São Paulo - O monumental "Capital no Século XXI", do economista francês Thomas Piketty, virou um best-seller improvável com seu retrato do aumento da desigualdade nas últimas décadas.
Só tem um problema: suas conclusões não são sustentadas pelos dados, de acordo com Carlos Góes, economista brasileiro que também é pesquisador-chefe do Instituto Mercado Popular.
"Não há nenhuma evidência empírica de que as previsões catastróficas de Piketty em relação à desigualdade devem se materializar", diz ele em post no site.
Suas conclusões aparecem em um trabalho para discussão publicado recentemente pelo Fundo Monetário Internacional (mas que não reflete necessariamente a posição oficial do órgão).
A tese central de Piketty é que sempre que a taxa de retorno do capital supera a taxa de crescimento econômico, a riqueza se concentra (a já famosa fórmula "r > g"). E como os mais ricos têm mais capital (como ações e imóveis), a concentração se retroalimenta.
"Acontece que, embora traga muitos dados, o livro de Piketty não traz nenhum teste formal para suas hipóteses. Na realidade, ele traz somente algumas correlações aparentes que o leitor pode visualizar em alguns gráficos de linha", explica Góes.
Para fazer um teste, ele aplicou uma regressão estatística sobre os dados de 19 economias avançadas ao longo de 30 anos para ver se a tese se sustenta - e a resposta é não.
"Não encontrei nenhuma evidência para corroborar a ideia de que o gap entre retorno e crescimento aumente a participação do capital na renda nacional. Em pelo menos 75% dos países, a resposta da desigualdade aos aumentos em r-g acontece de forma oposta ao postulado por Piketty".
Os resultados se sustentam mesmo com o uso de diferentes estimativas ou incluindo os impostos na conta.
Goés diz que Piketty pode ter subestimado a importância da taxa de poupança ao supor que ela fica constante ao longo do tempo, quando na verdade ela costuma flutuar junto com o crescimento.
Isso não muda o fato de que a desigualdade está subindo, mas sugere que os culpados sejam outros, tais como inovação tecnológica, aumento dos salários das pessoas mais qualificadas, declínio da filiação sindical ou mesmo a tendência dos mais ricos tendem a casar entre si.
E também pode ser que o banco de dados seja muito limitado:
"A desigualdade é um fenômeno complexo é suas tendências são muito lentas. É certamente possível que as relações de longo prazo propostas por Piketty existam e simplesmente não sejam capturadas por 30 anos de dados em 19 países avançados".
Precedentes
Não é a primeira vez que a obra de Piketty é desafiada. Ainda em dezembro de 2014, os economistas Daron Acemogluy e James Robinson publicaram pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) um trabalho parecido com o de Góes:
"A principal força econômica enfatizada no livro de Piketty, o intervalo entre a taxa de juros e de crescimento, não parece explicar os padrões históricos da desigualdade, especialmente a parcela da renda que vai para o topo da pirâmide", dizem eles.
No ano passado, um estudante de doutorado de 26 anos chamado Matt Rognlie causou sensação ao demonstrar em um comentário de blog que a obra do francês negligencia um "ponto sutil, mas absolutamente crucial": a importância da depreciação.
O erro, segundo ele, foi simplesmente supor que a maior parte do capital se valorizava com o tempo, quando na verdade esse processo está limitado ao setor imobiliário e não aos outros fatores da produção capitalista, como fábricas e patentes.
A parcela do capital estaria subindo, sim - mas só porque os terrenos se valorizaram demais.
