Exportações: tarifas de Trump ameaça produtos embarcados e paralisa envio de produtos (Andrew Reynolds/AFP)
Publicado em 22 de julho de 2025 às 06h00.
Última atualização em 22 de julho de 2025 às 10h06.
A tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, só entra em vigor no dia 1º de agosto, mas já interrompeu a produção ou o envio de uma série de itens exportados para os americanos.
Setores como carne bovina, frutas, pescados e madeira já enfrentam interrupções na produção e no envio, com embarcações paradas, contratos cancelados e incertezas sobre a aplicação da sobretaxa em cargas já embarcadas.
As empresas correram contra o relógio nas primeiras semanas de julho. No Porto de Santos, por exemplo, houve aumentos de mais de 90% de embarcações em alguns setores.
O governo brasileiro tenta, às pressas, negociar com o setor produtivo formas de lidar com a tarifa, que pode atingir US$ 160 milhões somente nas exportações de carne bovina.
A situação é especialmente delicada para os produtores de pescados, madeira, café e frutas, que ainda enfrentam a indefinição sobre o futuro de suas exportações para os EUA.
Carne bovina: US$ 160 milhões em risco
No primeiro semestre deste ano, o Brasil exportou para os Estados Unidos 181,5 mil toneladas de carne bovina, segundo a Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), cujos integrantes respondem por 98% das exportações. A receita alcançou US$ 1 bilhão, um aumento de 102% em relação ao ano anterior.
Os EUA são o segundo maior destino do produto brasileiro, perdendo apenas para a China. Os americanos enfrentam o menor ciclo pecuário dos últimos 80 anos e, por isso, precisam complementar a produção com carne brasileira.
A Abiec afirma que cerca de 30 mil toneladas produzidas estão nos portos ou já embarcadas e podem chegar aos portos americanos apenas a partir de 1º de agosto.
O receio é que esses produtos sejam taxados em 50%. As contas da associação indicam que essa parcela represente até US$ 160 milhões em produtos, ou quase R$ 890 milhões com os atuais níveis de câmbio.
Peixes e frutos do mar: sem plano B
A Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca) afirma que pelo menos 1.500 toneladas de peixes e frutos-do-mar deixaram de embarcar para os Estados Unidos desde 10 de julho.
Hoje, mais de 70% das exportações brasileiras de pescado têm como destino os Estados Unidos.
A Abipesca diz que mais de 20 mil trabalhadores da indústria e quatro milhões de brasileiros que dependem da cadeia produtiva pesqueira serão impactados, uma vez que não existe plano B para escoar esses produtos.
Madeira: férias coletivas forçadas
A Associação Brasileira da Indústria de Madeira Processada Mecanicamente (ABIMCI), que representa a indústria de madeira sólida em vários segmentos de produtos, como compensados, madeira serrada, pisos, molduras e portas, afirma que a maioria dos contratos está sendo cancelado pelos importadores norte-americanos e muitos embarques foram suspensos.
A estimativa é que haja mais de 1.400 contêineres com produtos já embarcados e em trânsito marítimo para os Estados Unidos, além de mais 1.100 contêineres posicionados em terminais portuários aguardando embarque, possam ser impactados.
Não se sabe ao certo se os produtos serão afetados diretamente pelas tarifas. Os cálculos da Associação Paranaense de Empresas de Base Florestal (APRE) é que cada contêiner tenha entre US$ 20 mil e US$ 30 mil em produtos, o que representaria US$ 75 milhões em cargas embarcadas ou preparadas para embarcar.
A associação diz ainda que as empresas do setor já estão sendo obrigadas a adotar férias coletivas forçadas, na tentativa de ganhar tempo e preservar empregos, enquanto outras estão planejando desligamentos.
O café, um dos produtos mais exportados para o mercado americano, com 7,4 milhões de sacas entre julho de 2024 e junho deste ano, está em período de entressafra.
Segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), até o momento não existem relatos de suspensão de embarque ou cargas paradas, mas a entidade vê um cenário incerto para a mercadoria que já está embarcada e para a próxima safra, que está sendo colhida neste momento e ainda não entrou no mercado.
Em nota, o Cecafé diz que os portos de New Orleans e Nova York, nos EUA, detêm cerca de 30% e 15%, respectivamente, do recebimento do café brasileiro.
Quando se avalia o transit time desses portos, a partir de Santos, os cafés brasileiros provavelmente irão chegar após 1º de agosto — e ainda não se sabe se a tarifa será aplicada na chegada da carga ou no seu embarque.
No caso das frutas, a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas) afirma que os americanos absorvem 77 mil toneladas de manga, uva e frutas processadas, como açaí, somando mais de US$ 133 milhões em exportações.
A Abrafrutas diz que ainda não há contêineres parados nos portos neste momento, já que a safra da manga, principal fruta exportada, ainda não começou a ser colhida.
A previsão é de que a colheita tenha início na última semana de julho ou no começo de agosto.
O setor afirma que, no momento, não existe outro mercado para enviar esses produtos, que podem estragar ou ser vendidos a preços muito abaixo do esperado.
A Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR) afirma que, na safra 2024/2025, as exportações representaram mais de 305 mil toneladas de suco enviadas para os Estados Unidos, resultando em mais de US$ 1,3 bilhão em receita para o Brasil.
Ibiapaba Netto, presidente da entidade, explica que a safra está no começo, mas o setor não deverá enfrentar o problema de navios parados, pois tem embarcações próprias e pode direcionar o produto para a Europa.
"O problema, segundo ele, está no 'buraco' de 40% da demanda da produção brasileira. O setor só conseguirá detalhar o possível impacto após a tarifa entrar de fato em vigor", diz Ibiapaba.
Dados do Porto de Santos, que responde por 30% da média da corrente comercial do Brasil e tem os EUA como segundo maior cliente, mostram que diversos setores correram para tentar enviar os produtos e garantir que chegassem em solo norte-americano antes do prazo.
Na comparação da primeira com a segunda semana de julho, houve um aumento de 96% nos embarques de proteína animal por contêineres.
A exportação de café, especialmente para os Estados Unidos, aumentou 17% no mesmo período.
O embarque de celulose também cresceu, chegando a 49,4 mil toneladas na segunda semana deste mês, após não ocorrer nenhum embarque na primeira semana de julho.
Pessoas envolvidas na administração do Porto afirmam que a "correria" foi mais intensa nas primeiras semanas do mês. Agora, a movimentação diminuiu, já que um embarque realizado nesta semana dificilmente chegará antes da vigência da tarifa.