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O ano foi difícil, o saldo é positivo, mas precisamos perseverar

O controle da inflação, a autonomia do Banco Central, o arcabouço fiscal e a reforma tributária fizeram a diferença neste ano

Além de um PIB maior e da inflação sob controle, outros dados da economia apontam para um cenário animador (Divulgação/Getty Images)

Além de um PIB maior e da inflação sob controle, outros dados da economia apontam para um cenário animador (Divulgação/Getty Images)

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Publicado em 28 de dezembro de 2023 às 08h30.

Por Isaac Sidney* 

Na manhã do dia 2 de janeiro de 2023, o relatório Focus do Banco Central, feito com cerca de 100 instituições do mercado, apontava um cenário pessimista para o ano que começava. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no ano chegaria a apenas 0,8%, e a inflação bateria 5,31% em dezembro, estourando a meta. A taxa Selic, por sua vez, permaneceria estacionada em 13,75%, sem qualquer sinalização de flexibilização no curto prazo por parte da autoridade monetária. 

Onze meses depois, em meados de novembro, o cenário é totalmente diverso. A mesma pesquisa indica que a atividade econômica deverá fechar o ano com um crescimento na faixa de 3%. A inflação, depois de atingir o pico em abril de 2022, com variação acumulada em 12 meses de 12,13%, vem dando sinais consistentes de recuo, devendo fechar o ano em 4,59% — dentro da banda de flutuação. Desde agosto, o BC vem colocando em prática uma estratégia cautelosa, mas consistente, de redução da taxa Selic, que deve fechar o ano em 11,75% e seguir recuando ao longo de 2024 para ficar próxima a 9%. 

Ter um crescimento perto de 3% e inflação no teto da meta era quase impensável em janeiro, que ainda foi marcado por uma invasão criminosa e atentatória à democracia. 

Neste momento, além de um PIB bem melhor e da inflação sob controle, outros dados da economia apontam para um cenário animador. O saldo da balança comercial deve fechar 2023 em nível recorde, acima de US$ 90 bilhões, permitindo um recuo importante no déficit em transações correntes, que deve encerrar o ano em 1,8% do PIB. Esse déficit vem sendo financiado com folga pelo investimento direto, que neste ano deve chegar a 3,2% do PIB. 

Não foi um ano fácil, tampouco tranquilo, particularmente para a economia brasileira, mas os dados mostram um saldo claramente positivo. Desafios e dificuldades não faltaram nem desapareceram, mas aquelas expectativas pessimistas de janeiro se reverteram, embora com caras lições aprendidas. 

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Onde acertamos? O que fizemos de errado? Simplesmente tivemos sorte?  

Definitivamente, não se trata de sorte. Mesmo com vários sinais enviesados, mensagens truncadas, decisões equivocadas, muita tensão e desencontros na política e na economia, fizemos as coisas certas, que marcaram a diferença neste ano. 

Três exemplos sintetizam que, se perseguirmos a racionalidade e a sensatez econômica, podemos mudar o cenário de baixo crescimento, no qual patinamos há décadas. 

O primeiro foi a ação firme do Banco Central (BC) no combate à inflação e a consolidação de sua autonomia no primeiro grande teste com a troca de governo. Apesar das críticas bastante duras feitas pelo novo governo à condução da política monetária, em nenhum momento houve ameaça institucional ou tentativa de mudança na regra do jogo. 

O BC manteve a serenidade, perseverou no seu objetivo de conter a escalada inflacionária e, mesmo diante das fortes pressões, ainda que politicamente legítimas, manteve os juros em patamar elevado, sinalizando rigor técnico na condução da política monetária. Os resultados estão sendo colhidos agora, beneficiando a todos. A inflação recuou de forma expressiva, e as expectativas do mercado estão se reancorando. 

O segundo fator é a construção do arcabouço fiscal, com atuação firme do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Era essencial para estabilização do cenário macroeconômico a existência de uma regra que substituísse o teto de gastos e que apontasse para o equilíbrio das contas e da relação dívida/PIB. Por outro lado, as pressões sociais e políticas iam justamente na direção contrária: expansão do gasto público para compreensivelmente atacar as desigualdades sociais. 

A equipe da Fazenda foi muito feliz em se equilibrar entre essas duas forças e conseguiu colocar em pé o novo arcabouço fiscal, fundamental para estabilizar as expectativas e criar as condições para o início do processo de queda da Selic. 

O terceiro destaque é que, mesmo diante das dificuldades de curto prazo, o novo governo não abandonou a agenda de reformas estruturais. Ao longo de 2023, tivemos a aprovação do novo Marco Legal das Garantias e da reforma tributária sobre o consumo, que deu passos inéditos, apontando uma mudança na perspectiva da economia. 

Não surpreende, portanto, que estejamos colhendo bons resultados e sejamos hoje um dos destinos preferidos do capital estrangeiro, em especial entre os países emergentes. Ainda há muito a ser feito, e nossa história mostra que as expectativas positivas podem ser facilmente revertidas em negativas. O jogo está apenas no início, mas estamos jogando — e o importante é não pegarmos a bola com a mão ou fazermos dribles no dever de casa. 

Por enquanto, as perspectivas para 2024 são positivas, mas devem ser temperadas com cautela. É fundamental perseverar no rumo traçado, especialmente com muita disciplina fiscal. Vimos que isso funciona e beneficia toda a sociedade. Temos de cuidar para evitar retrocessos, e cumprir a meta fiscal será essencial. O arcabouço serviu até aqui, mas, se não houver renovação de sinalização positiva por parte do governo, corremos o risco de ver o nosso trem descarrilar ao longo de 2024. Não podemos permitir que isso aconteça. 

*Assumiu, em maio de 2019, a vice-presidência executiva da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e, desde março de 2020, responde como presidente 

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