Economia

A lição do Zimbábue para a Venezuela: é difícil recuperar um país falido

Após Mugabe ser deposto, esperança aflorou com o novo líder, Emmerson Mnangagwa; mas após quinze meses de governo, economia tem pior situação desde 2008

Vendedor de ruas com bandeiras do Zimbábue em Harare em julho de 2018 (Waldo Swiegers/Bloomberg)

Vendedor de ruas com bandeiras do Zimbábue em Harare em julho de 2018 (Waldo Swiegers/Bloomberg)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 9 de fevereiro de 2019 às 08h00.

Última atualização em 9 de fevereiro de 2019 às 08h00.

Simukai Tabvura não conhecia nada além do governo do autoritário Robert Mugabe no Zimbábue até sua derrubada, há pouco mais de um ano. Para a vendedora de roupas usadas, a promessa de mudança após quase quatro décadas de reinado de Mugabe já desapareceu há tempos.

“É como nunca tivesse existido um ano em que fosse possível falar com liberdade”, disse Tabvura, 41, sentada em um banquinho artesanal de madeira em sua barraca de roupas de segunda mão, em uma calçada rachada da capital Harare. “Em um dia podíamos apoiar quem queríamos, no outro eles voltaram como antes, com armas, chicotes e cassetetes.”

A amarga realidade da transição política do Zimbábue oferece lições para países como a Venezuela, onde Nicolás Maduro se aferra ao poder diante de grandes protestos e do colapso da economia.

Mas se você acha que é fácil recuperar um estado destruído após décadas de reinado de um líder brutal, o Zimbábue mostra que não é bem assim.

“Eles dizem uma coisa, falam de liberdade e de abertura, permitem que isso aconteça por um tempo e logo, sem aviso, voltam às antigas táticas que sempre usaram”, disse Tabvura.

Promessas vazias

Quando Mugabe foi deposto pelos militares, no fim de 2017, os cidadãos tomaram as ruas para comemorar. Mas as promessas de recuperação econômica e liberdade política feitas pelo novo líder, Emmerson Mnangagwa, não deram em nada.

Passados quinze meses de governo, a economia está na pior situação desde 2008. Os preços dos combustíveis são os mais altos do mundo, os produtos básicos, como pão, são escassos, e Mnangagwa comanda a mais brutal repressão aos protestos urbanos desde a independência, em 1980.

Emmerson Mnangagwa, presidente do Zimbábue, em entrevista em Harare em janeiro de 2018

Emmerson Mnangagwa, presidente do Zimbábue, em entrevista em Harare em janeiro de 2018 (Waldo Swiegers/Bloomberg)

Mugabe, agora com 95 anos e mal de saúde, deixou como legado uma economia disfuncional e um partido governante em guerra consigo mesmo.

Tudo poderia ter sido muito diferente. Quando Mugabe, o professor que liderou um exército de guerrilheiros na década de 1970, discursou depois de vencer as eleições na independência, ele pregou a reconciliação com a minoria branca que havia governado o país desde 1896.

Ele assumiu um país onde, assim como na Venezuela, não faltam recursos naturais. O Zimbábue produziu excedentes de grãos, o tabaco tem uma qualidade comparável ao que é produzido na Virgínia e o país tinha o segundo maior setor industrial da África e redes rodoviária e ferroviária funcionais, uma raridade no continente.

Se a Venezuela ostentava petróleo, o potencial do Zimbábue era impulsionado pelas reservas de platina e cromo, menores apenas que as da África do Sul, e por uma série de outros depósitos de metais e minerais.

Assim como na Venezuela, a situação cada vez mais desesperadora está aumentando os distúrbios -- nesta terça-feira, os professores entraram em greve após uma ação setorial anterior dos médicos do Estado -- e apresenta alternativas difíceis ao governo.

Mnangagwa pode eliminar os oponentes do governo e arriscar um golpe ou pode manter o status quo e enfrentar mais protestos e o aprofundamento de uma crise econômica.

Após 25 anos de turbulência, “os problemas do Zimbábue são sistêmicos e de longo prazo”, disse Aditi Lalbahadur, pesquisadora do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais. “A preocupação mais urgente do Zimbábue é a economia, mas ela está entrelaçada com a política.”

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