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A política monetária em 2023 e perguntas para 2024

Condução da política monetária em 2024 dependerá do encaminhamento de incertezas que têm impedido a convergência das expectativas de inflação para a meta

Controle da inflação e o crescimento econômico foram boas surpresas em 2023, segundo economista (Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Controle da inflação e o crescimento econômico foram boas surpresas em 2023, segundo economista (Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

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Publicado em 4 de janeiro de 2024 às 09h44.

Por Mariam Dayoub* 

O ano de 2023 nos brindou com ao menos duas surpresas econômicas. 

A primeira foi a inflação. No final de 2022, a mediana das expectativas da Pesquisa Focus do Banco Central (BC) para a inflação em 2023 era de 5,3%, superando os 6% entre abril e maio deste ano. Ao longo de 2023, com a normalização das cadeias de produção e dos padrões de consumo das famílias e com uma supersafra, houve forte desinflação nos preços de bens industriais e alimentos. Com isso, a inflação deverá fechar o ano abaixo dos 4,75%, o teto da banda para a meta.  

Os dados recentes para os núcleos de inflação e para a inflação de serviços são compatíveis com uma inflação de 3% em 2024, o centro da meta, indicando a consolidação do processo de controle inflacionário no Brasil

A segunda foi o crescimento econômico, que superou as expectativas dos analistas pelo quarto ano consecutivo. No final de 2022, a mediana da Pesquisa Focus para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023 estava em 0,8%, mas, com a supersafra e o impulso fiscal, ele ficará próximo a 3%. 

BC, com autonomia formal — uma conquista da sociedade brasileira —, e sob a liderança do presidente Roberto Campos Neto, atuou de forma exemplar. Acertou na interpretação de que a inflação não era transitória e, olhando para as expectativas de inflação e os preços de mercado, reagiu rápida e tempestivamente ao choque inflacionário. Isso resguardou sua credibilidade e trouxe ganhos reputacionais à instituição, uma das primeiras no mundo a iniciar o ciclo de corte de juros. 

O caminho percorrido pelo BC em 2023 não foi sem percalços. Uma das incertezas que turvaram seu processo decisório foi a discussão sobre a meta de inflação. Foi um tema difícil, mas que terminou bem, com a manutenção da meta para 2024 e a introdução da meta contínua em 3% a partir de 2025. Com isso, a instituição teve segurança para iniciar o ciclo de afrouxamento monetário em agosto, adotando uma comunicação capaz de ancorar as expectativas dos operadores do mercado de juros.

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Para 2024, o BC terá de lidar com desafios em três frentes. A primeira é a desancoragem das expectativas para os anos de 2025 a 2027, cuja mediana da Pesquisa Focus permanece em 3,5% desde 17 de julho deste ano. De acordo com o Relatório Trimestral de Inflação do BC de junho, essa desancoragem reflete a questão fiscal doméstica e as expectativas de inflação mais elevadas para os Estados Unidos. Seu custo é uma política monetária mais contracionista vis-à-vis um ambiente com expectativas ancoradas na meta de 3%. 

A segunda é o encaminhamento da política fiscal, que entra como input nos modelos do BC. As incertezas geradas pela discussão sobre a persecução fiscal e a credibilidade da meta deliberada no novo arcabouço impactam as decisões de política monetária via prêmios de risco, demanda agregada e, consequentemente, expectativas de inflação. 

Por fim, a terceira, que é o ambiente externo, qualificado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) como “adverso” em sua reunião de novembro. Os desafios são econômicos (incertezas sobre a trajetória da inflação e a condução da política monetária nos países desenvolvidos), geopolíticos (com impactos no preço do petróleo) e financeiros (as consequências da alta nas taxas de juros longos americanos). Nesse ambiente complexo e com a perspectiva de juros altos por um período prolongado nos EUA — impactando os termos de troca, a liquidez global e a realocação de portfólios —, os bancos centrais emergentes deverão proceder com cautela.  

Com isso, enquanto o Copom sinaliza cortes de 0,5% na taxa Selic nas próximas reuniões, surgem duas perguntas: 

  1. o ritmo de cortes da Selic em 2024 se manterá em 0,5% por reunião ou o BC terá de atuar de forma mais ponderada? 
  2. qual será a taxa Selic terminal, sabendo-se que o mercado de juros a precifica em 10,25%, enquanto a mediana da Pesquisa Focus está em 9,25%? 

As respostas serão conhecidas ao longo de 2024 e dependerão da evolução das incertezas supracitadas e de seus impactos sobre os prêmios de risco e as expectativas de inflação no Brasil, uma vez que é de conhecimento geral o comprometimento da autoridade monetária com seu mandato legal. 

 

*CFA charterholder e mestre em Administração Pública pela Universidade Columbia 

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