Economia

Trajetória da dívida brasileira testa sangue-frio do mercado

Emissão de títulos com juro real de 6% a 7% combinada com PIB negativo é "sentença de morte", segundo especialista


	Notas de real: perspectiva para a dívida pública do país preocupa analistas do mercado financeiro
 (Reprodução/YouTube)

Notas de real: perspectiva para a dívida pública do país preocupa analistas do mercado financeiro (Reprodução/YouTube)

DR

Da Redação

Publicado em 16 de fevereiro de 2016 às 20h13.

A combinação de déficit fiscal com juro alto para combater a inflação está aumentando o receio de que a dívida brasileira entre, ou já esteja, em uma trajetória insustentável.

Estrelas do mercado como Luis Stuhlberger, do Fundo Verde, e o ex-Pimco Bill Gross estão entre os que têm soado o alarme em relação ao Brasil. 

Até segunda ordem, contudo, os ativos brasileiros têm mostrado uma relativa estabilidade desde o pico do nervosismo de setembro, quando o dólar chegou a passar de R$ 4,20. A perspectiva de mudança política pode estar por trás desse sangue-frio.

No relatório de fevereiro, o gestor da Janus Capital, Bill Gross, citou o Brasil entre os exemplos de distorções na economia global. 

”Nenhum país ao longo do tempo pode emitir dívida com juro real de 6%-7% e PIB negativo. É uma sentença de morte”, disse Gross, cujo conhecimento sobre dívida é explícito pelo seu currículo. 

Ele mudou para a Janus em 2014 após deixar a Pimco, maior administradora de títulos de dívida do mundo, que ele ajudou a fundar.

Stuhlberger, do fundo Verde, disse ao Valor em entrevista na última segunda-feira que, sem mudanças relevantes na estrutura dos gastos públicos, a dívida pública vai explodir. 

Para ele, o mercado, contudo, ainda tem dúvidas sobre se amplia a venda de ativos brasileiros, dividindo-se entre o temor de piora adicional da economia e o alívio com a perspectiva de eleição de 2018. O mercado vê 70% de chances de mudança política, com inviabilização da candidatura de Lula, que poderia levar a um ’bull market’, disse o gestor.

O pessimismo com a política fiscal e a dívida, realçado pela recente decisão do governo de adiar o corte do orçamento, tem ocorrido ao mesmo tempo em que as expectativas para a inflação e o PIB se deterioram.

Contudo, apesar da piora dos números e das análises negativas feitas por nomes fortes, o mercado tem apresentado um desempenho relativamente tranquilo este ano. O real, apesar de continuar entre as moedas mais voláteis do mundo, acumula perda de apenas 1% no ano até agora. 

Praticamente estável, sobretudo se comparado à queda de 8% do peso mexicano e de 6% do peso colombiano, duas divisas de países latino-americanos comparáveis ao Brasil. Os juros futuros, no mesmo período, caíram, superando até mesmo a reação inicial negativa à decisão do BC de não elevar a Selic.

“Não tenho nenhuma discordância de que a dinâmica da dívida é péssima e a trajetória do resultado primário é muito negativa”, diz Carlos Kawall, economista do Banco Safra. No entanto, a perspectiva de uma transição política com um governo mais pró-reformas ajuda a conter uma maior deterioração do mercado, diz o economista. 

Ele cita o exemplo de Mauricio Macri na Argentina, que tem surpreendido por mudanças rápidas, com ajuste cambial, cortes de gastos e correção de tarifas. “Mostra que, com uma mudança política, tudo pode ocorrer rapidamente.”

Para Roberto Padovani, economista do Banco Votorantim, a possibilidade de mudança política também ajuda a reduzir o pessimismo, embora a situação ainda possa se agravar antes de ocorrer uma melhora. 

“A crise política, de alguma forma, vai ser superada. Deve piorar antes de melhorar e novo ciclo político deve começar ainda em 2016”, diz. Padovani considera ainda que muitas das más notícias nos campos fiscal e político já estão precificadas.

Mesmo no terreno da política econômica, em que governo sofre pesadas críticas do mercado, Kawall, do Safra, não vê sinais de uma “guinada populista”. 

A reforma da Previdência Social, mesmo sendo politicamente muito difícil de sair neste ano, está se tornando um consenso, o que também ajuda a amenizar o pessimismo dos mercados, diz o economista. Se a votação ficar para um próximo governo que não seja do PT, o partido não terá facilidade para se opor radicalmente à mudança, pelo fato de a reforma ter sido proposta agora, diz Kawall. 

O economista avalia que, na última entrevista do ministro que coordena os estudos para mudanças na Previdência, Miguel Rossetto, este teria sinalizado que não há urgência para o tema.

O cenário externo também ajuda a limitar as perdas de alguns ativos, diz Kawall. 

Apesar das dúvidas sérias com a China, a economia americana segue em crescimento e mesmo o desempenho da Europa continua positivo, apesar de alguns dados estarem vindo mais fracos. 

E a falta de um crescimento mais vigoroso, segundo Kawall, tem a contrapartida de juros perto de zero e estímulos monetários, o que ajuda a desviar capitais para países com juros mais altos, como o Brasil.

Mesmo a economia brasileira tem algumas boas notícias, apesar dos maus resultados nos campos fiscal, da inflação e crescimento, diz o economista do Safra. 

Ele cita o balanço de pagamentos, que tem mostrado números melhores do que o esperado, com a desvalorização do real ajudando a reverter o déficit comercial. Ao mesmo tempo, os investimentos diretos estão mostrando resiliência, diz Kawall. 

Ou seja, nem a profunda recessão e nem os receios com a trajetória da dívida estão afastando totalmente o investidor estrangeiro do Brasil.

Acompanhe tudo sobre:Dívida públicaJurosMercado financeiro

Mais de Economia

Câmara aprova projeto do governo que busca baratear custo de crédito

BB Recebe R$ 2 Bi da Alemanha e Itália para Amazônia e reconstrução do RS

Arcabouço não estabiliza dívida e Brasil precisa ousar para melhorar fiscal, diz Ana Paula Vescovi

Benefícios tributários deveriam ser incluídos na discussão de corte de despesas, diz Felipe Salto