Na última quinta-feira, 30, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou o novo arcabouço fiscal, cumprindo o compromisso de anunciá-lo em março. A lei complementar com seus detalhes será enviada ao Congresso nos próximos dias e, quando aprovada e sancionada, revogará o teto de gastos.
Os principais pontos da proposta são:
- Metas para o resultado primário
Com uma banda de 0,25 pontos percentuais (p.p.) para mais ou para menos, a proposta estabelece metas para o resultado primário de 0,0% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024, 0,5% do PIB em 2025 e 1,0% PIB em 2026.
- Limitação do crescimento do gasto público
Vincula o crescimento real das despesas a 70% do crescimento real das receitas acumulado nos 12 meses anteriores a julho, com crescimentos mínimo (0,6% ao ano [a.a.], um piso) e máximo (2,5% a.a., um teto).
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Se o limite superior para a meta do resultado primário for ultrapassado, o excedente arrecadado será utilizado em investimentos. Já se o limite inferior não for atingido, as despesas poderão crescer apenas 50% do aumento das receitas.
Por terem previsão constitucional, as despesas com o Fundo da Educação Básica (Fundeb) e o piso da enfermagem ficaram fora da nova âncora fiscal.
A proposta tem diversos pontos positivos:
- Exceções bem delimitadas, sendo apenas as previstas constitucionalmente;
- Geração de superávits primários já a partir de 2025, ainda que desafiadora na sua implementação por depender de aumentos de arrecadação e da materialização de premissas otimistas para o crescimento;
- Adoção da receita realizada em 12 meses até julho para a determinação do crescimento das despesas. Com isso, evitam-se os problemas do período anterior ao teto de gastos em que as receitas eram superestimadas e, na execução do Orçamento, o governo recorria a contingenciamentos substanciais para cumprir com a meta de resultado primário;
- Mecanismos de incentivo em caso de o resultado primário ficar acima ou abaixo dos limites impostos para a banda;
- A trajetória para a dívida pública, ainda que altista, não é explosiva;
- A proposta atende às críticas de segmentos políticos que, nos últimos dois anos, buscavam um aumento real dos gastos públicos, dada a forte recuperação das receitas no pós-pandemia. Como o teto de gastos impedia tal crescimento, implementaram-se “furos” no teto por meio de processos legislativos que geraram incertezas, levando a uma forte volatilidade nos preços dos ativos. Ao propor um crescimento real das despesas de 0,6% a.a. a 2,5% a.a., abaixo das médias de 8,3% a.a. em 2007-2010 e 4,6% a.a. em 2011-2015, o governo deve encontrar um ambiente favorável para a tramitação da regra no Congresso.
Porém, há três pontos de atenção que merecem destaque:
- O ajuste fiscal gradual das contas públicas recai totalmente sobre a arrecadação. A carga tributária, definida como a arrecadação total de impostos em proporção ao PIB, terá de aumentar, mesmo sem a criação de novos impostos ou sem aumentos das alíquotas dos impostos existentes. Portanto, é um ajuste cujo sucesso depende de um forte crescimento da arrecadação, incentivando o governo a procurar receitas extraordinárias. Haddad apontou que buscará a extinção de regimes especiais e de isenções para aumentar a arrecadação em até R$ 150 bilhões, sem indicações da aprovação de reformas, como a administrativa e a dos benefícios sociais, que teriam alto potencial de melhorar a trajetória das contas públicas e a eficiência da economia;
- Como o crescimento das despesas é função do crescimento das receitas, há o risco de receitas extraordinárias serem utilizadas para financiar aumentos de gastos permanentes;
- Em caso de queda real na arrecadação, comum em períodos recessivos, a potência de uma eventual alta de impostos seria reduzida pela referida ciclicidade.
Há desafios importantes para a entrega dos resultados primários explicitados na proposta e, consequentemente, para os ganhos de credibilidade da nova regra fiscal em sua implementação ao longo do tempo. No curto prazo, as percepções sobre a regra poderão ser auferidas pelo comportamento das expectativas de inflação, que são a chave para uma resposta futura da política monetária. É um bom começo, que considera a realidade política nacional, ainda que repleto de desafios.
*Mariam Dayoub é economista-chefe e cientista de Dados na Grimper Capital.