Bernard Peille, diretor geral da Alstom para América Latina, na COP30 (Leandro Fonseca /Exame)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 20 de novembro de 2025 às 08h01.
Belém - O mercado de venda de trens e serviços ferroviários na América Latina está aquecido. O setor tem movimentado cerca de US$ 2 bilhões por ano, e o volume poderá dobrar nos próximos anos, aponta Bernard Peille, diretor da Alstom para a região.
A empresa é uma das maiores fabricantes globais de trens e tem o Brasil como sua principal base na América Latina. No país, são fabricados veículos que rodarão nos trilhos de cidades como São Paulo, Bogotá e Santiago.
No entanto, este mercado tem sido disputado cada vez mais pelos fabricantes chineses, que fornecerão trens para a linha 4-amarela de São Paulo e para o metrô de Belo Horizonte. Para Peille, trata-se de concorrência desleal.
“A competição com os chineses é uma dura realidade, porque acreditamos que não jogamos com as mesmas regras. Nós, como Alstom, estamos aqui há 70 anos. Então, consideramos que somos brasileiros. E como brasileiros, devemos também nos beneficiar por ser a indústria local, para apoiar a economia e a indústria local. Para nós, mas também para os 200 fornecedores que navegam ao nosso redor”, diz, em conversa com a EXAME, após um evento na COP30.
“A China não tem essa filosofia. Ela quer exportar. 70% dos contratos que eles ganharam nos últimos anos não serão fabricados aqui. Então, é uma vitória e uma perda, porque se você perder sua economia nesse campo específico, é algo que você não vai conseguir recuperar. É quase impossível”, disse.
Na conversa, ele falou também sobre outros negócios na América Latina, as dificuldades para descarbonizar o transporte de carga e o que espera dos resultados da COP30.
Como a Alstom avalia o mercado brasileiro neste momento?
Temos muitos projetos, especialmente em ferrovias, planejados ou em construção no momento. Celebramos este ano nossos 70 anos no Brasil como Alstom. Acompanhamos o desenvolvimento do país nas últimas décadas e sempre tentamos atender e apoiar o desenvolvimento urbano, bem como tudo o que pudemos fornecer em termos de infraestrutura ou sinalização para o desenvolvimento das ferrovias. Continuamos a ver perspectivas de evolução da rede. A urbanização no Brasil está cada vez maior. As cidades, principalmente São Paulo, estão desenvolvendo novas linhas e investindo maciçamente em novas infraestruturas.
Como vê o cenário econômico na América Latina para os próximos anos?
A tendência nos últimos cinco anos foi de um mercado de cerca de US$ 2 bilhões por ano. A tendência que vemos nos próximos cinco anos será algo em torno de US$ 3 bilhões a 4 bilhões de dólares por ano. É um mercado em crescimento. Muitas cidades estão investindo. Você pode ver em São Paulo o número de linhas que serão criadas e reformadas e diferentes esquemas de financiamento. São Paulo está indo para privatização e PPP. Em Santiago do Chile, estão lançando a linha 7. É um fundo público, mas agora estão emitindo uma solicitação de proposta para as linhas 9 e 8, que virão depois. Na Colômbia, implementaram a linha 1 de Bogotá, a linha 2 virá. A tendência de urbanização não muda e ainda cresce. Isso é um bom potencial para nós.
O mercado é principalmente impulsionado pela mobilidade urbana, com alguns projetos que agora visam diversificar um pouco a economia ferroviária e ir para linhas de longa distância. Há uma licitação para desenvolver o Tren del Norte no México. O Panamá tem projetos para ir da Cidade do Panamá a David. Então, podemos ver essa tendência não apenas urbana, mas agora começando a se desenvolver também em outras linhas.
Como você vê a concorrência com os fabricantes chineses que estão vendendo mais trens aqui no Brasil?
A competição com os chineses é uma dura realidade, porque acreditamos que não jogamos com as mesmas regras. Nós, como Alstom, estamos aqui há 70 anos. Estamos no México também há décadas e somos donos de unidade local no Brasil. Então, consideramos que somos brasileiros. E como brasileiros, devemos também nos beneficiar por ser a indústria local, para poder apoiar a economia local e a indústria local. Para nós, mas também para os 200 fornecedores que navegam ao nosso redor. A China não tem essa filosofia. Ela quer exportar. 70% dos contratos que eles ganharam nos últimos anos não serão fabricados aqui. Então, é uma vitória e uma perda, porque se você perder sua economia nesse campo específico, é algo que você não vai conseguir recuperar. É quase impossível.
