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Da Redação
Publicado em 30 de setembro de 2009 às 08h40.
O governo não deve temer as críticas ao novo modelo regulatório para a exploração do pré-sal, segundo Lisa Viscidi, analista-chefe para América Latina da consultoria Energy Intelligence, que há mais de 50 anos monitora o mercado internacional de energia. Apesar de especialistas e empresários preferirem o atual modelo de concessão e terem criticado a adoção do sistema de partilha para os campos que serão licitados, Lisa diz que todas as grandes empresas do setor já manifestaram interesse na licitação dos novos blocos. A analista acredita que a mudança no marco regulatório só afugentaria os investidores privados se o governo tivesse rasgado os contratos vigentes e alijado as empresas estrangeiras do pré-sal. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
EXAME - Qual a perspectiva do pré-sal para investidores estrangeiros?
Lisa - Consideramos as reservas do pré-sal uma área extremamente importante, a nova fronteira em exploração petrolífera. Trata-se de uma enorme jazida, uma das descobertas de petróleo mais importantes das duas últimas décadas. Todas as grandes empresas de exploração de petróleo já manifestaram interesse no pré-sal brasileiro, mesmo aquelas que ainda não estão no Brasil, como Chevron e BP.
EXAME - E qual a avaliação dos investidores sobre a mudança do marco legal das novas reservas petrolíferas, que deixariam de seguir o regime de concessão para adotar o de partilha?
Lisa - Até o momento, as empresas de petróleo têm sido muito cautelosas em seus comentários sobre a questão. Ainda existe muita incerteza sobre a proposta do governo brasileiro. Ainda não está claro qual será a parcela das jazidas que as empresas poderão operar e também o que deverá mudar no regime de royalties. Outra coisa que não está clara é se o aumento do Estado na exploração do petróleo vai provocar uma subida no preço do produto. E ainda que o governo brasileiro tivesse um projeto de lei bastante específico, o que não é o caso, não sabemos se ele será aprovada pelo Congresso brasileiro. Logo, os investidores estão em compasso de espera, aguardando os acontecimentos. Para as empresas de petróleo, quanto maior o controle do Estado brasileiro sobre as novas jazidas, menos oportunidades elas terão.
EXAME Por que as ações da Petrobras caíram imediatamente após o anúncio das novas regras pelo governo?
Lisa - Essa é outra história. Logo depois do anúncio do governo, as ações caíram muito porque parecia que os direitos dos acionistas minoritários não seria respeitado, parecia que eles não poderiam investir na empresa e evitar que seu capital fosse diluído. Mas agora, a maioria dos analistas e investidores da Petrobras tem um sentimento positivo sobre o futuro de longo prazo da empresa. E isso acaba fortalecendo seus papéis. Isso significa que os investidores já não temem que a Petrobrás se converta numa PDVSA, que, sob o comando de Chávez, deixou de ser uma empresa de petróleo para tornar-se uma ferramenta de intervenção do governo venezuelano.
No caso brasileiro, se a Petrobras obtiver exclusividade para operar os novos poços do pré-sal, ainda assim ela continuará muito mais atraente do que uma PDVSA. A Petrobras é reconhecida internacionalmente por sua capacitação tecnológica, inovação e eficiência de gestão. A Petrobras é especialmente reconhecida em prospecção de petróleo submarino, o que é o caso das novas jazidas. Logicamente faz sentido que ela venha a ser a principal operadora nos novos campos. E cabe à operadora fazer as decisões estratégicas sobre a exploração, sobre onde perfurar, como comprar equipamentos e aí por diante. Logo, as demais empresas privadas terão que trabalhar seguindo as instruções da Petrobrás, tornando-se mais dependentes dela. Mas o apetite das empresas privadas vai variar. Aquelas que se julgarem mais inexperientes, certamente vão preferir ter a Petrobrás no comando.
EXAME - E qual a visão dos investidores estrangeiros sobre a nova estatal a ser criada, a Petrosal, para gerir os recursos das novas reservas?
Lisa - A criação dessa nova empresa é mais um motivo de incerteza, porque se trata de um modelo bastante raro de exploração de petróleo. De fato, a Noruega tem uma empresa semelhante, mas a questão aqui é saber se a nova empresa é realmente necessária, uma vez que além da Petrobrás, o Brasil já conta com sua agência reguladora de petróleo, a ANP. Sabemos que a Petrosal teria poder de veto sobre as decisões de investimentos a serem tomadas. Nesse sentido, até aqui parece que ela seria mais ativa operacionalmente do que a ANP.
EXAME - Que tipo de mudanças na lei brasileira seriam consideradas inaceitáveis para as empresas estrangeiras de modo que elas desistissem de investir e de explorar as jazidas do pré-sal?
Lisa - Creio que o interesse das empresas e investidores permanecerá, a despeito das mudanças no marco regulatório. Isso só aconteceria se o governo brasileiro resolvesse rasgar os contratos já vigentes e alijasse as empresas estrangeiras do pré-sal. Portanto, mesmo com as novas limitações, creio que as empresas petrolíferas continuarão interessadas nas novas reservas brasileiras. Outro ponto interessante, é que além de empresas ocidentais, o pré-sal brasileiro poderá ter uma participação significativa de empresas de países emergentes, como as chinesas.
EXAME - E os riscos técnicos do projeto? Será que a Petrobras e seus futuros parceiros terão condições de extrair óleo do fundo do mar sob condições extremas e antes que a exploração deixe de ser economicamente viável?
Creio que sim, por dois motivos. O primeiro é que nada indica que o petróleo deixará de ser o principal combustível da economia global em curto ou médio prazo. E a segunda razão é a própria escala do projeto: ela é tão vasta, que seu desenvolvimento vai acabar barateando a exploração comercial. É verdade que trata-se de uma empreitada inédita na história da exploração do petróleo, mas diante da enormidade das reservas, o interesse sobre elas é também gigantesco.