Economia

Vale a pena furar o teto de gastos em meio à crise do Coronavírus?

Aumenta a pressão para que a lei seja afrouxada diante de um novo e forte apelo

Economia brasileira (Cunaplus_M.Faba/Getty Images)

Economia brasileira (Cunaplus_M.Faba/Getty Images)

Ligia Tuon

Ligia Tuon

Publicado em 16 de março de 2020 às 14h38.

Última atualização em 22 de março de 2020 às 13h00.

São Paulo - A discussão sobre os riscos crescentes de o governo furar o teto de gastos públicos, em função do espaço restrito no orçamento, não é nova. Agora, no entanto, aumenta a pressão para que a regra seja afrouxada diante de um novo e forte apelo: o coronavírus.

Aprovado pelo Congresso no fim de 2016, durante a gestão Michel Temer, o teto foi criado para reverter a tendência de alta dos gastos federais, uma vez que limita o crescimento das despesas à variação da inflação. Se de um lado, a ação ajuda a controlar a relação da dívida do país com seu PIB, de outro, deixa muito pouco para ser usado em decisões de investimento.

A questão levantada por críticos da lei é: como o Brasil irá, a exemplo de outros países, dar estímulos fiscais suficientes para poupar a economia de um baque, se seus instrumentos fiscais encontram-se tão atrofiados?

Para amenizar o dilema, a estratégia federal foi pedir que o Congresso aceitasse o pedido de calamidade pública no país — aprovado na sexta pelo Senado —, tornando possível a flexibilização da meta do resultado primário do ano, que permite um déficit de até R$ 124,1 bilhões nas contas do Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central.

Cálculos da equipe econômica divulgados após os últimos anúncios de medidas para mitigar o impacto do vírus já apontam para um rombo de R$ 200 bilhões, segundo Mansueto Almeida, secretário do Tesouro. O teto de gastos, porém, continua tendo de ser respeitado, assim como a regra de ouro. 

Diante do que chamou de uma crise sem precedentes no país e no mundo, a economista Monica de Bolle, diretora de estudos-latino americanos e mercados emergentes da universidade americana Johns Hopkins, defendeu na semana passada em suas redes sociais que, além de flexibilizar a meta do primério, o governo tomasse medidas como a suspensão da regra do teto por dois anos e o aumento imediato do benefício do Bolsa Família em 30% a 40%.

Bolle justifica suas sugestões, sobretudo, em função do tempo de duração previsto do surto, de oito a nove meses no mínimo, segundo sua expectativa. "Vamos ver muitos meses de paralisia completa das economias durante a epidemia. Serão meses para atingir o pico do surto e meses para sair dele até a normalização", diz a economista em vídeo.

A expectativa do governo brasileiro e a do mercado é de que o surto seja resolvido em até quatro meses.

Na opinião do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, por outro lado, quebrar a regra no meio de uma crise como esta não tem sentido econômico. "Muito menos pedir para ter mais investimento, o que traz retornor no longo prazo. A gente precisa ter gasto hoje que tenha efeito de curto prazo", diz.

O ideal, para o economista, é que o governo priorize gastos correntes com saúde neste momento. "Dá para fazer isso com remanejamento de gastos dentro do teto e com crédito extraordinário", diz.

A lei do teto de gastos prevê a possibilidade de aprovação de um crédito extraordinário em momentos de crise como este: "Não precisa e nem deve mexer no teto", diz Felipe Salto, diretor do Instituto Fiscal Independente (IFI) do Senado. Ele defende que o governo use os instrumentos que já estão disponíveis para proteger o país da crise. "Flexibilizar a meta de primário é a solução ideal pra não mexer nas regras do jogo", diz.

Mansueto Almeida chegou a garantiu que não faltariam recursos do governo para o combate à pandemia e defendeu a existência de espaço fiscal, já que, segundo ele, o que está em discussão é uma realocação do orçamento. Além disso, o ministro também lembrou da existência do crédito extraordinário: "Mas talvez nem isso seja necessário”, disse.

Vai dar pé?

Sem reserva de emergência e com menos de 94% disponível para investimentos discricionários no Orçamento, o governo brasileiro se vê pressionado a seguir o exemplo de outros países e injetar dinheiro na economia.

Na conta da equipe econômica, as medidas tomadas até agora já chegam a R$ 186 bilhões. Boa parte desse dinheiro, no entanto, é formada de adiantamentos - como a disponibilização do 13º dos aposentados entre abril e maio, e de 25% do seguro-desemprego de trabalhadores de baixa renda que tiverem jornada ou renda reduzidos em meio à crise.

O Reino Unido, por exemplo, anunciou na sexta-feira passada que vai pagar até 80% dos salários dos trabalhadores nos próximos meses, enquanto o governo dos Estados Unidos articula com o Congresso um pacote emergencial que pode chegar a US$ 1 trilhão – ante -R$ 184,6 bilhões no Brasil.

O governo precisa injetar muito mais recursos na economia do que foi anunciado e, neste momento, na opinião do economista Paulo Leme, professor de Finanças na Universidade de Miami: “É melhor errar por fazer demais”, diz. 

O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega avalia que o governo Bolsonaro errou ao insistir que acelerar as reformas estruturais solucionaria a crise econômica decorrente da pandemia do coronavírus. “O governo tardou em agir na área econômica. Quando a situação começou a se agravar, insistia no discurso equivocado de que era preciso fazer reformas. Se aprovadas, elas terão impactos daqui a anos. A crise precisa de algo emergencial.”

O economista destaca que é preciso aumentar o orçamento da Saúde para evitar mortes e providenciar um alívio de caixa para empresas e famílias. Ele sugere ainda que a contribuição previdenciária seja dispensada temporariamente. “É preciso colocar dinheiro no bolso das pessoas.” Maílson admite que o déficit primário do Brasil vai aumentar neste ano, mas defende que o teto dos gastos não seja eliminado.

(Com informações de Estadão Conteúdo)

 

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