Passageiros esperam por ônibus em plataforma no Rio de Janeiro (Fernando Souza/Picture Alliance/Getty Images)
Agência O Globo
Publicado em 8 de novembro de 2021 às 06h08.
Última atualização em 8 de novembro de 2021 às 06h08.
Depois de um ano marcado pelo aumento nos preços dos combustíveis, da energia elétrica e dos alimentos, 2022, ano de eleição, deve ganhar um novo candidato a vilão da inflação: o transporte público.
A alta no preço do diesel, a redução de passageiros transportados na pandemia e a pressão por reajustes salariais de motoristas e cobradores colocam os governos locais diante de uma equação difícil: elevar fortemente a passagem — acima dos R$ 0,20 que geraram protestos em 2013 — ou conceder subsídios a empresas de ônibus, trens e metrô.
Estimativas de empresas e especialistas apontam que repassar os custos para a tarifa paga pelo passageiro significaria aumentos de 40% a 50% — a passagem média do Brasil é de R$ 4,01, segundo as operadoras.
A Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) diz que aumentos desproporcionais, como a alta de 65% do diesel nas refinarias, afetam a operação e ampliam o déficit das empresas, que foi de R$ 17 bilhões apenas durante a pandemia.
Com o IPCA acumulado em 12 meses de 10,25% até setembro, é considerado inviável repassar integralmente o reajuste à população, que viu sua renda encolher, principalmente os mais pobres.
O aumento pressionaria mais a inflação no momento em que o Banco Central tem aplicando doses sucessivas de alta de juros para conter a escalada de preços e cumprir a meta do próximo ano, que é de 3,5%, podendo chegar a 5% no teto da meta. Já os subsídios poderiam sangrar contas públicas de prefeituras e governos estaduais.
Como o transporte público fica sob a gestão dos municípios, e ainda não há clareza de como os custos vão se comportar até o fim do ano, não há definição sobre quanto as passagens poderiam, de fato, subir em 2022. A concessão de subsídios significa menos caixa para os governos. Os municípios terão de decidir quem pagará a conta, em uma decisão, mais do que nunca, política.
André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor do FGV/Ibre, lembra que a correção da massa salarial das categorias que trabalham no transporte deve chegar aos dois dígitos, e que o diesel seguirá com viés de alta:
— São dois itens de peso que devem gerar um grande debate sobre o reajuste. A forma como o diesel afeta a família de baixa renda é pelo frete e pelo transporte público urbano. Em ano eleitoral a gente não costuma ver aumento de passagem, mas espero que haja algum reajuste, exatamente pela pressão que os aumentos do diesel vão exercer no custo.
O economista Cláudio Frischtak, sócio gestor da Inter.B, diz que esse reajuste e a pressão que ele causará na inflação já estão contratados. Para ele, considerando todos os custos, a linha de base para o reajuste de tarifas ficará acima de 10%:
— Parte considerável das pessoas que precisam de transporte público tem capacidade mais restrita para absorver esses reajustes. O que tende a acontecer é elevar subsídios.
Com a crise deflagrada pela pandemia — um cenário que mistura desemprego em alta e renda em queda — as prefeituras avaliam o quadro. No Rio, o prefeito Eduardo Paes anunciou mês passado que as empresas receberão subsídios. A situação na capital é complexa: a maioria dos consórcios que operam as linhas de ônibus está em recuperação judicial.
Em nota, a Secretaria de Trânsito informou que trabalha em um modelo de gestão que incluirá nova forma de remuneração das empresas. Haverá uma nova licitação de bilhetagem digital e acompanhamento dos ônibus via GPS. A abertura dos envelopes será em dezembro, e a nova operação começa em julho de 2022.
Em Curitiba, a alta de custos foi tão grande que a prefeitura enviou projeto de renovação do regime emergencial, que vigorou de março de 2020 a junho de 2021, à Câmara de Vereadores. A tarifa técnica, que remunera as empresas, bateu R$ 8,11, enquanto o valor pago pelo usuário é de R$ 4,50.
