Esfera Brasil

Um conteúdo Esfera Brasil

Reforma administrativa: não deixemos passar oportunidade de modernizar o Estado

Aguardando votação na Câmara, PEC propõe alteração que avança na modernização de gestão pública de pessoal, com ganhos de produtividade, flexibilidade orçamentária e redução da insegurança jurídica

 (Iara Morselli/Esfera Brasil/Divulgação)

(Iara Morselli/Esfera Brasil/Divulgação)

Passado o primeiro turno das eleições, no dia 2 de outubro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que pretende colocar em discussão, ainda neste ano, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020, conhecida como reforma administrativa.

São diversos os fatos que suportam o encaminhamento de uma reforma administrativa no país, dando continuidade à agenda de reformas estruturantes resgatada em 2016.

1º - Uma modernização do RH do Estado. A última reforma administrativa foi aprovada em 1998 e, até o momento, não está totalmente regulamentada. Assim, passados quase 25 anos, é preciso uma nova rodada de modernização na gestão de pessoal, com foco em aumentar a eficiência na provisão de serviços à população.

2º - Um maior controle sobre as despesas obrigatórias. Em 2021, segundo dados do Ministério da Economia, os gastos com benefícios previdenciários e as despesas com pessoal ativo responderam por 44,0% e 11,8% da despesa total do governo central, respectivamente. Após a reforma da previdência, uma reforma da política de pessoal se mostrava importante para reduzir a rigidez do orçamento e aumentar a eficiência do serviço público.

Assim, em 15/08/2017, o então Ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Dyogo Oliveira, apresentou uma medida de reestruturação das carreiras do Poder Executivo, muito bem embasada no relatório “A fair adjustment: Efficiency and equity of public spending in Brazil” elaborado pelo Banco Mundial.

Por meio de uma redução do salário inicial e de um aumento na quantidade de níveis de progressão/promoção nas carreiras, ambos mais alinhados com o que se observa no setor privado, a economia acumulada seria de R$ 18,6 bilhões em 5 anos e R$ 154,1 bilhões em 15 anos.

3º - Ganhos de produtividade. Tiago Cavalcanti e Marcelo Santos (2015) estimaram que uma redução do prêmio salarial do setor público de 25% para 13% poderia aumentar o PIB brasileiro entre 6,5% e 16,0% no longo-prazo, elevando, assim, a produtividade do setor.

4º - Timing. De acordo com o Painel Estatístico de Pessoal do governo federal, dos 569.107 servidores ativos em setembro de 2022, 38% tinham 51 anos ou mais, ou seja, devem se aposentar até 2037. Com isso, abre-se uma janela de oportunidades para contratação de novos servidores já de acordo com os parâmetros estipulados pela reforma administrativa.

Com esse pano de fundo, fica claro que o momento é propício para avançar na reforma do RH do Estado. Ressalta-se que diversos juristas acreditam que a mesma poderia ser feita por medidas infraconstitucionais. Porém, o ministro da Economia, Paulo Guedes, preferiu enviar uma PEC para tratar do assunto em 03/09/2020.

Em 24/09/2021, a Comissão Especial da Câmara aprovou o relatório da PEC 32/2020, elaborado pelo deputado Arthur Maia (União Brasil-BA). Com relação à proposta original, houve avanços (veja quadro abaixo), mas há alguns pontos para melhorias.

Pontos positivos do texto aprovado na Comissão Especial:

Leis geraisNormas nacionais para regulamentação de temas centrais na matéria de pessoal, tratando a insegurança jurídica que permeia decisões dos entes subnacionais. Destacam-se leis gerais para estruturação de carreiras e política remuneratória, permitindo um alinhamento do setor público à realidade do setor privado com economias fiscais e ganhos de eficiência, bem como para cargos em comissão e contratação por tempo determinado
Direito adquiridoA reforma vale para os futuros funcionários públicos, não retirando direitos dos funcionários atuais. Além de garantir segurança jurídica, reduzem-se resistências políticas
EstabilidadeMantida para todos os servidores concursados
CargosDefinição de cargos exclusivos de Estado, que não poderão ser objeto de contrato com a iniciativa privada.

Dada a rápida evolução do mercado de trabalho, o substitutivo permite o desligamento de servidores de cargos considerados obsoletos

Contrato temporárioPor processo simplificado pelo prazo máximo de 10 anos, assegurando direitos trabalhistas aos contratados, o que evita a precarização. Com isso, haverá redução da insegurança jurídica para entes subnacionais e aumento da flexibilidade na gestão das contas públicas
Limitação de vantagens a ocupantes de cargos eletivos e membros dos tribunais e conselhos de ContasPor exemplo, férias anuais por mais de 30 dias, adicionais por tempo de serviço, licença-prêmio e progressão ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço
Avaliação de desempenhoPeriódica, obrigatória e com participação de usuários finais. Vale destacar que os resultados serão utilizados para nomeação de cargos em comissão ou de confiança e para a progressão na carreira, implementando-se a meritocracia no RH do Estado, e para permitir o desligamento de servidores com avaliação insatisfatória após decisão proferida por órgão judicial colegiado
Regras de transiçãoPara avaliação de desempenho, tema de temporários e perda de cargo até que a matéria seja regulamentada por leis complementares ou gerais

Entre os pontos para melhoria, passíveis de serem considerados em votação no Plenário da Câmara por destaques ou durante a tramitação no Senado, estão:

  • A PEC deveria abranger todos os Poderes de forma igualitária. A PEC exclui membros do Ministério Público e Judiciário, mantendo-os constitucionalmente protegidos de uma série de novas regras administrativas.
  • Com relação aos cargos exclusivos de Estado, poder-se-ia revisar a ampla lista que os discrimina.
  • O substitutivo aprovado anula parte das normas criadas pela reforma da previdência de 2019 para policiais e agentes penitenciários e socioeducativos e estende a pensão por morte de policiais. Como são temas previdenciários, não deveriam ser tratados em uma reforma do RH do Estado.
  • Transformação da Guarda Municipal, que tem caráter de proteção do patrimônio da ordem pública, em órgão policial. Por se tratar de segurança pública, tampouco é tema que deveria ser incluído em uma reforma administrativa.

O cerne da reforma administrativa é modernizar a gestão de pessoal e melhorar a provisão de serviços públicos prestados à população. A reforma que está em discussão avança substancialmente na modernização do RH do Estado, com espaço para ganhos substanciais de produtividade, flexibilidade orçamentária e redução da insegurança jurídica.

Com alguns pontos passíveis de melhoria em sua tramitação, é uma reforma estruturante que traz inovação, eficiência e meritocracia à gestão de pessoal, sem comprometer o atendimento à população. Assim, merece ser apoiada.

*Economista-chefe e cientista de dados da Grimper Capital.

Mais de Esfera Brasil

Milei visita Trump para consolidar aliança conservadora na América Latina

Reforma administrativa pode ser alternativa para reduzir gastos

Enel sofre ação de R$ 260 milhões devido a falhas no fornecimento após chuva em SP

Congresso deve correr contra o tempo para regulamentar IVA