Curtailment é o nome dado ao mecanismo que interrompe momentaneamente a geração de energia para evitar a sobrecarga do sistema elétrico nacional (Ueslei Marcelino/Reuters)
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Publicado em 22 de outubro de 2025 às 23h51.
Mesmo com medidas emergenciais para conter os impactos dos cortes de geração no sistema elétrico — o curtailment —, o setor segue pressionado por imprevisibilidade regulatória e aumento expressivo de custos tanto para empresas geradoras quanto para o consumidor final.
A avaliação é de Vanderlei Martins, professor de planejamento energético da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que reconhece a mitigação parcial, mas alerta que ainda falta uma resposta estrutural. “As resoluções recentes são paliativas, mas mostram avanços.” Segundo ele, o que preocupa o setor é a regulamentação da Medida Provisória 1.304/2025, que “pode estabelecer novos arranjos na dinâmica setorial” — e precisa garantir equilíbrio, especialmente para que não haja repasse hereditário de custos aos consumidores mais vulneráveis.
“O que não pode acontecer, repentinamente, é uma alocação massiva da compensação financeira em todos os consumidores brasileiros, principalmente os mais vulneráveis, e essas geradoras renováveis precisam ter consciência disso.”
Curtailment é o nome dado ao mecanismo que interrompe momentaneamente a geração de energia para evitar a sobrecarga do sistema elétrico nacional. A medida tomada pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) é necessária para equilibrar a oferta e a demanda, uma vez que a capacidade de geração de energia é superior à capacidade de escoamento da rede de distribuição para o consumidor final.
O assunto tem sido motivo de preocupação de players do mercado. Investimentos feitos no passado com a proposta de aumentar a capacidade de geração e diversificação da matriz energética não foram acompanhados de planos para a ampliação da infraestrutura da rede de transmissão. Esse conjunto resultou em um desequilíbrio no sistema que atualmente representa perdas milionárias às empresas de geração de energia. Ao longo deste ano, a modalidade que mais sofreu cortes de geração foi a hidrelétrica.
No curtíssimo prazo, o especialista aponta como necessárias ações de maior impacto, como “o uso mais intenso de resposta da demanda nas janelas críticas; despacho e reprogramação mais finos pelo ONS com critérios transparentes de corte; adoção de soluções operativas como controle reativo, limites dinâmicos de linha e manobras para aliviar gargalos; e encerrar subsídios que contribuem para o aumento do corte de geração e a sobrecarga do SIN [Sistema Interligado Nacional].”
Já numa janela de até 12 meses, destaca a urgência do leilão de capacidade com baterias e a hibridização obrigatória de fontes em áreas congestionadas. “Quanto maior a descentralização da geração e recursos energéticos distribuídos, há a necessidade de criar a figura do DSO na operação do sistema.”
A principal fonte de tensão hoje está justamente nas divergências entre agentes sobre a responsabilidade pelos custos dos cortes. Entre os impasses, Vanderlei lista: “quem paga o ‘passivo’ do curtailment por razão energética (sem falha de rede) e como ratear cortes entre fontes; como tratar a assimetria: usinas centralizadas cortam enquanto a MMGD segue inalterada; liminares para compensação e sua previsibilidade contratual; fila/ordem de cortes”.
Na avaliação do professor, o alívio consistente só deve ser percebido em dois a quatro anos, após a entrada efetiva de reforços de transmissão e soluções de flexibilidade. Mas ele ressalta que isso dependerá da coordenação política e técnica entre ONS, Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Empresa de Pesquisa Energética (EPE). “Pode-se dizer que houve mitigação parcial, mas ainda falta uma resposta estrutural, por meio de um plano integrado.”