A solução foi modificar a remuneração das empresas, que passou a ser por quilômetro rodado, e não em passageiros. Em 15 meses, o município economizou R$ 211 milhões. A renovação do regime emergencial será retroativa a julho e vai até o fim da emergência por causa da Covid-19.
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), disse nesta semana que seria “inevitável” um reajuste nas tarifas de ônibus da capital, congeladas em R$ 4,40 desde 2021. Depois, disse que o aumento será decidido com outras prefeituras e o governo do estado.
O prefeito explicou, na inauguração de uma estação do metrô na sexta-feira, que o sistema de ônibus custa R$ 8 bilhões por ano, mas arrecada R$ 5 bilhões. A diferença, de R$ 3 bilhões, é paga pela prefeitura, por meio de subsídio.
O pesquisador Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho, do Ipea, pontua que as manifestações de 2013 resultaram em subsídios imediatos de prefeituras, o que não se sustentou no médio prazo e houve reajustes até acima da inflação:
— Se as prefeituras não oferecerem nada, o impacto da tarifa vai ser muito alto. Se reduzirem o impacto de aumento da tarifa sem contrapartida, os sistemas de transporte podem entrar em colapso.
Para o presidente da NTU, Otávio Cunha, as prefeituras vão arcar com boa parte da conta porque é inviável repassar o aumento ao passageiro:
— Os valores para equilibrar a operação exigiriam reajuste de 40%, é inimaginável. Nenhum prefeito teria coragem de fazer isso. O mais razoável seria usar, excepcionalmente, recursos do orçamento.
O problema estrutural do setor de transporte coletivo vem de longa data, mas foi agravado pela pandemia. Enquanto a maioria das grandes cidades optou por congelar as tarifas cobradas dos passageiros, alguns municípios menores chegaram a reduzir o valor das passagens, como forma de incentivar mais pessoas a usarem os ônibus, ampliar a receita e até reaquecer a economia.
Em Araucária, na região metropolitana de Curitiba, o preço da passagem caiu duas vezes na pandemia. Em janeiro de 2021, o município reduziu a tarifa de R$ 2,30 para R$ 2,20. Em setembro, o preço caiu a R$ 1,95. Nesse meio tempo, a cidade ainda fez nova licitação do transporte coletivo, em um modelo em que a arrecadação fica com o município e as empresas são pagas por quilômetro rodado.
O secretário municipal de Planejamento, Samuel Almeida da Silva, disse que neste modelo o município prevê os gastos com transporte no orçamento. Como as empresas recebem por quilômetro, quanto mais passageiros houver, melhor a arrecadação. Em 2017, o sistema transportava 32 mil usuários por dia. As reduções de tarifa, que ocorreram gradualmente desde 2018, elevaram o número para 53 mil.
O custo de operação do sistema no ano passado foi de R$ 51 milhões, incluindo R$ 11 milhões para integração metropolitana. O subsídio da prefeitura foi de R$ 23 milhões.
— Em quatro anos, aumentamos a oferta de ônibus em 30% e reduzimos o custo pela metade. Essa economia foi repassada ao passageiro — afirmou o secretário.
Na cidade de Curvelo, no interior de Minas Gerais, o município optou pela contratação de uma nova empresa, o que permitiu reduzir o valor da passagem. Desde setembro, os moradores da cidade pagam R$ 2 para andar de ônibus — uma diminuição de 46% na tarifa, que era de R$ 3,75.
Quando anunciou a medida, o prefeito da cidade, Luiz Paulo (PP), disse que os aumentos da tarifa estarão apenas sujeito à variação da inflação. A estimativa é que o subsídio do município gire em torno de R$ 121 mil.
O presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Cunha, diz que há uma série de ações que as prefeituras podem adotar para bancar o transporte coletivo e que estão sugeridas em um projeto de lei que estabelece um marco para o setor. Uma possibilidade seria a exploração de estacionamentos públicos, com arrecadação revertida para os sistemas de transporte.
Ele defende a reconstrução do setor, para oferecer serviço barato e de boa qualidade:
— A sociedade inteira deve bancar parte desse custo, como já é feito fora do país.