José Serra: ao analisar o comércio mundial, o ministro afirmou que um efeito do brexit poderá ser o fortalecimento do protecionismo, insuflado por movimentos nacionalistas (Ueslei Marcelino / Reuters)
Da Redação
Publicado em 15 de julho de 2016 às 12h50.
Brasília - De olho no comércio internacional, no qual o Brasil é ainda uma força muito pequena, o ministro das Relações Exteriores, José Serra, disse que uma maior valorização do real pode afetar a competitividade brasileira, e reiterou que pretende perseguir novos acordos comerciais, inclusive com os países da Aliança do Pacífico e com os Estados Unidos.
Senador e candidato à Presidência por duas vezes pelo PSDB, Serra concordou em assumir a política externa do presidente interino de Michel Temer com a condição de levar consigo boa parte da ação de comércio exterior do governo.
É nessa área que tem centrado seus esforços, conseguindo até mesmo convencer Temer de fazer sua primeira viagem internacional à China, maior parceiro comercial do Brasil, no início de setembro.
Em entrevista à Reuters, que incluiu também respostas por escrito a questões enviadas previamente, Serra disse esperar que a taxa de câmbio se mantenha “competitiva para a economia brasileira” e acreditar que a tendência seja essa, mas se recusou a dar o valor que considera ideal.
Em resposta por escrito, disse esperar que a apreciação do real, de mais de 30 por cento desde meados de janeiro, “fique por aí”.
“Realmente, seria muito ruim se o real se valorizasse excessivamente, pois os níveis atuais apenas compensaram a sobrevalorização que vimos em um período relativamente recente”, afirmou.
Ao analisar o comércio mundial, o ministro afirmou que um efeito da saída do Reino Unido da União Europeia poderá ser, no curto prazo, o fortalecimento do protecionismo na região, insuflado por movimentos nacionalistas.
Mas diz que o Brasil não pode se deixar envolver pela ideia do desaquecimento do comércio global, já que tem hoje participação muito pequena no comércio internacional, de pouco mais de 1 por cento. “É uma armadilha você dizer ‘não vai dar’”, afirmou.
Mercosul, OMC e acordos
Um crítico do formato do Mercosul, em que sempre defendeu ser necessário consolidar primeiro a zona de livre comércio antes de chegar a uma união aduaneira, o ministro diz que não há como mudar isso agora, mas é preciso “dinamizar o bloco”, e defende que os membros possam buscar acordos comercias em ritmos diferentes.
“Tem uma realidade criada. O que temos de fazer agora é multiplicar as possibilidades de acordos bilaterais do próprio bloco com terceiros. E ter uma agilidade grande nesse sentido. Não necessariamente todos participarem das negociações desde o começo, mas aderirem a elas durante o andamento”, afirmou.
Serra defende ainda que nenhum acordo comercial está fora da mesa, inclusive com os países da Aliança do Pacífico –Chile, Peru, Colômbia e México– e com os Estados Unidos, algo cobrado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
“Não descartamos nada, estamos atrás de cada um deles. Não é só comércio. Uma questão fundamental com os Estados Unidos é exatamente o que tem a ver com investimento, barreiras não comerciais.
O entendimento com os Estados Unidos tende a ir mais por aí do que em matéria de tarifas. Mas temos todo o interesse sim”, afirmou.
Serra critica o multilateralismo adotado pelos governos petistas, que centraram na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) suas esperanças de liberalização.
O ministro defende que a OMC se concentre no campo da resolução de controvérsias e no trabalho para reduzir os subsídios mundiais, especialmente na área agrícola.
"O governo Lula usou o multilateralismo como pretexto para sua inércia comercial, que foi fenomenal. Um dos pretextos é que defendia multilateralismo”, criticou.
“Na OMC nosso interesse é defender que seja um campo de solução de controvérsias, coisa que hoje alguns países desenvolvidos estão crescentemente mais arredios, como é o caso dos Estados Unidos”, afirmou.
Ideologias
Primeiro chanceler não diplomata desde Celso Lafer, entre 2001 e 2003, Serra foi bem recebido pelos diplomatas, que viram na figura de um político bem relacionado a possibilidade de tirar o Itamaraty do ostracismo que viveu sob o comando da presidente afastada Dilma Rousseff.
Seu discurso contrário a “ideologias”, feito na posse, agradou a setores que viam uma excessiva condescendência do Brasil com os países “bolivarianos” da região.
Dois meses depois, há críticas de que foi feita a troca de uma ideologia por outra, conforme relataram à Reuters fontes diplomáticas.
Serra nega. Diz que não há ideologia e nem uma opção por abandonar a diplomacia sul-sul, adotada desde o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, mas a intenção de “corrigir erros”.
“A tendência não é outra. A tendência é comércio sul-sul, sul-norte, leste-oeste. Porque o Brasil é um país continental, tem uma economia continental. Temos que ter relações com o mundo inteiro e aproveitar o comércio com todas as partes”, disse.
Chama de “blá-blá-blá” e “populismo mundial” a política externa dos governos petistas e afirma que foi criada para que “os militantes petistas tradicionais se sentissem confortáveis”. “É uma boa narrativa, mas uma falsa história”, afirmou.
Venezuela
Serra não mede palavras ao falar da Venezuela, reafirmando que o país não pode ser considerado uma democracia plena, já que mantém presos políticos, declaração que tem repetido.
“A Venezuela tem questões mais profundas. Realmente, é um país em que não há democracia plena. Quando você tem presos políticos, você não tem um regime democrático funcionando a contento”, disse.
Associado ao Paraguai e a Argentina, o governo brasileiro tem trabalhado para evitar a passagem da presidência pro-tempore do bloco a Venezuela, o que deveria acontecer este mês.
Atualmente no posto, o governo uruguaio é o único que defende a transmissão.
“Imaginar a Venezuela dirigindo o Mercosul às vezes dá arrepios em face dos desafios que o próprio Mercosul tem pela frente", acrescentou.
Na semana passada, em reunião de chanceleres em Montevidéu, a solução encontrada foi a de que a Venezuela deveria cumprir a adoção de todas as regras do Mercosul até 12 de agosto, quando se completa o prazo de adequação de quatro anos --o que é virtualmente impossível de acontecer, já que o país ainda não se adequou a 45 por cento das normas.
“Se a Venezuela não tiver cumprido com os pré-requisitos todos, não assumiria. Caberia à Argentina. De toda maneira é um prazo para que se possa debater respeitando a posição do Uruguai”, disse.