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1. Olhando para o abismo
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1/12 (Guillaume Bonn/Woods/Galimberti/Guillaume Herbaut)
São Paulo - A desigualdade foi por muito tempo relegada às margens do debate econômico, mas isso está mudando. Um dos motivos é o próprio aumento do fosso entre ricos e pobres, especialmente no mundo desenvolvido, detalhado no improvável best-seller "Capital no Século XXI", de Thomas Piketty. Também ganhou força a hipótese de que a desigualdade excessiva prejudica a economia e o
crescimento como um todo,
sustentada por novos trabalhos acadêmicos. Myles Little, um editor de fotografia em Nova York, entrou para o debate reunindo fotografias que lançaram seu flash sobre o problema. Disso saiu uma exposição que já passou por China, Dubai, Alemanha, Nigéria, Guatemala, Bósnia e Herzegovina e Chicago e agora segue para Austrália, País de Gales e Etiópia. O
livro, realizado com financiamento coletivo, conta com uma contribuição de
Joseph Stiglitz, vencedor do prêmio Nobel da Economia. Em agosto do ano passado, EXAME.com
fez uma primeira série com 15 fotografias, estudos e declarações sobre o assunto. Veja agora a segunda parte:
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2/12 (Guillaume Bonn/INSTITUTE)
O 1% mais rico da população já acumula metade de toda a riqueza global, segundo o Credit Suisse (
veja as pirâmides). Eles estimam que 3,4 bilhões de pessoas (71% da população) tem menos de US$ 10 mil em riqueza cada. Combinada, essa maioria absoluta tem em suas mãos apenas US$ 7,4 trilhões, uma fração (3%) do total de riqueza global. Nos países desenvolvidos, apenas 1 em cada 5 indivíduos está na categoria mais baixa, e muitas vezes de forma transitória. Na Índia e na África, são 90%.
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3/12 (Zed Nelson)
“A desigualdade não é uma consequência fatalística de leis econômicas. O entrelaçamento dos sistemas políticos e econômicos determina a distribuição de riqueza e renda. Uma agenda real iria simultaneamente aumentar a eficiência econômica, a justiça e a oportunidade. Os governos deveriam começar reduzindo os excessos no topo, implementando leis mais fortes de competição e criando um sistema mais progressista de renda, riqueza e do sistema tributário corporativo”. - Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia em 2001, em texto de apresentação do livro.
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4/12 (Paolo Woods/Gabriele Galimberti/INSTITUTE)
De acordo com o Credit Suisse, há 33,6 milhões de indivíduos com riqueza entre US$ 1 milhão e US$ 50 milhões - só que a imensa maioria está bem mais perto da base do que do topo desta faixa. Quanto mais para cima, mais estreita vai ficando a pirâmide. O 1% no topo tem metade de toda a riqueza global e há apenas 123.800 indivíduos "ultra-ricos" no mundo, com mais de US$ 50 milhões em riqueza. "Enquanto a base da pirâmide é ocupado por pessoas de todos os países em vários estágios de seus ciclos de vida, os indivíduos muito ricos estão altamente concentrados em países e regiões específicos e tendem a compartilhar estilos de vida mais similiares", diz o relatório.
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5/12 (Guillaume Bonn/INSTITUTE)
"Não dá para separar pobreza e desigualdade. Se você quer reduzir a pobreza, precisa pensar na distribuição dos resultados, porque eles estão interconectados. Cito uma frase do [economista inglês] Richard Tawney: "O que os ricos ponderados chamam de problema da pobreza, os pobres ponderados chamam de problema da riqueza". Segundo porque quando falamos de bem-estar, a maioria pensa em algum tipo de igualdade de oportunidade e chance de desenvolver seus talentos. E é impossível ter igualdade de oportunidade com desigualdade excessiva de resultados. A desigualdade de renda e riqueza significa que não temos um um campo de atuação equitativo. As pessoas podem ir para a mesma escola, mas ir com ou sem café da manhã faz a diferença se elas vão se beneficiar daquela educação." - Anthony Atkinson, professor da Universidade de Oxford e um dos maiores especialistas em desigualdade no mundo, em
entrevista para EXAME.com.
