Economia

Troyjo: Trump, assim como Dilma, é ideia errada no lugar errado

Para professor, "levar a visão de mundo do Trump para Casa Branca é equivalente do que aconteceu quando Dilma levou para Planalto a Nova Matriz Econômica"

"Trump pegou poder com a direita e vai ter que tocar com o centro." (Getty Images)

"Trump pegou poder com a direita e vai ter que tocar com o centro." (Getty Images)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 9 de novembro de 2016 às 13h33.

Última atualização em 9 de novembro de 2016 às 18h30.

São Paulo - "Levar a visão de mundo de Donald Trump para a Casa Branca é o equivalente do que aconteceu quando a Dilma levou para o Planalto a Nova Matriz Econômica".

A comparação é de Marcos Troyjo, economista, diplomata e cientista social que dirige o BRICLab da Universidade Columbia em Nova York.

Ele espera que o vencedor republicano adote uma postura mais pragmática a partir de agora, mas diz que isso vai fatalmente afastar seus eleitores.

Troyjo também nota que a eleição de Trump com uma plataforma protecionista simboliza o fim da globalização e do mundo como conhecemos até agora.

Veja a entrevista:

EXAME.com – Por que a eleição de Trump foi uma surpresa tão grande?

Marcos Troyjo – Os democratas não conseguiram atrair tanto o voto dos grupos étnicos que eles achavam que iam ajudar, e também tinham uma ideia equivocada do que aconteceria em estados como Flórida, Michigan e Pensilvânia.

Também ficaram otimistas demais com a notícia de que a Hillary não seria mais investigada pelo FBI, o que não teve nenhuma importância. E talvez o sentimento negativo pelas dinastias em geral foi mais forte do que a repulsa por Trump em eleitorados da população branca com ensino superior em alguns estados chave como Wisconsin, Michigan e Iowa.

EXAME.com – Trump tem maioria republicana no Congresso e no Senado, mas sua agenda econômica tem itens que vão contra a ortodoxia do partido, especialmente em relação ao comércio internacional. Até que ponto ele vai conseguir implementar?

Troyjo – Ao contrário do que se imagina, o presidente tem muito poder.

Quem formula os termos da política comercial é o Congresso, mas quem os negocia é o USTR (U.S. Trade Representative, ou Representante para o Comércio) - uma função da Casa Branca com status de ministro, ou seja, sob a asa de Trump.

Aqueles acordos ainda não ratificados pelo Congresso, como a Parceria Transpacífico, poderiam passar nos últimos 70 dias de Obama – o que seria uma espécie de pororoca, um encontro de forças contrárias. Porque talvez a principal peça em termos econômicos do chamado “pivô para a Ásia” da política de Obama tenha sido o TPP.

Por outro lado, há uma negociação com a Europa sem texto finalizado. Com o USTR seguindo a linha defendida durante a campanha, os EUA vão tirar o pé desse acelerador.

Trump pode propor uma revisão do tratado do NAFTA (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio) e pode revogar o status de nação mais favorecida no comércio bilateral com a China.

Minha principal indagação é se ele vai abandonar parte da retórica de campanha para assumir uma postura mais pragmática. Isso seria bom para os Estados Unidos, mas vai distanciá-lo dos eleitores que o elegeram. É aquela coisa: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

Ele pode fazer acenos por exemplo a Wall Street, escolhendo um secretário do Tesouro relacionado a Finanças, e um secretário de Estado que não seja tão isolacionista, para não gerar pânico por exemplo em japoneses ou sul-coreanos, além de um USTR que não seja um engavetador-geral de comércio.

Mas ao tomar essas decisões, automaticamente vai se distanciar das plataformas que o elegeram.

EXAME.com – Mas ninguém sabe quem seriam essas pessoas em posições-chave, já que grande parte do establishment o rejeitou durante a campanha. 

Troyjo – Para a Secretaria de Estado ele provavelmente vai ter que tirar alguém da Defesa, Pentágono ou essa comunidade, e tenho a impressão que para o representante de comércio será alguém do mundo de negócios.

