Economia

Um ovo e 93,3 milhões de litros de gasolina custam o mesmo na Venezuela

Um dólar, cotado a 5.641,50 bolívares nesta quinta-feira pelo Banco Central da Venezuela, compra 554,6 milhões de litros de gasolina

Venezuela: paradoxo é que, com a gasolina mais barata do mundo, os venezuelanos enfrentam ciclos de escassez, (Carlos Becerra/Getty Images)

Venezuela: paradoxo é que, com a gasolina mais barata do mundo, os venezuelanos enfrentam ciclos de escassez, (Carlos Becerra/Getty Images)

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AFP

Publicado em 24 de maio de 2019 às 10h26.

Um ovo custa a mesma coisa que 93,3 milhões de litros de gasolina e com um dólar é possível comprar o conteúdo de 14.600 caminhões-tanque: na outrora potência petroleira Venezuela, a hiperinflação e o congelamento dos preços fazem o combustível sair praticamente de graça.

O paradoxo é que, com a gasolina mais barata do mundo, os venezuelanos enfrentam ciclos de escassez, o último deles iniciado na semana passada, com filas que chegavam a vários dias de espera para encher o tanque em diversas regiões.

"Aqui a gasolina é grátis", resumiu à AFP o economista Jesús Casique.

Um ovo no supermercado custa 933 bolívares, mas no posto, um litro de gasolina custa 0,00001 bolívares.

Para encher um tanque de 50 litros custa 0,0005, montante impossível de pagar de forma exata: de menor nota é a de dois bolívares, após uma reconversão monetária lançada pelo presidente Nicolás Maduro em agosto passado.

À época, foram cortados cinco zeros do bolívar, mas as novas notas foram pulverizadas por uma hiperinflação que o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta em 10.000.000% para este ano. As moedas já não existem mais.

"O pouco dinheiro que você entrega para a pessoa que abastece seu carro no posto é uma gorjeta", porque o combustível é praticamente gratuito, afirmou Henkel García, diretor da firma Econométrica, à AFPTV.

Um dólar, cotado a 5.641,50 bolívares nesta quinta-feira pelo Banco Central da Venezuela, compra 554,6 milhões de litros de gasolina, suficientes para encher 222 piscinas olímpicas.

"Como ficou tão barata? Com uma inflação que foi crescendo, e um preço de gasolina que ficou estagnado", explicou García.

Aumento é "tabu"

O plano de reajuste de Maduro de 2018 incluía aumentar a gasolina, e até equipará-la com preços praticados no mercado internacional para pessoas sem o "Carnet de la Patria", documento que dá acesso a subsídios e que a oposição considera um mecanismo de controle social.

A alta nunca se concretizou no país com as maiores reservas de petróleo, cuja produção atingiu seus piores níveis em três décadas.

Com esse colapso, a Venezuela vive a pior crise de sua história moderna.

Para Maduro, a situação é o resultado de uma "guerra econômica" da oposição e dos Estados Unidos para derrubá-lo; para seus críticos, são produto de anos de políticas erradas do chavismo.

O "aumento da gasolina foi um tabu (...). Boa parte do mundo político acha que aumentar a gasolina pode elevar a pressão social, e isso pode levar a uma mudança política", resumiu García.

Em 1989, após um ajuste de preços teve início um conflito social conhecido como "Caracazo", que deixou 300 mortos em Caracas e povoados vizinhos. Este é um fantasma que se agita sempre que é mencionado um aumento do preço da gasolina.

Pobres subsidiando ricos

Para que um litro de gasolina seja vendido na Venezuela a preço internacional teria que alcançar 4.659 bolívares por litro, explicou Casique.

A enorme diferença entre esse montante e o que os venezuelanos pagam na realidade custa ao Estado cerca de 5,24 bilhões de dólares anuais, de acordo com especialistas.

"Dar a gasolina de presente (...) é um subsídio muito regressivo, porque quem tem carro é o grupo social mais rico. É um subsídio que os que não têm carro pagam para os que têm carro, e isso é algo muito prejudicial", disse García.

As penúrias dos venezuelanos - incluindo apagões e escassez de produtos básicos, como medicamentos - soma-se à falta de combustível.

Atualmente, a Venezuela refina apenas 100.000 barris de gasolina diários, a metade da demanda, vendo-se obrigada a importar o resto, afirmou o deputado opositor José Guerra.

Mas, em um contexto de seca de dólares pela crise, "não temos como pagar esses 100.000 barris", acrescentou Guerra, ex-diretor do Banco Central.

A entrada em vigor no fim de abril de um embargo petroleiro dos Estados Unidos dificulta também a compra de gasolina a empresas americanas "que eram as que normalmente nos abasteciam", opina García.

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