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6/12 (Guillaume Herbaut/INSTITUTE)
Atualmente, um terço da riqueza da
China está nas mãos do 1% mais rico enquanto os 25% na base da pirâmide tem apenas 1% da riqueza. As
conclusões são de uma pesquisa anual em 15 mil domicílios de 250 cidades feita pela Peking University e financiada pelo governo. O coeficiente de Gini do país saltou de 0,3 em 1980 para 0,49 em 2012, com queda para 0,45 em 2015 (nesta medida, 0 representa igualdade perfeita e 1 representa desigualdade total).
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7/12 (Mikhael Subotzky / Goodman Gallery)
Em países como Suazilândia, Georgia e Colômbia, o
patrimônio de um único bilionário local seria capaz de erradicar a pobreza entre seus habitantes. Na África do Sul, o efeito seria relativamente pequeno. A tese foi defendida pelos pesquisadores Laurence Chandy, Lorenz Noe and Christine Zhang em um post recente no Brookings Institution. Nas Filipinas e no Brasil, uma transferência do tipo levaria a pobreza para um quarto do patamar atual (considerando uma renda mínima de US$ 1,90 por dia por pessoa em dólares de paridade de poder de compra).
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8/12 (Jacqueline Hassink)
"A forma como o Estado trata os ricos é mais importante do que como trata os pobres”, diz Marcelo Medeiros, pesquisador do Ipea e um dos principais especialistas em desigualdade do Brasil, em
entrevista para EXAME.com. "É porque eles detém uma quantidade gigantesca de recursos: o 1% mais rico tem cerca de um quarto de toda a renda do Brasil e uma capacidade de alavancar a desigualdade muito maior do que a de qualquer pessoa na parte de baixo. É quase uma aritmética simples: importa muito mais a desigualdade entre esses ricos e o resto da população do que entre os pobres e quem está perto da pobreza", diz Medeiros.
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9/12 (Jorg Brueggemann/OSTKREUZ)
"Por que deveríamos estar acorrentados ao lugar onde nascemos? Não deveríamos todos ter o direito de se mover pelo planeta? Por qual teoria moral é ok ameaçar pessoas com violência só porque elas procuram uma oportunidade econômica? Quando olhamos a questão dessa forma, fica difícil negar que nossas fronteiras são um sistema de apartheid global. Quem consegue defender isso? No final das contas, acho que vamos evoluir para um ponto onde o direito de ir para onde quiser será considerado um direito humano universal" - Alex Tabarrok, PhD pela George Mason University e autor do blog Marginal Revolution, em
entrevista para EXAME.com.
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10/12 (Simon Norfolk/INSTITUTE)
A desigualdade entre diferentes países é um dos grandes motores da imigração global, mas "nenhum economista notável acredita que imigração seja um "enorme" problema" em si, diz Tabarrok. Uma pesquisa da Universidade de Chicago com economistas consagrados
confirma sua posição. Estudos diversos mostram que os imigrantes
criam mais empregos do que tomam e que em uma Europa envelhecida, eles
podem ser parte da solução. "Na média, imigração tende a aumentar os salários dos nativos. Ironicamente, são os países que mais aceitam imigrantes que geralmente se dão melhor", diz Tabarrok.
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11/12 (Henk Wildschut)
Menos de 1% das obras do mercado de arte são vendidas por mais de US$ 1 milhão, mas elas respondem por 57% do valor de vendas em leilões,
segundo um relatório recente. Este segmento cresceu 400% na última década, taxa quatro vezes maior do que o resto. É nesta categoria que está a obra da foto: Ushering in Banality, do artista americano Jeff Koons. Dentro deste universo, o nicho de obras acima de US$ 10 milhões cresceu ainda mais rápido: 1.000% no mesmo período. No ano passado, trabalhos de Modigliani e Picasso estabeleceram novos recordes com valores acima de US$ 170 milhões cada.
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12/12 (David Leventi/Anna Skladmann/Gabriele Galimberti & Paolo Woods)