Então, os governos devem ter muito cuidado em manter a capacidade, a autonomia, a produtividade e as ferramentas industriais dentro do país. Não só para fornecer soluções para o país, mas para o mercado ao redor. A grande fábrica que temos em Taubaté não está produzindo apenas para o Brasil, mas para o Chile, para Taiwan e para a Europa. Então, ao manter essa empresa, você permite a ela ter um tamanho crítico para poder exportar do Brasil. É realmente uma situação vantajosa para ambos.
Se você tem preços feitos de maneira que podem causar um grande prejuízo para sua própria indústria, você estará prejudicando sua própria economia ao não ser capaz de exportar depois. Estamos aqui há 70 anos. Começamos com energia; depois, adquirimos uma fábrica brasileira há algumas décadas e, a partir dessa base, crescemos. Historicamente, o Brasil se tornou nossa unidade local na América Latina. E a partir daí, expandimos com o desenvolvimento em São Paulo, Santiago do Chile e Lima. Então, a partir daqui, conseguimos espalhar nossos produtos.
Trem da linha 6-Laranja de São Paulo, fabricado pela Alstom (Divulgação)
Quais são as principais ideias e propostas que a Alstom trouxe para a COP?
A COP30 para a Alstom é um evento muito importante porque é uma forma de contribuir para a descarbonização por meio de nossas soluções. Um caminhão na estrada emite cerca de 120 gramas de CO2 por tonelada por quilômetro. O transporte a diesel nos trilhos emite 30 gramas, e um trem elétrico emite três gramas.. E se você tiver uma energia vinda de fontes verdes, como a hidrelétrica no Brasil, você pode chegar perto de zero.
Então, as soluções já existem. Não é algo novo. O problema é que precisamos de fundos para eletrificar um pouco mais. No Brasil, as linhas de longa distância não são eletrificadas, então isso custaria muito dinheiro. Parte disso poderia ser feito, e acho que poderia atender a muitos volumes em termos de carga e passageiros. Mas também há soluções alternativas, como baterias inseridas em trens a diesel, híbridos entre elétrico e bateria, que passam por dezenas de quilômetros onde não há trechos eletrificados. E você pode ter soluções de hidrogênio no futuro que estão sendo desenvolvidas. Já temos isso para passageiros. Ainda não está maduro para carga, mas é algo que virá nos próximos anos.
Quanto tempo poderá levar para descarbonizar o transporte de carga no Brasil?
No Brasil, como em muitos países do mundo, a tendência de descarbonizar as cidades é boa. Trens elétricos, mais linhas, metrôs, o número de passageiros usando o transporte de massa está crescendo. O Brasil está indo realmente pelo caminho certo.
Para carga, é uma história bem diferente. Ainda estamos muito atrás. E acho que é provavelmente aí que os esforços terão que ser feitos, se quisermos alcançar emissões zero até 2030, 2040. Isso será feito, seja pela eletrificação, porque acho que algumas coisas terão que ser feitas. E acho que é muito sábio, na minha opinião, eletrificar onde você tem realmente grandes volumes de carga e bons corredores. E para outros, você ainda pode trabalhar com as alternativas de tecnologia que acabei de descrever.
Os novos mecanismos de financiamento climático poderão ajudar a expandir as ferrovias e a eletrificação?
Se esse evento não ajudar nisso, qual é o propósito? O transporte é responsável por 25 a 30% das emissões de carbono no mundo. Então, temos que enfrentar o problema onde ele está. E a eletrificação é uma solução.
Se tivermos que direcionar frentes para a descarbonização, ou fazemos isso com eletrificação, ou com tecnologias alternativas, como o hidrogênio. De qualquer maneira, o dinheiro é essencial. E esse é o propósito principal deste evento.
Qual poderá ser a principal conquista desta COP?
Há muitas frentes onde a COP tem que lutar. Para mim, o principal é continuar pressionando os governos, as políticas, os fundos, para serem muito ativos no financiamento da transição. Ouvimos que alguns países começaram a ser relutantes, nos perguntamos sobre o propósito, mas não há dúvida. Eu posso sentir o calor hoje [aqui na COP]. Você pode imaginar daqui a 30 anos, se for tudo ao redor do mundo assim? É insustentável. Então, precisamos fazer essa situação acontecer. Não temos escolha.