Economia

O show vai começar. E depois?

A Copa da África do Sul começa em um mês, mas o que restará dela aos cidadãos quando soar o apito final? O legado dos - até agora - 4,2 bilhões de dólares investidos ainda é incerto, mas poucos acreditam num salto de qualidade. Para o Brasil, fica o alert

Treino para operar trem: poucos empregos criados (.)

Treino para operar trem: poucos empregos criados (.)

DR

Da Redação

Publicado em 31 de maio de 2010 às 17h15.

A menos de um mês do início da Copa de 2010, a África do Sul ainda corre para concluir obras. A parte mais diretamente ligada aos jogos deverá ficar pronta a tempo e poderá encantar os turistas e amantes do esporte mais popular do planeta. O legado para os 49 milhões de sul-africanos após 11 de julho, quando o juiz apitar o fim do último jogo, porém, é incerto. Num país com muitas carências, alimentou-se por quatro anos a expectativa de que o esforço para realizar o maior evento esportivo global traria avanços em áreas como transporte urbano e segurança, além de atrair investimentos e gerar empregos. Já se sabe que a falta de planejamento e os problemas com mão de obra pouco qualificada resultaram em atrasos de cronograma, abandono de projetos e estouro do orçamento. O custo inicial estimado para as obras, de 3,5 bilhões de dólares, subiu para 4,2 bilhões, dos quais 1,5 bilhão só em estádios. Como nem tudo foi concluído, a conta pode crescer. Um balanço do que foi feito até agora mostra um cenário desigual, como se vê nesta e nas próximas páginas. Houve avanços claros nas áreas vitais para o funcionamento do evento. Os aeroportos das cidades-sede foram reformados e provavelmente serão a principal herança da Copa. O governo também se apressou em melhorar a ligação até os estádios com a criação de linhas de ônibus para os turistas. Nas áreas de energia e telecomunicações, os esforços se centraram na garantia de que as transmissões não tenham problemas - e só. Mudanças de fundo parecem improváveis e dependem de obras a ser feitas após a Copa. Idealmente, grandes eventos deveriam catalisar planos maiores de um país. Em muitas áreas, o governo sul-africano se limitou a tapar buracos - na linha do que se viu no Rio de Janeiro por ocasião dos Jogos Pan-Americanos de 2007. O Brasil, também cheio de deficiências estruturais, precisa aprender a principal lição da Copa do Mundo da África do Sul. Uma coisa é realizar os jogos. Outra é aproveitar a oportunidade para um verdadeiro salto de qualidade.

Transporte urbano

A promessa: devido à herança dos tempos do apartheid, quando os brancos andavam de carro e o regime segregacionista não se preocupava com o serviço para a população negra, o transporte público é uma das maiores deficiências das cidades sul-africanas. Com poucas linhas de ônibus e sem metrô, um caótico sistema de vans e táxis coletivos é o principal meio de deslocamento. A Copa trouxe a expectativa de um salto na mobilidade urbana.

O que foi feito: após quatro anos de obras, o governo corre para inaugurar a primeira e única linha de metrô do país, em Johanesburgo (só para comparar: o Brasil atualmente constrói cinco linhas). Algumas cidades ganharão corredores de ônibus, em especial na ligação com os estádios. O governo criou também uma linha de ônibus entre Johanesburgo e Soweto, subúrbio que concentra grande população negra e de baixa renda. É melhor do que nada, mas obviamente uma gota num oceano de necessidades. Por isso, a expectativa é que o caos continue. Muitos corredores de ônibus prometidos e outras obras vitais não saíram do papel e há o temor de que sejam deixados de lado após o campeonato.


Estradas

A promessa: reformar as principais estradas e conectá-las a terminais de transporte urbano.

O que foi feito: houve avanço real em alguns trechos de estradas como a N1 e a N2, ambas partindo de Johanesburgo. Mas o investimento de 640 milhões de dólares se limitou às áreas entre as cidades que sediarão a Copa. Uma transformação mais profunda ficou para depois. Assim como no caso do transporte urbano, teme-se que após o evento a continuidade dos planos de expansão seja adiada e as obras fiquem abandonadas.

Segurança

A promessa: reduzir os índices de criminalidade e violência do país, que registra mais de 18 000 assassinatos e meio milhão de estupros por ano.

O que foi feito: o esforço começou tarde e foi em grande parte centrado no aumento de efetivo apenas durante a Copa - o que, por si só, compromete o legado pós-jogos. Durante o evento, o número de policiais passará de 55 000 para 190 000. O país contará também com alguns equipamentos novos, como 40 helicópteros, 100 viaturas para patrulhamento de rodovias e 300 câmeras de vigilância. Há sérias dúvidas sobre a real eficiência da estratégia. Na Copa das Confederações, torneio preliminar realizado em 2009, mesmo com a segurança reforçada por 41 000 guardas, várias equipes de futebol e jornalistas relataram furtos. O mais importante é a constatação de que pouco ficará como herança. A Copa dificilmente mudará o cenário de um dos países mais violentos do mundo.

