Esplanada dos ministérios: folha de pagamento do funcionalismo é o segundo maior gasto da União (Carla Siqueira/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 11 de dezembro de 2019 às 16h35.
Última atualização em 11 de dezembro de 2019 às 17h02.
São Paulo — A reforma administrativa, que o governo promete enviar ao Congresso em fevereiro, é frequentemente apresentada como mais um passo do ajuste fiscal.
O texto deve alterar regras de estabilidade e salário do funcionalismo público, cuja folha de pagamento o segundo maior gasto da União, atrás só da Previdência.
O caminho, porém, pode não desaguar em maior produtividade por menor preço, segundo especialistas ouvidos nesta quarta-feira (11) em debate na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
"A expectativa é que normas gerais nacionais melhorem nossa administração de pessoal. Mas a história de aplicação dessas normas não é muito feliz", diz Carlos Ari Sundfeld, professor da faculdade de direito da FGV.
"Em alguns casos, porque os destinatários conseguem manobrar as leis. E, na maioria deles, porque essas regras tem foco apenas em gestão fiscal. Mas estamos falando também de gestão de pessoal", completa.
Para Sundfeld, o desafio é atacar excessos fiscais sem ignorar os problemas de eficiência administrativa: "O Brasil não conseguiu ter estabilidade ou homogeneidade na política de gestão de pessoal. Mas tem áreas de poder público onde há excelentes histórias nesse sentido, como no Banco Central", diz.
Essa ideia de que o Estado precisa ser totalmente reformado é comum, nota Fernando Facury Scaff, professor de direito financeiro da USP, e acaba ajudando o governo a vender sua ideia.
"Será que nós somos tão incompetentes assim? Porque não se identificam os caminhos a partir de exemplos positivos? Não é a lógica do desmonte que vai nos salvar, mas a do aperfeiçoamento", diz.
Um dos exemplos usados pelos professores para destacar a ineficácia de regras gerais é a questão da estabilidade do servidor.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que o governo deve propor aumentaria de três para dez anos o prazo para que o servidor tenha estabilidade. Mas os três anos, segundo eles, já seriam suficientes para o teste — o problema é que a regra não funciona na prática.
"Há 3 anos para verificar se o servidor dá conta do trabalho. Somar mais 7 a esses anos é uma bobagem", diz Clovis Bueno de Azevedo, da escola de direito da FGV.
"A avaliação de estágio probatório prevista em lei hoje não é feita na prática. Para que isso comece a funcionar, a resposta não é mudar a Constituição. Também não precisa mudar a Constituição para aumentar o uso do trabalho temporário", diz Sundfeld.
É uma ideia do governo passar a permitir também a contratação de celetistas e funcionários terceirizados (já possível hoje) no funcionalismo, sem a necessidade de passarem por concurso público.
"Não me parece razoável uma carta branca para governantes decidirem sobre as contratações livremente", diz Azevedo.
Antes de propor uma reforma no funcionalismo, segundo Sundfeld, o primeiro passo seria focar na construção da politica de desempenho.
"Uma política que faça sentido, que funcione na prática e que selecione de fato os melhores. Nosso problema não e falta de regulamentação, é de aplicação", diz.