Mas para montar sua equipe ele terá que buscar quadros que não fazem parte das expectativas daquele que votaram nele. Ou ele pode fazer uma equipe de gente completamente desvinculada de cargos de prestígio, de formação de opinião e musculatura nas suas áreas, o que seria uma tragédia para os EUA.

Eu imagino o que pode acontecer, por exemplo, com o balanço patrimonial das empresas americanas que operam no Sudeste Asiático caso sejam impostas barreiras unilaterais pra exportações da China para os EUA.

Vai matar o Walmart, machucar o Starbucks, prejudicar a Apple. Todo mundo hoje tem produção lá, isso para não mencionar riscos como um surto inflacionário nos EUA. O americano é que vai pagar a conta.

EXAME.com – Há muitas estimativas de queda do crescimento e efeito sobre os emergentes. Podemos estar diante de uma grande crise?

Troyjo – Voltemos para o começo do ano. Qual era o acervo de riscos? China com bolha imobiliária e dívida enorme, bolsa de Xangai despencando, petróleo e commodities baixos demais, Rússia em colapso, Brasil prestes a sofrer impeachment, etc. O epicentro do risco estava nos emergentes.

Só que aí você teve um deslizamento primeiro para a Europa, porque ninguém estava imaginando o Brexit, e agora EUA, porque ninguém imaginava a eleição do Trump. A noção de risco voltou dos emergentes para as economias mais maduras e ficou mais parecida com 2008 e 2009.

Agora, vai depender muito do que vai acontecer com o fluxo do investimento estrangeiro direto chinês, que hoje tem os EUA como principal destino. Se eles estiverem menos dispostos a direcionar esses capitais para lá, isso pode até beneficiar países como Austrália, Canadá, Brasil.

Em termos do Tesouro americano, praticamente 10% do valor da dívida está na mão dos chineses. Vai depender do que eles farão com esses recursos. Mas a ideia de prosperidade está vinculada tanto aos fundamentos quanto às perspectivas.

Se você é um empresário - americano ou não - montando uma planta em Bangladesh ou na Indonésia, você continua? Se você é uma empresa europeia investindo nos EUA achando que de lá você alcança os mercados do NAFTA e outros, você continua ou puxa o freio?

Tudo isso afeta a perspectiva porque dá uma pausa. Mais importante do que o pânico é a pausa. Aquele “esperar para ver” que machuca às vezes mais a economia do que um momento mais curto de susto.

EXAME.com – Junto com o Brexit, dá para dizer que estamos vendo o fim da globalização como a gente conheceu até agora?

Troyjo – É o fim do mundo como o conhecemos, como canta o R.E.M. E naquele música ainda tem o final em parênteses: and I feel fine! Agora o mundo não se sente nada bem, com exceção daqueles malucos que votaram no Trump.

Eu acho que esse eleição talvez represente o divisor de águas da globalização profunda. Passam a operar com mais vigor as forças de desglobalização, mas acho que não estão aí para ficar.

Quer fazer uma boa comparação? Levar essa visão de mundo do Trump para a Casa Branca é o equivalente do que aconteceu quando a Dilma levou para o Planalto e para o coração da economia brasileira a Nova Matriz Econômica.

É você querer que os EUA cresçam com uma espécie de nacionalização do capital industrial ao contrário de uma estrutura de cadeias de produção global. É achar que os EUA vão ganhar mais competitividade se tornando mais protecionistas; isso vai gerar um efeito desagregador para os americanos tão grande quanto a Nova Matriz deixou no Brasil.

EXAME.com – Ou seja, os limites do discurso vão ficar claros na hora da prática.

Troyjo – Estou torcendo para que não fiquem claros e que Trump os abandone de forma pragmática. Os espanhóis dizem que você pega o poder com a esquerda e toca com a direita. O Trump pegou com a direita e vai ter que tocar com o centro. Tomara que isso aconteça - para o bem da economia mundial.

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