Economia

Um feminismo positivo

Para Educar Crianças Feministas – Um Manifesto Autora: Chimamanda Ngozi Adichie Editora: Companhia das Letras Páginas: 96 ——————- Joel Pinheiro da Fonseca O feminismo está em alta. Toda semana somos brindados com novas polêmicas envolvendo a relação entre homens e mulheres. Só nas últimas semanas, tivemos o caso do assédio cometido pelo ator José Mayer, […]

SHEHERAZADE E SILVIO SANTOS: o feminismo está em alta, mas a sanha acusatória pode levar a conclusões precipitadas / Reprodução/ SBT

SHEHERAZADE E SILVIO SANTOS: o feminismo está em alta, mas a sanha acusatória pode levar a conclusões precipitadas / Reprodução/ SBT

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Da Redação

Publicado em 14 de abril de 2017 às 19h34.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h31.

Para Educar Crianças Feministas – Um Manifesto
Autora: Chimamanda Ngozi Adichie
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 96

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Joel Pinheiro da Fonseca

O feminismo está em alta. Toda semana somos brindados com novas polêmicas envolvendo a relação entre homens e mulheres. Só nas últimas semanas, tivemos o caso do assédio cometido pelo ator José Mayer, a foto com piada obscena dos formandos de medicina do Espírito Santo, o comentário de Silvio Santos para a jornalista Raquel Sheherazade na cerimônia do Troféu Imprensa (disse que a contratara por ser bonita, não para dar opinião), as ameaças à vereadora-suplente Isa Penna (PSOL, São Paulo).

Em nossas redes, o tônus do fenômeno é marcadamente negativo. Ser feminista é, antes de tudo, denunciar e buscar a punição de comportamentos considerados machistas. A sanha acusatória não raro leva a conclusões precipitadas. O caso Silvio Santos, por exemplo, tratava-se de uma brincadeira entre ele e a jornalista, como o vídeo completo, de cinco minutos, deixa claro. Os pedidos para arruinar a carreira e quem sabe até punir com prisão os formandos de medicina que tiraram uma foto grosseira, de baixo calão, é na verdade uma falta muito pior do que a ofensa deles. Afinal, o que essa piada diz sobre a qualidade ou seriedade deles no trabalho?

Falta também uma boa dose de sensatez ou capacidade de reflexão para um movimento que cada vez mais se torna uma militância com vida própria, procurando novas causas para fazer barulho. Reivindicações legítimas se perdem em meio a demandas identitárias, desejo de aparecer e furor condenatório. Faria sentido ampliar a pauta em vez de apenas apontar o dedo. É do interesse de mulheres e homens, por exemplo, discutir mais sobre como agir e criar os filhos.

É um debate mais positivo o que temos no pequeno livro recém-lançado da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie: Para Educar Crianças Feministas – Um Manifesto. Originalmente, tratava-se de uma carta pública para uma amiga que acabara de virar mãe. Eram 15 conselhos para a filha crescer sem os entraves que cultura e sociedade podem colocar ao desenvolvimento pessoal e profissional das mulheres. Acabou virando um best-seller.

O núcleo da mensagem de Adichie é essencialmente positivo e difícil de discordar: a mulher é um indivíduo e não tem obrigação nenhuma de se realizar nos – ou apenas nos – papéis que nossa cultura diz caber a elas. E isso começa já no primeiro conselho, dirigido à vida da mãe: ser mãe não a define nem deve ser o todo de sua existência. Não há vergonha nenhuma em não se anular para se entregar inteiramente ao cuidado dos filhos, fazendo disso sua identidade – demanda que jamais é feita ao pai. Ninguém existe – ou ao menos não devemos exigir que exista – em função de outro; todo indivíduo é um fim em si. Essa é a filosofia básica por trás dos conselhos, e me parece irretocável.

O que ela não considera – e aqui julgo que o feminismo padrão poderia se aprofundar – é que os papeis de gênero, que são desiguais, podem ter sua justificativa. A maioria das mulheres não se encaixa perfeitamente no que é esperado da mulher (amabilidade, beleza, delicadeza), mas ainda assim prefere esse ideal do que o papel masculino. O mesmo vale para os homens, de quem se exige liderança, violência e insensibilidade. De todo modo, a autora não está propondo o fim dos papeis, apenas mais liberdade com eles de modo a satisfazer melhor os anseios do indivíduo que vive sob esses e outros papéis sociais.

O livro foi originalmente um post (bastante longo) de Facebook. Não há que se esperar grandes voos teóricos ou profundidade. Contudo, incomoda a negação a priori de tudo que possa abalar os pilares da crença feminista. Adichie tem certeza de que não existem diferenças biológicas e que os pais são capazes de moldar a personalidade futura dos filhos, duas afirmações que não contam com nenhum consenso científico. De fato, ela se mostra defensiva com o uso da biologia para reforçar o sexismo; uma postura pouco esclarecida.

O fim do curto livro reserva um conselho especial, que nos falta aqui no Brasil: oprimidos não são santos. Claro que caberia questionar a própria ideia da mulher como ser “oprimido” pela sociedade. Mas ainda que aceitemos a categoria, é essencial lembrar que só porque sofreu uma violência, não quer dizer que se seja bom. Ou ainda que não queira (e talvez já cometa) violências ainda maiores. O bom senso e a justiça elementar, tão em falta nas redes, agradecem.

No final das contas, essa rápida leitura serve para o leitor comum, não engajado com nenhuma militância entender do que se trata o feminismo e como ele pode ser usado para criar filhas (e filhos) mais livres de preconceitos e, espera-se, mais felizes. Um belo respiro da bile ininterrupta dos “textões” de facebook.

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