Economia

Um Brasil possível?

Trópicos Utópicos: Uma Perspectiva Brasileira da Crise Civilizatória. Autor: Eduardo Giannetti. Companhia das Letras. 240 páginas. ———————————– (Joel Pinheiro da Fonseca, jornalista e filho do autor) Teria o Brasil algo a oferecer ao mundo? Uma ideia, uma mensagem, um modo de ser que possa apontar os caminhos para solucionar dilemas que hoje perturbam a humanidade? Ou […]

MISTURA: Autor Eduardo Gianetti ressalta a importância de resgatar a alegria da convivência brasileira, e lutar contra a divisão racial e de classes  / Quadro de Cícero Dias / Fundaj

MISTURA: Autor Eduardo Gianetti ressalta a importância de resgatar a alegria da convivência brasileira, e lutar contra a divisão racial e de classes / Quadro de Cícero Dias / Fundaj

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Da Redação

Publicado em 15 de julho de 2016 às 19h36.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h57.

Trópicos Utópicos: Uma Perspectiva Brasileira da Crise Civilizatória. Autor: Eduardo Giannetti. Companhia das Letras. 240 páginas.

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(Joel Pinheiro da Fonseca, jornalista e filho do autor)

Teria o Brasil algo a oferecer ao mundo? Uma ideia, uma mensagem, um modo de ser que possa apontar os caminhos para solucionar dilemas que hoje perturbam a humanidade? Ou estamos fadados a ser uma reprodução – bastante imperfeita – do modelo civilizatório ocidental? São essas questões que movem o economista Eduardo Giannetti em seu novo livro.

O Iluminismo produziu – ou, como prefere o autor, foi um produto de – uma civilização baseada na racionalidade que esquadrinha o mundo e no domínio prático da natureza. Só que algo deu errado. A promessa de felicidade não se cumpriu, e o projeto de sujeição da natureza desencadeou os efeitos negativos das mudanças climáticas.

As primeiras três partes do livro (são quatro ao todo) tratam justamente dos problemas centrais que comprometem o projeto ocidental. São eles: a incapacidade da ciência de resolver os mistérios que realmente importam; a incapacidade da tecnologia de saciar nossa sede de consumo e o risco ambiental sério a que ela nos submete; e o custo psíquico que pagamos por adequar nossa vida interior às necessidades exteriores de uma moral sexual rígida e uma ética do trabalho e da eficiência.

Alguns insights merecem destaque. O primeiro é a analogia entre a devastação exterior da natureza pela tecnologia moderna e a devastação da nossa natureza interior causada pela ética cristã e, mais tarde, utilitária. Outro é um ponto que deveria ser óbvio mas que frequentemente esquecemos: não há a menor chance de a tecnologia abolir a escassez no mundo, porque nossos próprios desejos de consumo não têm fim. Grande parte dos bens que desejamos funcionam apenas como pontos na competição social. Portanto, se aumentamos nosso consumo, isso apenas criará uma demanda ainda maior por novas formas de diferenciação.

Dito assim, pode parecer maçante. Mas o livro é um experimento literário, menos preocupado com a exposição rigorosa de argumentos do que com a resolução estética de seus pensamentos. A divisão da obra em pequenas seções – textos curtos, em geral de um ou dois parágrafos, ao estilo dos principais livros de Nietzsche – permite isolar os pontos e os argumentos.

É na quarta parte que a finalidade de Trópicos Utópicos se revela. Aos becos sem saída do Ocidente, Giannetti oferece as possíveis soluções do Brasil. Para fazê-lo, insere-se na tradição dos modernistas –  e, talvez de maneira mais direta, de Gilberto Freyre –, que pensaram o Brasil enquanto valor. Sem dúvida, temos muito a melhorar nos indicadores econômicos e sociais. Somos imperfeitamente ocidentais. Mas nessa imperfeição reside um lado bom, um lado inédito para o restante do mundo e que pode responder aos dilemas colocados pelo esgotamento da esperança iluminista.

Esse Brasil idealizado é, como sempre tem de ser, um recorte, uma seleção de certos traços e de certas variáveis regionais. Os elementos africano e português de nossa formação são ressaltados, deixando de lado outros traços; como fez Gilberto Freyre. Estamos no Brasil negro e mulato, da alegria de viver, do deleite sem culpa no prazer, da falta de pressa; o recôncavo baiano, a bossa nova, o carnaval, o tropicalismo (não por acaso, quem assina a quarta capa é Caetano Veloso). Outros Brasis igualmente reais são deixados de lado: o Brasil sertanejo de Canudos, Padre Cícero, Lampião; de Guimarães Rosa e Graciliano Ramos, por exemplo, para ficar em um caso que já foi devidamente explorado e imaginado pela criação artística. Outros, como o Brasil caboclo, amazônico, ainda aguardam sua consagração estética no imaginário nacional.

Não está claro que uma visão única e completa de Brasil seja sequer possível. Mas, por mais incompleta que seja, a obra faz uma reflexão que é também um trabalho de criação e projeção de um Brasil desejável. É especialmente bem-vindo em um momento no qual nossa cultura parece querer banir esse Brasil otimista e trocá-lo por um país sórdido, racista (mais racista que os Estados Unidos), machista, violento e desigual – um verdadeiro lixão continental. Esse discurso vem sempre acompanhado de pretenso amor pelos “oprimidos”, embora negue justamente os elementos que nos dão esperança e felicidade, preferindo apostar na divisão social. Trópicos Utópicos, ao vislumbrar esse Brasil positivo, nos oferece o antídoto: ao invés de luta de classes, a alegria da convivência; ao invés da divisão racial, a miscigenação.

Dito isso, há momentos em que um otimismo talvez ingênuo parece dar as cartas no livro. Apesar das críticas pertinentes ao Ocidente iluminista e cristão, Giannetti reproduz algumas de suas certezas mais apressadas, por exemplo na afirmação do valor da igualdade de oportunidades como uma quase obviedade. A melhor sociedade seria aquela na qual a renda é determinada apenas por quanto a pessoa decide se esforçar, e nada mais. Nada alheio ao “mérito” deve influenciar no quanto a pessoa ganha.

Giannetti às vezes faz crer que dá para resolver nossas limitações usando a técnica ocidental sem se submeter ao seu espírito. Vamos garantir um Brasil com saúde, educação, igualdade, altruísmo e fraternidade, e depois pular o carnaval. A escolha por um modelo civilizatório brasileiro é descrita como se não houvesse custos, como se os problemas atuais do país fossem somente os obstáculos ao que poderíamos ser. Mas, e se forem consequências do que somos?

 

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