Economia

TCU, Congresso e mercado veem drible a teto e pedalada em Renda Cidadã

A divulgação da proposta, que não trouxe nenhum corte de outras despesas no Orçamento, azedou o humor dos investidores e resultou na disparada do dólar

Paulo Guedes e Jair Bolsonaro (Isac Nóbrega/PR/Flickr)

Paulo Guedes e Jair Bolsonaro (Isac Nóbrega/PR/Flickr)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 29 de setembro de 2020 às 07h43.

A proposta do governo de financiar o novo programa social, chamado Renda Cidadã, com recursos hoje carimbados para o pagamento de precatórios (valores devidos após sentença definitiva na Justiça) e o Fundeb está sendo vista como uma "pedalada fiscal" por apenas adiar dívidas já consideradas líquidas e certas e ainda driblar o teto de gastos, que limita o avanço das despesas à inflação. O anúncio, feito após reunião do presidente Jair Bolsonaro, ministros e lideranças no Palácio da Alvorada, acentuou a desconfiança do mercado financeiro sobre o compromisso do governo com o controle das contas públicas.

A divulgação da proposta, que não trouxe nenhum corte efetivo de outras despesas no Orçamento, azedou o humor dos investidores e resultou na disparada do dólar (alta de 1,44% fechando a R$ 5,63) e dos juros futuros, além de a Bolsa ter despencado (queda de 2,41%). O Banco Central precisou queimar suas reservas para tentar conter o avanço da moeda dos EUA. A turbulência vem num momento em que a dívida do País se aproxima a 100% do PIB e precisa ser refinanciada num prazo cada vez mais curto.

Relator do Pacto Federativo e do Orçamento de 2021, o senador Marcio Bittar (MDB-AC) disse que a intenção é garantir pelo menos R$ 30 bilhões adicionais para o novo programa, além dos R$ 35 bilhões já garantidos para o Bolsa Família. Hoje, o valor médio do benefício do Bolsa Família é em torno de R$ 193. Auxiliares do presidente Jair Bolsonaro disseram que a ideia é que o Renda Cidadã tenha um benefício médio 50% superior ao do que é pago no programa criado na gestão petista (algo em torno de R$ 290).

Ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, diretor do Asa Investments, avaliou que o adiamento dos precatórios é uma "pedalada fiscal", uma vez que a dívida não paga continua existindo. "Tem gente dizendo que é pedalada ( o adiamento de pagamento dos precatórios). É pedalada. Mas é pior do que isso, é calote. Se há dinheiro, mas não pago a dívida na data combinada para abrir mais espaço para gastar, lá na frente, pode fazer isso de novo e não pagar nunca", disse.

Truque

O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, disse que usar dinheiro reservado para o pagamento de precatórios "parece truque para esconder fuga do teto de gastos" ao reduzir a despesa primária de "forma artificial" porque a dívida não desaparece, apenas é rolada para o ano seguinte. "Em vez do teto estimular economia, estimulou a criatividade", criticou no Twitter.

Segundo cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, o governo pode "poupar" R$ 38,65 bilhões dos R$ 55 bilhões previstos originalmente para 2021 com a nova fórmula de pagamento dos precatórios, que destinaria 2% da receita corrente líquida a esse fim. Esse valor poderia ser direcionado ao novo programa social. Mas o diretor executivo da IFI, Felipe Salto, alerta que a medida apenas "empurra com a barriga" o valor que o governo federal deve aos seus credores, que vão desde beneficiários da Previdência Social até empresas credoras da União. "Precatório é despesa obrigatória, fruto de decisão judicial. Fixar limites para o seu pagamento significa escolher pagar a alguns dos credores da União", diz Salto.

A proposta de limitar o pagamento de precatórios a 2% da receita corrente líquida já foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que analisou regime especial aprovado pelo Congresso para Estados e municípios saldarem suas dívidas com os credores. A análise da Corte é que a medida fere cláusulas pétreas da Constituição como a de garantia de acesso à Justiça, a independência entre os Poderes e a proteção à coisa julgada.

Com a recepção negativa dos investidores, durante a tarde, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), se reuniu virtualmente com dezenas de economistas das principais empresas de investimentos e bancos, entre eles Itaú, XP Investimentos, Garde Investimentos, mas não os convenceu.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), defendeu a medida e afirmou que é "equivocado dizer que é pedalada".

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