Economia

O teste do euro

A crise da dívida grega se alastrou para outros países e expôs divisões fundamentais no coração da União Europeia. Com menos de uma década de vida, a moeda única enfrenta seu primeiro grande desafio: é a hora da verdade para o sonho europeu

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

Foram apenas oito anos, mas há quem diga que demorou demais. O euro, a moeda única europeia, nem sequer completou uma década em circulação antes de enfrentar seu primeiro e dificílimo teste. A crise que irrompeu na Grécia e logo se espalhou para Irlanda, Itália, Portugal e Espanha escancarou as divisões políticas e os abismos econômicos entre os países que compõem a União Monetária Europeia. Nas últimas semanas, as acusações cruzaram o continente em todas as direções: os países endividados reclamam ajuda dos primos ricos; os dois grandes pilares do projeto europeu, Alemanha e França, desentenderam- se publicamente; os sentimentos nacionalistas acirraram-se com a perspectiva de ter de pagar a conta da irresponsabilidade alheia. Em vez de estreitar laços e aproximar nações, nas últimas semanas o euro vem promovendo justamente o contrário. Os mais otimistas dizem que a instabilidade atual é apenas uma dor do crescimento. Uma vez tomadas as medidas necessárias, a união seguirá mais forte do que nunca. Os pessimistas, pelo contrário, acreditam que estamos assistindo ao prenúncio do fim: um dos mais ambiciosos projetos políticos e econômicos da história vai naufragar por culpa de seus inúmeros buracos. Ainda é cedo para dizer quem tem razão, mas é certo que o euro, e o complicado concerto de nações por trás dele, sairá da crise atual profundamente transformado.

Apesar de seus cidadãos carregarem as mesmas cédulas e moedas na carteira, as diferenças entre as economias que compõem a zona do euro não poderiam ser mais marcantes. Finlândia e Alemanha, países exportadores, donos de uma balança comercial positiva, convivem com economias cada vez mais atoladas em dívidas, como Grécia e Portugal. Nos tempos anteriores à moeda única, esses países mantinham altas taxas de juro, economias pouco desenvolvidas - e, na manga, sempre havia a opção de desvalorizar a dracma e o escudo, respectivamente, para manter a competitividade de suas indústrias diante dos vizinhos mais musculosos. Com o euro, a situação se inverteu: os juros caíram rapidamente. O consumo nesses países explodiu, mas suas empresas ficaram contra a parede diante da competição externa.

"A ideia inicial era gerar uma modernização das economias mais frágeis, mas isso simplesmente não aconteceu", disse a EXAME Joachim Starbatty, professor emérito da Universidade de Tübingen, no sul da Alemanha. "Consumo é uma coisa, modernização é outra, bem diferente." Starbatty é um dos mais respeitados economistas alemães e também um crítico contumaz da ideia de união monetária. Ele propõe uma solução radical: uma ruptura do bloco entre os países "saudáveis" da União Europeia (Áustria, Finlândia, Alemanha e Holanda) e aqueles cujas moedas sempre se desvalorizaram (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha, os Piigs, mais França e Bélgica). "Unir países de perfis tão diferentes sob uma única moeda sempre foi uma grande ilusão", diz Starbatty.


Um desfecho extremo como esse ainda parece pouco provável, especialmente depois da costura do pacote de ajuda de 30 bilhões de euros, ou cerca de 72 bilhões de reais, que a União Europeia colocou à disposição da Grécia em 11 de abril (leia mais sobre a crise dos Piigs na pág. 128). Mas rede de segurança montada para os gregos não quer dizer que estejam todos a salvo - muito pelo contrário. As negociações para que se chegasse a essa solução foram arrastadas e jogaram luz sobre o fosso político que separa alguns integrantes- chave da União Europeia. Os alemães insistiram de forma enérgica para que o socorro envolvesse também o Fundo Monetário Internacional. Às vésperas de uma importante eleição em seu país, a chanceler alemã, Angela Merkel, não quer passar a seus eleitores a mensagem de que a Alemanha vai arcar com a irresponsabilidade fiscal alheia. Os franceses acusaram os vizinhos do leste de ser, pelo menos em parte, responsáveis pela instabilidade no bloco: os constantes superávits comerciais alemães prejudicariam as economias mais frágeis do continente.

O jogo de empurra parece ter esfriado um pouco, mas o desafio permanece. A opção de manter transferências de dinheiro constantes dos países mais ricos para os mais pobres está fora de questão. Agora, a tarefa que vai ocupar os dirigentes europeus é o estabelecimento de regras claras para o comportamento de cada um dos países da união monetária. "O ambiente institucional precisa ser muito aperfeiçoado", diz o economista alemão Gustav Horn, diretor do instituto de estudos econômicos Hans Böckler. Uma das ideias em discussão é a criação de uma espécie de governo econômico europeu. José Manuel Barroso, presidente da Comissão Europeia, órgão executivo da UE, apresentou no início de março um programa intitulado Europa 2020. A ideia é fortalecer a coor denação entre os integrantes do bloco e estabelecer metas comuns, como o aumento da taxa de emprego (de 69% para 75% da população em idade economicamente ativa), compromissos na redução de gases causadores do efeito estufa e o investimento de 3% do PIB em pesquisa e desenvolvimento. Cada uma dessas metas seria então dividida por país. O plano faz sentido no papel, mas sua aprovação certamente vai encontrar obstáculos políticos por toda parte. Além disso, como apontam os críticos, não há previsão de penalidades para os que deixarem de cumprir suas obrigações. Outra possibilidade é a criação de um Fundo Monetário Europeu, um equivalente do FMI cuja missão seria lidar com crises extremas, como a que afli ge a Grécia, e eventualmente assumir os compromissos de um país em caso de ca lote. Os dias de pânico vividos em março parecem ter ficado para trás. Mas as dúvidas essenciais permanecem, assim como continua real o risco de quebra de um dos países da União Europeia. O sonho da integração do Velho Continente ainda pode virar pesadelo.

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