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Incluir os excluídos nos indicadores educacionais

Lei que regulamenta novo Fundeb não prevê monitoramento da permanência na escola

Direito à educação no Brasil deve ser desdobrado também no direito de frequentar uma escola e ao aprendizado. (divulgação/Getty Images)

Direito à educação no Brasil deve ser desdobrado também no direito de frequentar uma escola e ao aprendizado. (divulgação/Getty Images)

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Publicado em 19 de maio de 2023 às 08h30.

Por José Francisco Soares*

O direito à educação deve ser desdobrado no direito de frequentar uma escola e no direito ao aprendizado. Afinal, é na escola que as crianças e jovens desenvolvem os aprendizados essenciais para sua inserção plena na sociedade. Monitorar esse direito consiste em avaliar o aprendizado que, no Brasil, é viabilizado com os dados obtidos com os testes do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).

Importantes avanços recentes tornaram o monitoramento da presença do estudante na escola viável e simples. Desde 2007, o Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais Anísio Teixeira (Inep) organiza um banco de dados censitários e longitudinais com informações individualizadas sobre matrículas, rendimento e fluxo escolar. Todos os indivíduos que se matricularam em qualquer escola no Brasil têm um registro permanente nesse banco de dados, mesmo que tenham evadido ou se matriculado em época diferente da data legalmente estabelecida. Esse painel cobre praticamente a totalidade da população dos indivíduos nascidos a partir de 2000. Um estudo realizado por demógrafos do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) evidenciou diferenças muito pequenas entre o número de crianças nos municípios brasileiros medidas pelas projeções demográficas e os valores obtidos com os dados do painel do Inep.

A descrição da situação escolar de todos os estudantes brasileiros de educação básica em cada ano-calendário pode, então, ser adequadamente descrita com os dados desse painel longitudinal. Em recentes artigos, pesquisadores educacionais tomaram a regularidade da trajetória do estudante como indicador da garantia do seu direito à escola. Nesses estudos, fixou-se que o direito à escola só está plenamente atendido para os estudantes com trajetória escolar regular: eles se matricularam na idade legal, foram promovidos para o ano escolar posterior em todos os anos-calendário e, finalmente, completaram, na idade correta, as etapas em que a educação básica está dividida. Os estudantes com trajetórias com pouca irregularidade, com muita irregularidade ou trajetórias interrompidas não tiveram seu direito garantido ou garantido apenas parcialmente.

Além disso, constatou-se que, nas coortes de nascimento cujos estudantes já terminaram o Ensino Fundamental, somente em torno de 50% dos estudantes têm trajetória regular. Isso mostra, pelo lado do sistema, um enorme desperdício de recursos. Terminar o Ensino Médio com trajetória regular é ainda mais difícil: apenas 40% dos estudantes de uma coorte completam o Ensino Médio com trajetória regular.

A porcentagem de estudantes de uma coorte de nascimentos com trajetória regular é um indicador potente para monitorar o direito à escola dos estudantes em um município, por se tratar de uma métrica simples, de fácil interpretação pedagógica e social, além de auditável. Ainda mais importante é o fato de essa métrica considerar todos os estudantes de cada território. Afinal, o direito é para todos, não apenas para alguns.

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A outra dimensão do direito — o aprendizado — só pode ser monitorada pelos resultados dos testes do Saeb em matemática e leitura. É uma expressão restrita do direito ao aprendizado, ainda que considere aprendizados essenciais.

Se apenas a média dos desempenhos dos estudantes fosse usada como indicador da qualidade do ensino, ficaria aberta a possibilidade das escolas e redes de ensino usarem a reprovação como estratégia de melhoria de seu indicador de qualidade. Assim sendo, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), indicador síntese da qualidade do ensino, foi definido como o produto das médias padronizadas no Saeb pela média das taxas de aprovação nos diferentes anos escolares oferecidos na escola. Ou seja, maiores valores dessas taxas diminuem o valor do indicador.

No entanto, tanto o Saeb quanto as taxas de aprovação consideram apenas os estudantes matriculados em uma escola em um determinado ano-calendário. Os estudantes que estão fora da escola e que, portanto, mais precisam da efetividade do sistema de ensino, não impactam o indicador usado para seu monitoramento. O uso da proporção de estudantes com trajetória regular em um território pode mitigar essa limitação, fato que deveria ser considerado na revisão do indicador a ser feita neste ano.

Há, entretanto, grandes desigualdades entre os estudantes, quando agregados por grupos sociais, seja na proporção de trajetória regular, seja no desempenho do Saeb.

Para superá-las, a Lei n˚ 14.113/2020, que regulamenta o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), prevê que parte da distribuição de recursos para a educação às redes considere a evolução de indicadores a serem definidos, de atendimento e de melhoria da aprendizagem com redução das desigualdades. Contudo, não há, explicitamente, a previsão de monitoramento da permanência na escola nessa norma. Essa imperfeição poderia ser evitada se as discussões prévias tivessem incluído, como sugere Amartya Sen, tanto os que serão atingidos pela decisão quanto os que têm algo a dizer. Com consequência mais séria, a metodologia para a distribuição dessa parte dos recursos do Fundeb, divulgada por portaria ministerial no fim de 2022, usa apenas dados dos estudantes matriculados, repetindo e acirrando a exclusão dos que estão fora da escola.

Quando o Ideb foi criado, logo se percebeu que a diminuição da repetência produzia efeitos imediatos na melhoria do indicador. Confirmando a Lei de Campbell, surgiram, infelizmente, esquemas para garantir taxas de aprovação mais altas sem melhoria correspondente no atendimento dos estudantes. O mesmo pode acontecer com a norma criada para a superação da desigualdade. Logo se perceberá que para ter bons indicadores de desigualdade basta selecionar, para fazer os testes, entre os negros e pobres, apenas os que podem ter melhor resultado. Esses poucos estarão mais próximos dos brancos e dos estudantes com nível socioeconômico mais alto e, assim sendo, as medidas desaparecerão, apesar do nosso sistema educacional continuar excludente.

A questão dos estudantes fora da escola é séria demais para ficar afundada em um mar de fórmulas como as colocadas na portaria. Precisa vir para o debate público.

*Ex-presidente do Inep e membro do Conselho Nacional de Educação, no qual foi um dos relatores da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). É professor emérito da UFMG

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