Quinoa: cañihua é uma variedade prima do grão (Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 31 de maio de 2014 às 11h22.
Lima/Washington - Sob o sol brilhante do platô altiplano da Bolívia, Justo Herrera, 72, arranca do chão um talo de cañihua, da altura do joelho, apressado para terminar a colheita antes da próxima geada.
“Trinta gramas de cañihua, uma colherada de açúcar, um pouco de limão e você não fica com fome”, disse Herrera. “É vitamina pura”.
De fato, as potentes variedades que Herrera tem cultivado desde menino são tão incrivelmente nutritivas quanto perfeitamente adaptadas ao clima montanhoso dos Andes.
Elas também estão correndo o risco de desaparecer.
Uma variedade prima, a quinoa, está sendo preferida pelos jovens produtores na região, que buscam abastecer a Trader Joe’s, a Whole Foods Market e outras mercearias da moda que vendem o grão, assim como cuscuz e arroz basmati.
Embora seja um superalimento por mérito próprio, a quinoa não se adapta tão bem às mudanças de temperatura e aos padrões de chuva quanto a cañihua – o que é motivo de preocupação, pois as alterações climáticas estão virando o jogo contra produtores e consumidores.
À medida que os produtores como Herrera envelhecem, seus conhecimentos sobre o cultivo do nutritivo grão que resiste às geadas podem se perder, junto com as variedades locais que ele produz. Isso deixaria os bolivianos com uma fonte de alimento próprio a menos enquanto o clima se torna mais volátil.
Safra órfã
A cañihua é uma “safra órfã”: uma planta que recebe pouca atenção do mercado e dos pesquisadores em comparação com os principais suportes dos agronegócios, como a soja.
Como resultado, há uma perda de cultivos muito difundidos pois safras ricas em nutrientes e bem adaptadas às condições de produção locais são negligenciadas, disse Allen Van Deynze, botânico da Universidade da Califórnia Davis.
Há cerca de 20.000 plantas comestíveis em todo o mundo. Menos de 20 delas fornecem 90 por cento de todos os alimentos, de acordo com a Plants for a Future, com sede no Reino Unido.
Muitas das plantas restantes são promissoras em termos de adaptação às mudanças climáticas, disse Van Deynze, que ajudou a fundar a Academia africana de cultivo de plantas da Universidade da Califórnia Davis em Nairóbi, no Quênia, parte de um consórcio de safras órfãs que inclui a União Africana e a Mars.
“Essas safras são importantes para a segurança dos alimentos e são essenciais para grandes quantidades de pessoas, mas elas não geram receitas significativas ou lucros que poderiam ser investidos na melhoria daquela colheita”, disse Paul Anderson, diretor executivo do Instituto para a melhoria de colheitas internacionais no Centro de Botânica Donald Danforth, em Saint Louis.
É difícil identificar quanto dinheiro é investido nas pesquisas de safras órfãs porque, por definição, elas recebem pouco dinheiro.
Exportação quadruplicada
A queridinha dos consumidores preocupados com a saúde e um boom para os pequenos produtores dos Andes na América do Sul, a quinoa era chamada de “grão mãe” pelos Incas.
As Nações Unidas declararam 2013 como o Ano Internacional da Quinoa. À medida que os consumidores ocidentais descobriram-na e enlouqueceram por seu alto valor nutricional e versatilidade, as vendas aumentaram repentinamente.
A cañihua, um grão menos amargo e mais crocante, foi apelidada de “quinoa bebê” porque seus grãos são menores e é um superalimento por mérito próprio. Sem glúten, como a quinoa, ela tem a metade do conteúdo de gordura e mais proteína.
A cañihua costuma ser usada para aumentar o sabor de outros alimentos ou é transformada em farinha para fazer pães e massa de pastelaria.
Talvez mais importante do que isso no longo prazo, ela resiste a climas extremos, o que será fundamental para produtores e consumidores nas décadas vindouras, disse Stefano Padulosi, cientista sênior na Biodiversity International, em Roma.
Os problemas de rendimento e colheita poderiam ser reduzidos com a pesquisa adequada, disse Alejandro Bonifacio, produtor de quinoa e cañihua e geneticista da Fundação Proinpa.
A cañihua é a “órfã das órfãs”, disse Bonifacio, que trabalha com a colheita em suas horas livres, experimentando para encontrar variedades que rendem melhor e têm ciclos menores de crescimento – dois fatores que a tornariam melhor para os produtores e mais resiliente ao clima.