Capacitação e emprego

A promessa: criar mais de 20 000 empregos fixos e desenvolver empresas de pequeno e médio porte, principalmente da comunidade negra, que é economicamente a mais carente.

O que foi feito: estima-se que os empregos diretos e indiretos gerados temporariamente na preparação e durante a Copa somem 130 000 em diversas áreas, principalmente na construção civil e nas ligadas à saúde. Houve, com isso, um ganho de qualificação, mas há risco de que o esforço se perca. Muitos dos trabalhadores que participaram da construção dos estádios já foram dispensados. A economia do país, ainda em recuperação após a queda de 2% em 2009, não tem absorvido os trabalhadores recém-qualificados. Os investimentos estrangeiros inicialmente esperados não ocorreram e o fluxo de turistas ficará aquém do estimado com a Copa.


Energia e telecomunicações

A promessa: as grandes cidades sul-africanas sofrem apagões de energia elétrica constantemente. Apesar disso, não houve promessas de solução ampla. Desde o início, a proposta foi apenas garantir o necessário para o andamento da Copa. No que diz respeito às telecomunicações, o acesso a banda larga é restrito e o funcionamento da internet é lento. Chegou-se a falar em contratação de novos satélites para fazer a transmissão de 40 gigabytes por segundo - esses satélites seriam utilizados após o torneio para ampliar os serviços de banda larga. Mas a ideia foi logo abandonada. O que foi feito: confirmando a pretensão modesta, o que o governo fez foi providenciar geradores movidos a óleo ao lado dos estádios para garantir que não haja problema de falta de energia durante os jogos. Os apagões que atormentam a população vão continuar. No campo das telecomunicações, apenas investimentos localizados foram feitos para que a mídia internacional não tenha problemas na transmissão das partidas.

O que foi feito: confirmando a pretensão modesta, o que o governo fez foi providenciar geradores movidos a óleo ao lado dos estádios para garantir que não haja problema de falta de energia durante os jogos. Os apagões que atormentam a população vão continuar. No campo das telecomunicações, apenas investimentos localizados foram feitos para que a mídia internacional não tenha problemas na transmissão das partidas.

Saúde

A promessa: melhorar o atendimento, criando duas centrais hospitalares equipadas, no valor de 4,8 milhões de dólares, em cada província que receberá o torneio.

O que foi feito: nos últimos três anos, o governo investiu 106 milhões de dólares em equipamentos para o Serviço de Emergências Médicas e contratou pessoal. Agora, somente em Johanesburgo há mais de 1 300 funcionários à disposição. Desse modo, o sistema de saúde sul-africano é uma das áreas mais benefi ciadas pela Copa. Essa pode ser uma oportunidade para cortar os índices de infecção pelo vírus HIV, que atualmente atinge 18% dos adultos e faz do país um dos que mais têm doentes de Aids.

Aeroportos

A promessa: modernizar e expandir a infraestrutura dos aeroportos com uma injeção de 2,5 bilhões de dólares.

O que foi feito: a infraestrutura aeroportuária de fato melhorou e deve ser o maior legado da Copa. Os aeroportos das cidades-sede foram reformados, como o da Cidade do Cabo, o de Mangaung e o de Johanesburgo. Depois do evento, prevê-se que as novas estruturas sejam utilizadas para receber principalmente voos de outros países africanos, responsáveis por cerca de 70% do turismo do país.


Imagem

A promessa: a África do Sul, por ser o primeiro país africano a sediar um evento global, desejava representar o continente e, mostrando seu potencial e sua diversidade cultural, melhorar uma imagem convencionalmente ligada a problemas como miséria e violência. O governo anunciou recentemente a intenção de receber também a Olimpíada de 2020.

O que foi feito: a falta de organização, que levou o país a chegar às vésperas do evento correndo para aprontar as obras, prejudicou o plano de mostrar evolução. Sem confiar na melhoria da segurança e cientes das dificuldades de deslocamento interno, muitos estrangeiros, que seriam potenciais espectadores dos jogos, não se animaram a viajar. A grande prova para a África do Sul se dará obviamente com a bola rolando nos gramados - somente então será possível aferir qual a imagem final do evento. "A Copa dá aos sul-africanos a oportunidade de demonstrar ao mundo quem realmente somos ao completar 16 anos de democracia", diz Danny Jordaan, chefe do comitê organizador. O Brasil, próximo da fila com a Copa de 2014, deverá prestar atenção redobrada nos sul-africanos - não tanto em sua seleção, que não assusta ninguém, mas nos erros e acertos do país na condução do maior evento do mundo.


Acompanhe tudo sobre:ÁfricaÁfrica do SulCopa do MundoEsportesFutebol

Mais de Economia

ONS recomenda adoção do horário de verão para 'desestressar' sistema

Yellen considera decisão do Fed de reduzir juros 'sinal muito positivo'

Arrecadação de agosto é recorde para o mês, tem crescimento real de 11,95% e chega a R$ 201,6 bi

Senado aprova 'Acredita', com crédito para CadÚnico e Desenrola para MEIs