Quando concluído, o Orion será uma referência na análise de vírus e bactérias de alta periculosidade (Divulgação)
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Publicado em 22 de março de 2025 às 06h00.
O Brasil está prestes a dar um passo inédito na pesquisa de patógenos de alto risco. Em 2027, o País deve inaugurar o Orion, primeiro laboratório de biossegurança NB4 da América Latina, localizado em Campinas (SP). A infraestrutura, que receberá investimentos de cerca de R$ 1 bilhão, faz parte do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e está sob a gestão do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Quando concluído, o Orion será uma referência na análise de vírus e bactérias de alta periculosidade, como o vírus Ebola e o vírus Sabiá, um arenavírus brasileiro que causa febres hemorrágicas graves. Com essa estrutura, o Brasil poderá conduzir pesquisas que até então dependiam de colaborações internacionais.
Confira abaixo a entrevista completa com Antonio José Roque da Silva, diretor-geral do CNPEM:
O Orion será o primeiro laboratório de biossegurança máxima (NB4) da América Latina. O que isso representa para a ciência brasileira e como essa infraestrutura pode impactar nossa capacidade de resposta a futuras crises sanitárias?
O Brasil não tem hoje um laboratório nível de biossegurança 4, embora existam patógenos nesse nível que já causaram mortes no País e em países vizinhos. O surgimento de novas pandemias e epidemias está intrinsecamente relacionado às perturbações ambientais, e o Brasil é identificado como um dos locais de alto risco para o surgimento de novas pandemias. Esse cenário é atribuído à combinação de alguns fatores, como aumento do desmatamento e mudanças climáticas, vasta biodiversidade e desafios socioeconômicos, que criam condições propícias a novas crises sanitárias.
O Orion será o primeiro projeto do mundo a conectar ambientes de máxima biossegurança com linhas de luz de uma fonte síncrotron. Isso trará uma capacidade de análise de pesquisa inédita no mundo, que poderá posicionar o Brasil como líder nas pesquisas em patógenos.
Toda essa infraestrutura deve beneficiar, por exemplo, o desenvolvimento de métodos de diagnóstico, vacinas, tratamentos e estratégias epidemiológicas, fortalecendo, assim, o sistema brasileiro de saúde e estimulando a soberania nacional no enfrentamento de crises sanitárias.
O projeto prevê integração com o acelerador de partículas Sirius. Como essa conexão pode contribuir para as pesquisas sobre patógenos?
As três linhas de luz que partirão do Sirius para integrar o projeto Orion estão sendo planejadas para permitir estudos de materiais biológicos em diferentes escalas. Essas linhas de luz utilizarão raios X para gerar imagens tridimensionais que permitirão desde o estudo celular em escala nanométrica, passando pela dinâmica de inflamação nos tecidos e danos aos órgãos, até o acompanhamento do processo de infecção no organismo como um todo.
Junto às linhas de luz, o complexo contará com técnicas avançadas de biociências e um vasto parque de técnicas de bioimagem, como equipamentos de fluorescência, microscópios de alta resolução, varredura e crio-tomografia eletrônica.
A previsão de entrega inicial do Orion era para 2026. Como está o andamento da construção e quais são os principais desafios para garantir que o cronograma seja cumprido?
No final deste primeiro semestre de 2025, a execução das fundações terá início, incluindo preparação inicial do canteiro de obras. Estamos neste momento no processo de escolha do consórcio que irá executar a obra civil do Orion. Nosso objetivo inicial era, de fato, concluir a obra até o final de 2026. Entretanto, como é uma obra bastante complexa, de uma tecnologia não existente no País, e que envolve diversos atores tanto da área acadêmica quanto da saúde, houve um processo mais longo do que inicialmente previsto para o aprimoramento e otimização do projeto.
Isso é fundamental para garantir a entrega de uma infraestrutura de ponta que irá responder às necessidades do país. Desta forma, ao final de 2026 devemos ter a superestrutura do prédio toda pronta, mas a conclusão final dos laboratórios internos deverá ocorrer somente em 2027. Depois da conclusão das obras civis, acontecem as etapas de comissionamento e certificação para início da operação.
O Brasil hoje não pode estudar patógenos como o vírus Sabiá por falta de uma infraestrutura adequada. Com o Orion, quais outros vírus poderão ser estudados e o que isso representa para a saúde pública?
No País, existe o vírus Sabiá (SABV), patógeno de classe 4 de risco biológico, causador de uma febre hemorrágica grave. Identificado em território brasileiro, as amostras desse vírus estão armazenadas no exterior e não podem ser estudadas no Brasil, devido à ausência de infraestrutura de máxima contenção biológica. Além do vírus Sabiá, há outros arenavírus circulantes na América Latina, como por exemplo o Junín - causador da febre hemorrágica argentina, Guanarito - causador da febre hemorrágica venezuelana e Machupo - causador da febre hemorrágica boliviana.
O Orion surge, portanto, como uma resposta inadiável e arrojada aos eminentes desafios de saúde da atualidade.
O H5N1 tem sido uma preocupação crescente em todo o mundo. O Orion poderá contribuir para o estudo desse vírus e para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e controle?
O vírus H5N1 pertence à classe 3 de risco biológico, sendo possível ser estudado nas instalações do Orion, que contemplarão ambientes de alta biossegurança. Demais vírus da mesma classe do H5N1 também poderão ser pesquisados, como por exemplo SARS- CoV, demais tipos de vírus de Influenza, Rocio vírus, dentre outros.