Mais da metade desta vegetação presente em 1/3 da superfície da Terra está concentrada em apenas cinco países: Rússia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e China.
O número recorde apresentado pelo WRI torna ainda mais distante a meta de zerar o desmatamento até 2030 da declaração de Glasgow, firmada por 145 países na COP26. O acordo se comprometia com esforços para conservação, restauração e políticas visando o desenvolvimento sustentável.
Especialistas alertam que as florestas tem um enorme potencial de mitigação das mudanças climáticas e podem capturar mais de 30% do carbono da atmosfera -- funcionando como um grande 'sumidouro' de gases estufa. Além disso, são vitais para a vida de diversas espécies e para o equilíbrio ecológico.
Pela primeira vez desde o início das medições do relatório, os incêndios — e não a agropecuária — foram a principal causa da devastação e representaram quase 50% de todo problema ambiental.
Segundo o WRI, o dado marca uma mudança drástica em relação aos últimos anos, quando os focos de fogo eram de apenas 20%.
Tanto os trópicos como as florestas boreais foram afetados no ano passado. As intensas temporadas de incêndios no Canadá e na Rússia contribuíram para um crescimento de 5% na área de cobertura florestal perdida.
Elizabeth Goldman, co-diretora do Global Forest Watch do WRI, destacou que este nível recorde em 2024 é diferente de tudo que já foi visto em mais de 20 anos de análise.
"É um alerta vermelho global — um chamado coletivo à ação para cada país, empresa e pessoa que se preocupa com um planeta habitável. Nossas economias, comunidades e saúde — nada disso pode sobreviver sem as florestas", disse.
O Brasil voltou a liderar o ranking de devastação, respondendo por 42% de toda a perda de floresta primária tropical no mundo em 2024.
Ao todo, foram perdidos 2,8 milhões de hectares, sendo que 1,8 milhão destes foram devastados pelos incêndios, que bateram um recorde no ano passado e aumentaram 46%. Além disso, dois terços (66%) foram causados por focos de fogo causados pela pior seca já registrada no país.
Em seguida, vem a agricultura em larga escala de soja e gado, o que levou a perda florestal por outras causas aumentarem em 13%.
Já a Amazônia experimentou sua maior redução de cobertura vegetal desde 2016, enquanto o Pantanal liderou como bioma mais atingido.
Para Mariana Oliveira, diretora do Programa de Florestas e Uso da Terra do WRI, o Brasil progrediu no governo Lula, mas a ameaça às florestas ainda persiste.
"Sem investimentos sustentados na prevenção de incêndios, fiscalização mais rigorosa nos estados e foco no uso sustentável da terra, conquistas arduamente conquistadas correm o risco de serem desfeitas", ressaltou.
A executiva também frisou a oportunidade única do Brasil neste ano em que se prepara para sediar a COP30 em Belém do Pará, no sentido de colocar a proteção florestal em primeiro plano no cenário mundial.
O segundo lugar do ranking foi para a Bolívia, onde a perda florestal disparou 200% em 2024, totalizando 1,5 milhão de hectares.
Pela primeira vez, o país ficou nesta posição, atrás apenas do Brasil e ultrapassando a República Democrática do Congo -- mesmo com menos da metade de sua área florestal.
Mais da metade da perda foi devido a incêndios, frequentemente associados ao desmatamento de terras para a produção de soja, gado e cana-de-açúcar e que se intensificaram devido à forte seca.
"O fogo que devastou o país deixou cicatrizes profundas — não apenas na terra, mas nas pessoas que dependem dela. Os danos podem levar séculos para serem desfeitos. Em todos os trópicos, precisamos de sistemas de respostas mais fortes e uma mudança nas políticas públicas, ou o padrão de destruição só vai piorar", explicou Stasiek Czaplicki Cabezas, pesquisador boliviano.
No ano passado, a República Democrática do Congo (RDC) e a República do Congo (ROC) registraram os maiores níveis de perda de floresta primária já vistos.
"A nova dinâmica está fora das estruturas políticas ou capacidades de intervenção atuais e testará severamente nossa capacidade de manter florestas intactas em um clima de aquecimento", alertou o Matt Hansen, professor da Universidade de Maryland e co-diretor do Laboratório de Análise e Descoberta de Terras Globais (GLAD).
Na RDC, a pobreza, a dependência das florestas para alimentação e energia e o conflito contínuo impulsionado por grupos alimentaram a instabilidade e levaram ao aumento do desmatamento.
Em contraste com a tendência global, a Indonésia reduziu a perda de floresta primária em 11%, revertendo um aumento constante entre 2021 e 2023. Os esforços sob o ex-presidente Joko Widodo para restaurar terras e conter incêndios ajudaram a manter as taxas mais baixas, mesmo em meio a secas generalizadas.
Outro destaque positivo foi a Malásia, que registrou uma queda de 13% e pela primeira vez saiu da lista dos 10 países líderes em perda de floresta primária tropical.
Arief Wijaya, Diretor-Geral do WRI Indonésia, disse comemorar o resultado, mas expressou preocupação.
"O desmatamento continua sendo uma preocupação devido às plantações, à agricultura de pequena escala e à mineração — mesmo dentro de áreas protegidas. Esperamos que a atual administração mantenha o ritmo", complementou.
As consequências da perda florestal recorde foram devastadoras tanto para as pessoas quanto para o planeta, apontou o WRI.
Globalmente, os incêndios emitiram 4,1 gigatoneladas de gases de efeito estufa — liberando mais de 4 vezes as emissões de todas as viagens aéreas em 2023.
Além disso, há uma piora na qualidade do ar, sobrecarga do abastecimento de água e ameaças à vida e os meios de subsistência de milhões de pessoas.
"Há um aumento nas emissões, enquanto o clima já está mudando mais rápido do que as florestas podem se adaptar. Essa crise está levando inúmeras espécies à beira da extinção e forçando povos indígenas e comunidades locais a abandonar suas terras ancestrais", destacou Rod Taylor, Diretor de Florestas e Conservação da Natureza do WRI.
Mas o executivo reforça que o cenário não é irreversível e depende da ação de governos, empresas e indivíduos, especialmente neste ano de COP30 em que a Amazônia estará em foco.